Conto: Não chore, papai
Sérgio Faraco
Embora você proibisse, tínhamos
combinado: depois da sesta iríamos ao rio e a bicicleta já estava no corredor
que ia dar na rua. Era uma Birmingham que Tia Gioconda comprara em São Paulo e
enlouquecia os piás da vizinhança, que a pediam para andar na praça e depois,
agradecidos, me presenteavam com estampas do Sabonete Eucalol.
Na hora da sesta nossa rua era como as
ruas de uma cidade morta. Os raros automóveis pareciam sestear também, à sombra
dos cinamomos, e nenhum vivente se expunha ao fogo das calçadas. Às vezes
passava chiando uma carroça e então alguém, querendo, podia pensar: como é
triste a vida de cavalo.
Em casa a sesta era completa, o
cachorro sesteava, o gato, sesteavam as galinhas nos cantos sombrios do
galinheiro. Mariozinho e eu, você mandava, sesteávamos também, mas naquela
tarde a obediência era fingida.
Longe, longíssimo era o rio, para
alcançá-lo era preciso atravessar a cidade, o subúrbio e um descampado de
perigosa solidão. Mas o que e a quem temeríamos, se tínhamos a Birmingham? Era
a melhor bicicleta do mundo, macia de pedalar coxilha acima e como dava gosto
de ouvir, nos lançantes, o delicado sussurro da catraca!
Tínhamos a Birmingham, mas era a primeira
vez que, no rio, não tínhamos você, por isso redobrei os cuidados com o mano.
Fiz com que sentasse na areia para juntar seixos e conchinhas e enquanto isso,
eu, que era maior e tinha pernas compridas, entrava n’água até o peito e me
segurava no pilar da ponte ferroviária.
Estava nu e ali mesmo me deixei ficar,
a fruir cada minuto, cada segundo daquela mansa liberdade, vendo o rio como
jamais o vira, tão amável e bonito como teriam sido, quem sabe, os rios do
Paraíso. E era muito bom saber que ele ia dar num grande rio e este num maior
ainda, e que as mesmas águas, dando no mar, iam banhar terras distantes, tão
distantes que nem a Tia Gioconda conhecia.
Eu viajava nessas águas e cada porto
era uma estampa do cheiroso sabonete.
Senhores
passageiros, este é o Taj Mahal, na Índia, e vejam a Catedral de Notre Dame na
capital da França, a Esfinge do Egito, o Partenon da Grécia e esta, senhores
passageiros, é a Grande Muralha da China – isso sem falar nas antigas
maravilhas, entre elas a que eu mais admirava, os Jardins Suspensos que
Nabucodonosor mandara fazer para sua amada, a filha de Ciáxares, que desafeita
ao pó da Babilônia vivia nostálgica das verduras da Média.
E me prometia viajar de verdade, um
dia, quando crescesse, e levar meu irmãozinho para que não se tornasse, ai que
pena, mais um cavalo nas ruas da cidade morta, e então vi no alto do barranco
você e seu Austin.
Comecei a voltar e perdi o pé e nadei
tão furiosamente que, adiante, já braceava no raso e não sabia. Levantei-me,
exausto, você estava à minha frente, rubro e com as mãos crispadas.
Mariozinho foi com você no Austin, eu
pedalando atrás e adivinhando o outro lado da ventura: aquele rio que parecia
vir do Paraíso ia desembocar no Inferno.
Você
estacionou o carro e mandou o mano entrar. Pôs-se a amaldiçoar Tia Gioconda e,
agarrando a bicicleta, ergueu-a sobre a cabeça e a jogou no chão. Minha
Birmingham, gritei. Corri para levantá-la, mas você se interpôs, desapertou o
cinto e apontou para a garagem, medonho lugar dos meus corretivos.
Sentado no chão, entre cabeceiras de
velhas camas e caixotes de ferragem caseira, esperei que você viesse. Esperei
sem medo, nenhum castigo seria mais doloroso do que aquele que você já dera.
Mas você não veio. Quem veio foi mamãe, com um copo de leite e um pires de
bolachinha-maria. Pediu que comesse e fosse lhe pedir perdão. E passava a mão
na minha cabeça, compassiva e triste.
Entrei no quarto. Você estava sentado
na cama, com o rosto entre as mãos. “Papai”, e você me olhou como se não me
conhecesse ou eu não estivesse ali. “Perdão”, pedi. Você fez que sim com a
cabeça e no mesmo instante dei meia-volta, fui recolher minha pobre bicicleta,
dizendo a mim mesmo, jurando até, que você podia perdoar quantas vezes
quisesse, mas que eu jamais o perdoaria.
Mas não chore, papai.
Quem, em menino, desafeito ao pó de sua
cidade, sonhou com os Jardins da Babilônia e outras estampas do Sabonete
Eucalol não acha em seu coração lugar para o rancor. Eu jurei em falso. Eu
perdoei você.
Sérgio Faraco. Dançar
tango em Porto Alegre. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2004.
Entendendo o conto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo.
·
Birmingham: bicicleta produzida na cidade de Birmingham, Inglaterra.
·
Bracear: mover os braços ao nadar.
·
Cinamomo: nome de um arbusto ou árvore.
·
Crispado: contraído.
·
Lançante: ladeira, descida.
· Seixo: pedra pequena e arredondada, muito comum em leitos e margens
de rios.
02 – O primeiro parágrafo do
conto já revela ao leitor que a história está construída sobre um ato de
desobediência.
a)
Que expressão revela isso?
“Embora você proibisse”.
b)
De que desobediência se trata?
Os meninos vão sozinhos de bicicleta até o rio no horário da sesta,
o que havia sido proibido pelo pai.
c)
Encontre nesse parágrafo uma frase que
expresse a ansiedade do protagonista em relação ao passeio até o rio.
“[...] e a bicicleta já estava no corredor que ia dar na rua”.
03 – No conto que você leu,
há um conflito presente desde o início da narrativa. Qual é esse conflito?
O conflito entre
a proibição do pai e a decisão do menino de ir até o rio.
04 – Banhar-se no rio traz
uma dupla satisfação para o menino: o contato físico com a água e o que essa
água representa para ele.
a)
Que sensações o menino experimenta ao entrar
no rio?
O menino sente-se tranquilo, livre e feliz, como se estivesse no
paraíso.
b)
Que outras impressões a água do rio traz à
imaginação do menino?
O menino sente-se conectado à vastidão do mundo por meio do rio,
pois sabe que a água do rio vai desembocar em um outro rio, maior, e dali
chegará ao mar, que banha terras muito distantes, cuja existência ele conhece
pelas estampas do Sabonete Eucalol.
05 – Releia: “Eu viajava nessas águas e cada
porto era uma estampa do cheiroso sabonete”.
a)
Que sentido tem a palavra viajava
nesse trecho?
A palavra viajava tem sentido de “imaginava”, “fantasiava”,
“transportava-me para outra realidade”.
b)
Que relação há entre a viagem do menino e as
estampas do sabonete?
As estampas do Sabonete Eucalol revelam lugares muito distantes,
fantásticos, maravilhosos, que mexem com a imaginação do menino.
c)
Que característica da personalidade do
narrador-personagem fica evidente nessa passagem?
A característica de ser muito imaginativo e sonhador.
06 – Em determinado momento,
a tensão da narrativa cresce, em uma sucessão de eventos, até explodir em um
ato violento.
a)
Que fato determina esse momento de maior
tensão?
O aparecimento do pai.
b)
Qual é a expectativa do menino com relação à
atitude do pai?
Ele acredita que o pai vai brigar com ele, puni-lo pela
desobediência.
c)
Quais eventos acrescentam tensão ao conto?
O pai leva o irmãozinho do narrador de volta para casa; o pai
amaldiçoa a tia Gioconda por ter dado a bicicleta ao menino.
d)
Que ato violento fecha a cena do rio?
O ato, praticado pelo pai, de levantar a bicicleta e atirá-lo ao
chão.
07 – Após o clímax, a
situação se transforma. Enquanto espera pelo castigo do pai na garagem, o que
muda no sentimento do menino? Por quê?
O menino não sente
mais medo, pois nenhum castigo seria mais doloroso do que ter a bicicleta
jogada ao chão pelo pai.
08 – Releia:
“Mas
não chore, papai.
Quem, em menino, desafeito ao pó de sua
cidade, sonhou com os Jardins da Babilônia e outras estampas do Sabonete
Eucalol não acha em seu coração lugar para o rancor. Eu jurei em falso. Eu
perdoei você.”
a)
Por que motivo o pai choraria?
Talvez por ter sentido muito medo do que poderia ter acontecido aos
meninos quando nadavam no rio; pelo alívio de tê-los encontrado bem; e, ainda,
por imaginar que se excedera ao jogar a bicicleta violentamente no chão.
b)
Embora a frase: “Mas não chore, papai.”, dita
pelo narrador, já tivesse sido anunciada no título, ao aparecer no final do
conto causa uma quebra de expectativa na leitura. Por quê?
A frase surpreende o leitor, pois quem tinha bons motivos para
chorar, por tudo o que foi narrado, era o menino.
09 – Embora jurasse que não
iria jamais perdoar o pai, o narrador surpreende o leitor no final do conto:
“Eu jurei em falso. Eu perdoei você”. Essas frases indicam que o
narrador-personagem está contando os fatos em um tempo diferente do acontecido.
a)
Em que momento da vida do protagonista
ocorreram os fatos narrados?
Na época de sua infância.
b)
Em que momento de sua vida o protagonista nos
conta sua história? Justifique sua resposta com elementos do conto.
O protagonista já é adulto quando narra essa história. A frase:
“Quem em menino [...] sonhou com os jardins da Babilônia [...]” e o próprio ato
de ter perdoado o pai, embora tivesse jurado que não faria na ocasião, indicam
uma análise mais madura do episódio, compreendendo a fúria do pai.
10 – Quem escreveu o conto
“Não chore, papai”?
O autor Sérgio
Faraco.
11 – Quem é o narrador da
história?
O narrador é um menino que sai de casa
escondido do pai, com o irmão mais novo, para ir nadar no rio.
12 – Que papel tem o
narrador nessa história?
O narrador
desempenha o papel de personagem principal da história, tendo participado de
todos os acontecimentos.
aee
ResponderExcluirgostei, obrigado
Excluirmuito obrigadoooooooooooooooooo 😘😘😘😘😘😘😘
ExcluirBem a professora mandou até 15 mas valeu
ExcluirObg
ResponderExcluirSo pegei a resposta
ResponderExcluirkkkkkkkkk eu tambem
ExcluirTbm ksksksks
ExcluirKkk eu tbm
ExcluirMe ajudou muito valeu
ResponderExcluirobg ajudou muito
ResponderExcluirObigadooooo❤
ResponderExcluirMuito obrigado/a
ResponderExcluirMuito Obrigada
ResponderExcluirValeu muito mano✌✌🍃
ResponderExcluirValeu me salvou de ler o texto enorme 😘👋🏻
ResponderExcluirEu tbm😂😂
ExcluirValeu broder✌
ResponderExcluirOnde se passa os fatos narrados?
ResponderExcluirAh e mttt obgd ajudou bastante;)
ResponderExcluirAEEEEE VALEUU
ResponderExcluiradorei o texto
ResponderExcluirObrigado
ResponderExcluirObrigadaaaaa me ajudou muitooo🖤🖤🖤🖤
ResponderExcluirTem mais peguntas no meu tem ate a 15
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