Artigo de Opinião: Mulheres insustentáveis
GILBERTO
DIMENSTEIN
O
culto à magreza seria colocado no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e a
bebida
O PARLAMENTO espanhol aprovou, na
semana passada, lei que proíbe publicidade, na TV, com exaltações ao
"culto do corpo" –a proibição vale das 6h às 22h, destinada,
supostamente, a proteger crianças e adolescentes. A decisão radical dos
espanhóis coincide com o mês no Brasil em que os desfiles de moda no Rio e em
São Paulo colocam ainda mais alto no pedestal seres esqueléticos, apresentados
como padrão máximo de beleza.
O argumento que sensibilizou os
parlamentares espanhóis: "a publicidade que associa a imagem do sucesso
com fatores como peso ou estética incita a discriminação social pela condição
física". Esse tipo de argumento sensibiliza também políticos da França,
onde tramita uma lei determinando que todos os anúncios com mulheres e homens
retocados tenham uma advertência sobre a falsidade da fotografia. O culto à
magreza seria colocado, portanto, no mesmo patamar das campanhas contra o fumo
e a bebida.
Considere-se ou não papel do poder público meter-se nesse tipo de publicidade, o fato é que se espalha pelo mundo, inclusive no Brasil, uma reação contra as mulheres insustentáveis, cujos corpos só se mantêm (salvo questões genéticas) na base da faca e consumo insalubre de alimentos.
Considere-se ou não papel do poder público meter-se nesse tipo de publicidade, o fato é que se espalha pelo mundo, inclusive no Brasil, uma reação contra as mulheres insustentáveis, cujos corpos só se mantêm (salvo questões genéticas) na base da faca e consumo insalubre de alimentos.
Sempre houve, na história da
humanidade, padrões de beleza. O problema é que, agora, juntaram-se à cultura
das celebridades, o culto do narcisismo, a visão cada vez mais imediatista dos
jovens e as óbvias questões de saúde para alcançar determinado tipo de padrão
de beleza, tudo isso embalado pela publicidade.
A cultura da celebridade é visível nos meios de comunicação, onde as entrevistas de modelos, repletas de asneiras e banalidades, ganham destaque.
A cultura da celebridade é visível nos meios de comunicação, onde as entrevistas de modelos, repletas de asneiras e banalidades, ganham destaque.
Isso se traduz, por exemplo, nos casos
cada vez mais frequentes de anorexia e bulimia que chegam aos consultórios
médicos. Ou nas cirurgias plásticas feitas por crianças e adolescentes, quase
todas por motivos estéticos, em sua maioria lipoaspiração. Somos um dos países
campeões do mundo em cirurgia plástica: proporcionalmente estamos empatados com
os americanos.
O último dado disponível: das 650 mil
cirurgias realizadas no país, 15% são feitas em crianças e adolescentes.
Psicólogos me informam que, muitas vezes, há estímulo paterno.
Uma pesquisadora de Harvard (Susan
Linn) publicou recentemente estudo mostrando a relação entre excesso de
publicidade e distúrbios alimentares (da obesidade à anorexia) entre crianças e
adolescentes americanas -ela também mostrou a relação entre marketing e sexo
precoce.
Sou dos que defendem que a publicidade
deve ser responsável e fiscalizada pela sociedade e, em certos casos, limitada.
O perigo é imaginar que limitar a publicidade ajuda muito. O exemplo do pai
exagerando na bebida é muito mais poderoso para o filho do que todos os
anúncios.
Há um consenso entre psicólogos e
educadores de que a doença das mulheres insustentáveis é um problema de
educação de valores.
Todos sabem que a adolescência é uma
fase de desconforto, na qual se testam, como em nenhum outro período, limites e
frustrações, em meio a crises de baixa autoestima. Também todos sabem que vivemos
uma época da busca imediata do prazer, tudo tem de ser em tempo real, num
estímulo constante ao consumo.
A psicóloga Rosely Sayão lembra que,
nesse contexto, são reverenciadas, por causa do imediatismo, as drogas legais e
ilegais. Muito mais rápido do que fazer terapia é empanturrar-se de alguma
pílula contra ansiedade. A tristeza é medicalizada, como se não fizesse parte
do cotidiano é como se devêssemos sempre parecer algum personagem sorridente de
revista de celebridades ou parte de um anúncio, com a família feliz, de caldo
de galinha.
Entrar na faca é bem mais rápido do que
mudar a alimentação ou ficar malhando. Psicólogos alertam que o problema é bem
mais fundo do que a necessidade de malhar ou controlar a alimentação –e aí
entra a necessidade de educação de valores, uma das preocupações das escolas
mais sérias.
Educação de valores significa discutir
o que significa beleza e aprender a relativizar a estética afinal, beleza pode
ser simplesmente a pessoa se conhecer e se gostar. Em síntese, sentir-se bem,
apesar das limitações e imperfeições.
É bem mais fácil e rápido (e menos
eficiente) tirar do ar a publicidade das anoréxicas profissionais do que
manter, nas escolas, na família e nos meios de comunicação, um debate sobre o
que é essencial na existência.
Mas o fato é que, para muitos, mulheres
insustentáveis são feias.
PS
– As
escolas deveriam aproveitar a obrigatoriedade do ensino de filosofia (o que
considero um avanço) para discutir esse tipo de assunto. Seria uma encantadora
aula mostrar a evolução do corpo desde os tempos gregos. Se Marilyn Monroe
fosse procurar emprego hoje, certamente alguém a mandaria se internar no SPA.
São Paulo, domingo,
10 de janeiro de 2010
Entendendo o texto:
01 – Com relação ao título,
responda:
a)
O título antecipa o tema do texto?
Sim, porque o texto fala de mulheres que não se sustentam de tão
magras; isso fica claro no 2º e 3º parágrafos. Obs.: se a pergunta for feita
antes da leitura do texto, a palavra pode ser tomada no sentido econômico,
significando mulheres que ninguém consegue sustentá-las, porque gastam muito.
b)
Quais as relações de sentido entre o título e
o texto?
Há relações em todo o texto: ao falar dos corpos que não se
sustentam, das cirurgias de lipoaspiração, do número de cirurgias realizadas no
país, da educação de valores etc.
c)
A definição de “insustentável” encontrada no
dicionário coincide com a explicação dada pelo autor para as “Mulheres
insustentáveis” do texto? Explique.
Mostrar que há outras acepções do termo, mas “que não se pode
sustentar” é a empregada no texto.
02 – No primeiro parágrafo,
o autor se refere a dois fatos:
a)
Quais são eles?
1 – O Parlamento espanhol que aprovou lei que proíbe publicidade na
TV, com exaltações ao “culto ao corpo”.
2 – A lei francesa determinando que todos os anúncios com mulheres e
homens retocados tenham uma advertência sobre a falsidade da fotografia.
b)
Que relações se estabelecem entre os fatos
apresentados?
Observar que ambos tratam do exagero do culto ao corpo e do uso da
publicidade.
c)
Por que o autor se refere aos dois fatos?
Podem surgir várias respostas, tais como: usar dois argumentos para
fundamentar a tese proposta, considerar que os dois fatos falam do papel poder
público (2º parágrafo).
03 – Que argumento
fundamenta a Lei Espanhola?
“A publicidade
que associa a imagem do sucesso com fatores como peso ou estética incita a
discriminação social pela condição física”.
04 – Como a França reagiu ao
assunto?
Criou uma lei e
colocou o culto à magreza no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e as
bebidas.
05 – Podemos afirmar que o
terceiro parágrafo trata: do poder da propaganda, das relações entre o poder
público e a sociedade e da reação da sociedade. Que trechos do parágrafo
confirmam ou não essas afirmativas?
Sim, porque fala
da interferência ou não do poder público e da reação contra as mulheres
insustentáveis.
06 – “Sempre houve, na
história da humanidade, padrões de beleza”. Que argumentos o autor usa para
mostrar que “agora” o problema se agravou?
Observar que
praticamente todo o parágrafo é construído pelos argumentos.
07 – Cite pelo menos três
consequências da “Cultura das celebridades”.
O parágrafo é
constituído de frases contendo as consequências: casos frequentes de anorexia,
cirurgias plásticas em crianças e adolescentes por motivos estéticos e o fato
do país ser um dos campeões em cirurgias plásticas.
08 – De que outro recurso o
autor lança mão para fundamentar sua argumentação?
O autor cita um
dado sobre as pesquisas (650 mil cirurgias realizadas) e 15% em crianças e
adolescentes.
09 – Que solução o autor
aponta para diminuir o problema abordado no texto?
Mostra a
necessidade da educação de valores: discutir o conceito de beleza e relativizar
a estética.
10 – Observe o uso das aspas
nos trechos a seguir e responda se elas foram usadas com o mesmo objetivo nas
duas ocorrências:
a)
O Parlamento espanhol aprovou, na semana
passada, lei que proíbe publicidade na TV, com exaltações ao “culto do corpo” –
a proibição vale das 6hs às 22hs, destinada, supostamente, a proteger crianças
e adolescentes.
b)
“A publicidade que associa a imagem do
sucesso com fatores como peso ou estética incita a discriminação social pela
condição física”.
Chamar atenção
dos alunos para o uso diferente das aspas. Na letra “a”, marca o sentido
conotativo da expressão empregada. Na letra “b”, refere-se ao argumento que
sensibilizou os espanhóis e levou à criação da lei.
11 – O professor relê com os
alunos o fragmento da questão 10, letra (a), e pede-lhes que digam qual termo
foi usado para indicar que o que se diz sobre a proibição não é a opinião do
autor do texto.
Espera-se que o leitor perceba que o
termo “supostamente” não consta da lei.
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