domingo, 2 de junho de 2019

ARTIGO DE OPINIÃO: MULHERES INSUSTENTÁVEIS - GILBERTO DIMENSTEIN - COM GABARITO

Artigo de Opinião: Mulheres insustentáveis
              GILBERTO DIMENSTEIN

 O culto à magreza seria colocado no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e a bebida

  O PARLAMENTO espanhol aprovou, na semana passada, lei que proíbe publicidade, na TV, com exaltações ao "culto do corpo" –a proibição vale das 6h às 22h, destinada, supostamente, a proteger crianças e adolescentes. A decisão radical dos espanhóis coincide com o mês no Brasil em que os desfiles de moda no Rio e em São Paulo colocam ainda mais alto no pedestal seres esqueléticos, apresentados como padrão máximo de beleza.
        O argumento que sensibilizou os parlamentares espanhóis: "a publicidade que associa a imagem do sucesso com fatores como peso ou estética incita a discriminação social pela condição física". Esse tipo de argumento sensibiliza também políticos da França, onde tramita uma lei determinando que todos os anúncios com mulheres e homens retocados tenham uma advertência sobre a falsidade da fotografia. O culto à magreza seria colocado, portanto, no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e a bebida.
Considere-se ou não papel do poder público meter-se nesse tipo de publicidade, o fato é que se espalha pelo mundo, inclusive no Brasil, uma reação contra as mulheres insustentáveis, cujos corpos só se mantêm (salvo questões genéticas) na base da faca e consumo insalubre de alimentos. 
        Sempre houve, na história da humanidade, padrões de beleza. O problema é que, agora, juntaram-se à cultura das celebridades, o culto do narcisismo, a visão cada vez mais imediatista dos jovens e as óbvias questões de saúde para alcançar determinado tipo de padrão de beleza, tudo isso embalado pela publicidade.
A cultura da celebridade é visível nos meios de comunicação, onde as entrevistas de modelos, repletas de asneiras e banalidades, ganham destaque.
        Isso se traduz, por exemplo, nos casos cada vez mais frequentes de anorexia e bulimia que chegam aos consultórios médicos. Ou nas cirurgias plásticas feitas por crianças e adolescentes, quase todas por motivos estéticos, em sua maioria lipoaspiração. Somos um dos países campeões do mundo em cirurgia plástica: proporcionalmente estamos empatados com os americanos.
        O último dado disponível: das 650 mil cirurgias realizadas no país, 15% são feitas em crianças e adolescentes. Psicólogos me informam que, muitas vezes, há estímulo paterno. 
        Uma pesquisadora de Harvard (Susan Linn) publicou recentemente estudo mostrando a relação entre excesso de publicidade e distúrbios alimentares (da obesidade à anorexia) entre crianças e adolescentes americanas -ela também mostrou a relação entre marketing e sexo precoce. 
        Sou dos que defendem que a publicidade deve ser responsável e fiscalizada pela sociedade e, em certos casos, limitada. O perigo é imaginar que limitar a publicidade ajuda muito. O exemplo do pai exagerando na bebida é muito mais poderoso para o filho do que todos os anúncios. 
        Há um consenso entre psicólogos e educadores de que a doença das mulheres insustentáveis é um problema de educação de valores.
        Todos sabem que a adolescência é uma fase de desconforto, na qual se testam, como em nenhum outro período, limites e frustrações, em meio a crises de baixa autoestima. Também todos sabem que vivemos uma época da busca imediata do prazer, tudo tem de ser em tempo real, num estímulo constante ao consumo.
        A psicóloga Rosely Sayão lembra que, nesse contexto, são reverenciadas, por causa do imediatismo, as drogas legais e ilegais. Muito mais rápido do que fazer terapia é empanturrar-se de alguma pílula contra ansiedade. A tristeza é medicalizada, como se não fizesse parte do cotidiano é como se devêssemos sempre parecer algum personagem sorridente de revista de celebridades ou parte de um anúncio, com a família feliz, de caldo de galinha.
        Entrar na faca é bem mais rápido do que mudar a alimentação ou ficar malhando. Psicólogos alertam que o problema é bem mais fundo do que a necessidade de malhar ou controlar a alimentação –e aí entra a necessidade de educação de valores, uma das preocupações das escolas mais sérias. 
        Educação de valores significa discutir o que significa beleza e aprender a relativizar a estética afinal, beleza pode ser simplesmente a pessoa se conhecer e se gostar. Em síntese, sentir-se bem, apesar das limitações e imperfeições. 
        É bem mais fácil e rápido (e menos eficiente) tirar do ar a publicidade das anoréxicas profissionais do que manter, nas escolas, na família e nos meios de comunicação, um debate sobre o que é essencial na existência.
        Mas o fato é que, para muitos, mulheres insustentáveis são feias. 
        PSAs escolas deveriam aproveitar a obrigatoriedade do ensino de filosofia (o que considero um avanço) para discutir esse tipo de assunto. Seria uma encantadora aula mostrar a evolução do corpo desde os tempos gregos. Se Marilyn Monroe fosse procurar emprego hoje, certamente alguém a mandaria se internar no SPA.
São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010 

Entendendo o texto: 

01 – Com relação ao título, responda:

a)   O título antecipa o tema do texto?
Sim, porque o texto fala de mulheres que não se sustentam de tão magras; isso fica claro no 2º e 3º parágrafos. Obs.: se a pergunta for feita antes da leitura do texto, a palavra pode ser tomada no sentido econômico, significando mulheres que ninguém consegue sustentá-las, porque gastam muito.

b)   Quais as relações de sentido entre o título e o texto?
Há relações em todo o texto: ao falar dos corpos que não se sustentam, das cirurgias de lipoaspiração, do número de cirurgias realizadas no país, da educação de valores etc.

c)   A definição de “insustentável” encontrada no dicionário coincide com a explicação dada pelo autor para as “Mulheres insustentáveis” do texto? Explique.
Mostrar que há outras acepções do termo, mas “que não se pode sustentar” é a empregada no texto.

02 – No primeiro parágrafo, o autor se refere a dois fatos:
a)   Quais são eles?
1 – O Parlamento espanhol que aprovou lei que proíbe publicidade na TV, com exaltações ao “culto ao corpo”.
2 – A lei francesa determinando que todos os anúncios com mulheres e homens retocados tenham uma advertência sobre a falsidade da fotografia.

b)   Que relações se estabelecem entre os fatos apresentados?
Observar que ambos tratam do exagero do culto ao corpo e do uso da publicidade.

c)   Por que o autor se refere aos dois fatos?
Podem surgir várias respostas, tais como: usar dois argumentos para fundamentar a tese proposta, considerar que os dois fatos falam do papel poder público (2º parágrafo).

03 – Que argumento fundamenta a Lei Espanhola?
      “A publicidade que associa a imagem do sucesso com fatores como peso ou estética incita a discriminação social pela condição física”.

04 – Como a França reagiu ao assunto?
      Criou uma lei e colocou o culto à magreza no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e as bebidas.

05 – Podemos afirmar que o terceiro parágrafo trata: do poder da propaganda, das relações entre o poder público e a sociedade e da reação da sociedade. Que trechos do parágrafo confirmam ou não essas afirmativas?
      Sim, porque fala da interferência ou não do poder público e da reação contra as mulheres insustentáveis.

06 – “Sempre houve, na história da humanidade, padrões de beleza”. Que argumentos o autor usa para mostrar que “agora” o problema se agravou?
      Observar que praticamente todo o parágrafo é construído pelos argumentos.

07 – Cite pelo menos três consequências da “Cultura das celebridades”.
      O parágrafo é constituído de frases contendo as consequências: casos frequentes de anorexia, cirurgias plásticas em crianças e adolescentes por motivos estéticos e o fato do país ser um dos campeões em cirurgias plásticas.

08 – De que outro recurso o autor lança mão para fundamentar sua argumentação?
      O autor cita um dado sobre as pesquisas (650 mil cirurgias realizadas) e 15% em crianças e adolescentes.

09 – Que solução o autor aponta para diminuir o problema abordado no texto?
      Mostra a necessidade da educação de valores: discutir o conceito de beleza e relativizar a estética.

10 – Observe o uso das aspas nos trechos a seguir e responda se elas foram usadas com o mesmo objetivo nas duas ocorrências:
a)   O Parlamento espanhol aprovou, na semana passada, lei que proíbe publicidade na TV, com exaltações ao “culto do corpo” – a proibição vale das 6hs às 22hs, destinada, supostamente, a proteger crianças e adolescentes.
b)   “A publicidade que associa a imagem do sucesso com fatores como peso ou estética incita a discriminação social pela condição física”.
      Chamar atenção dos alunos para o uso diferente das aspas. Na letra “a”, marca o sentido conotativo da expressão empregada. Na letra “b”, refere-se ao argumento que sensibilizou os espanhóis e levou à criação da lei.

11 – O professor relê com os alunos o fragmento da questão 10, letra (a), e pede-lhes que digam qual termo foi usado para indicar que o que se diz sobre a proibição não é a opinião do autor do texto.
      Espera-se que o leitor perceba que o termo “supostamente” não consta da lei.

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