segunda-feira, 3 de junho de 2019

POEMA: VISÃO 1944 - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poema: Visão 1944
       
              Carlos Drummond de Andrade

Meus olhos são pequenos para ver
a massa de silêncio concentrada
por sobre a onda severa, piso oceânico
esperando a passagem dos soldados.


Meus olhos são pequenos para ver
luzir na sombra a foice da invasão
e os olhos no relógio, fascinados,
ou as unhas brotando em dedos frios.


Meus olhos são pequenos para ver
o general com seu capote cinza
escolhendo no mapa uma cidade
que amanhã será pó e pus no arame.


Meus olhos são pequenos para ver
a bateria de rádio prevenindo
vultos a rastejar na praia obscura
aonde chegam pedaços de navios.

Meus olhos são pequenos para ver
o transporte de caixas de comida,
de roupas, de remédios, de bandagens
para um porto da Itália onde se morre.


Meus olhos são pequenos para ver
o corpo pegajento das mulheres
que foram lindas, beijo cancelado
na produção de tanques e granadas.


Meus olhos são pequenos para ver
a distância da casa na Alemanha
a uma ponte na Rússia, onde retratos,
cartas, dedos de pé boiam em sangue.


Meus olhos são pequenos para ver
os milhares de casas invisíveis
na planície de neve onde se erguia
uma cidade, o amor e uma canção.


Meus olhos são pequenos para ver
as fábricas tiradas do lugar,
levadas para longe, num tapete,
funcionando com fúria e com carinho.


Meus olhos são pequenos para ver
na blusa do aviador esse botão
que balança no corpo, fita o espelho
e se desfolhará no céu de outono.


Meus olhos são pequenos para ver
o deslizar do peixe sob as minas,
e sua convivência silenciosa
com os que afundam, corpos repartidos.


Meus olhos são pequenos para ver
os coqueiros rasgados e tombados
entre latas, na areia, entre formigas
incompreensivas, feias e vorazes.


Meus olhos são pequenos para ver
essa fila de carne em qualquer parte,
de querosene, as ou de esperança
que fugiu dos mercados deste tempo.

Meus olhos são pequenos para ver
a gente do Pará e de Quebec
sem notícia dos seus e perguntando
ao sonho, aos passarinhos, às ciganas.


Meus olhos são pequenos para ver
todos os mortos, todos os feridos,
e este sinal no queixo de uma velha
que não pôde esperar a voz dos sinos.


Meus olhos são pequenos para ver
países mutilados como troncos
proibidos de viver, mas em que a vida
lateja subterrânea e vingadora.

Meus olhos são pequenos para ver
as mãos que se hão de erguer, os gritos roucos,
os rios desatados, e os poderes
ilimitados mais que todo exército.


Meus olhos são pequenos para ver
toda essa força aguda e martelante,
a rebentar do chão e das vidraças,
ou do ar, das ruas cheias e dos becos.


Meus olhos são pequenos para ver
tudo que uma hora tem, quando madura,
tudo que cabe em ti, na tua palma,
ó povo! que no mundo te dispersas.

Meus olhos são pequenos para ver
tuas sonhadas ruas, teus objetos,
e uma ordem consentida (puro canto,
vai pastoreando sonos e trabalhos).

Meus olhos são pequenos para ver
essa mensagem franca pelos mares,
entre coisas outrora envilecidas
e agora a todos, todas ofertadas.


Meus olhos são pequenos para ver
o mundo que se esvai em sujo e sangue,
outro mundo que brota, qual nelumbo
– mas veem, pasmam, baixam deslumbrados.

                                     Carlos Drummond de Andrade. Visão 1944. In: ________ A Rosa do Povo. São Paulo: Companhia das letras.
Entendendo o poema:

01 – De acordo com o poema, qual o significado das palavras abaixo:
·        Luzir: brilhar, irradiar luz.
·        Bandagens: tecido que se aplica sobre a pele servindo como curativo.
·        Pegajento: que é maçante, que aborrece.
·        Catre: cama rústica, simples.
·        Envilecidas: sem valor, desprezível.
·        Nelumbo: tipo de planta.

02 – Que tipo de sentimento esse poema despertou em você?
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Em sua opinião, com que intensão o poeta Drummond teria escrito esse poema?
      Resposta pessoal do aluno.

04 – Com base no título do poema, é possível inferir qual será o assunto abordado?
      Sim, pois ele indica que será mostrado um ponto de vista sobre um acontecimento ocorrido em 1944, no caso, a Segunda Guerra Mundial.

05 – O poema lido foi publicado pela primeira vez no livro A Rosa do Povo, em 1945. Esse livro, considerado pelos críticos como a melhor obra de Drummond, é composto de 55 poemas escritos entre os anos de 1943 e 1945, momento em que o mundo vivenciava os horrores da Segunda Guerra Mundial. Leia a seguir algumas das principais características desse livro:
·        A poesia social;
·        A reflexão existencial (o eu e o mundo);
·        A poesia sobre a própria poesia;
·        O passado;
·        O amor;
·        O cotidiano;
·        A celebração dos amigos.

Em sua opinião, em qual dessa temáticas se enquadra o texto “Visão 1944”? Por quê?
      Poesia social, pois ela se refere a um acontecimento relacionado a toda a sociedade.

06 – No poema, o eu lírico está vivenciando os fatos ou ele os relata de um lugar distante? Por quê?
      Ele relata os fatos de um lugar distante, pois descreve acontecimentos que ocorreram em alguns países da Europa.

07 – No final da 1ª estrofe, o eu lírico diz que a passagem dos soldados em combate é esperada por uma massa concentrada. Em sua opinião, o que essa cena reflete em relação ao sentimento das pessoas?
      Ela mostra a angústia das pessoas que presenciam a cena.

08 – Na 3ª estrofe, é apresentado um exemplo do que acontece em uma guerra.
a)   O que está sendo narrado nesse trecho?
O eu lírico do poema refere-se aos militares escolhendo a próxima cidade a ser atacada pelo exército alemão.

b)   De que forma o eu lírico retrata esse acontecimento?
De forma trágica.

09 – No poema, é descrito o que acontecia com os judeus nos campos de concentração. Identifique em que estrofe isso é mostrado e explique o que ocorria com eles nesses locais.
      A descrição ocorre na 14ª estrofe. Nos campos de concentração, os judeus realizavam muitos trabalhos pesados e depois eram mortos.

10 – Ao longo do poema, são mostrados várias situações de destruição decorrentes da guerra, enfatizando que ela, por meio da destruição e das mortes provocadas, leva a dor ao ser humano. Na 8ª estrofe, por meio da apresentação de determinados elementos, é constituída uma cena.
a)   Que cena é essa?
A cena cotidiana de uma casa, de uma família.

b)   Qual é o efeito dela para esse contexto?
Mostrar que a Guerra destruiu, inclusive, a família, os lares.

11 – O poema foi escrito em 1944 e, nesse período, a guerra ainda não havia terminado. Releia a última estrofe do poema em que é mostrado o que o eu lírico espera com relação ao futuro. Que consequências ele acredita que a guerra ainda trará para as pessoas?
      Que ela ainda trará muita dor e sofrimento, pois o eu lírico, mesmo tendo esperança, não consegue ver outra solução positiva para o futuro.

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