Soneto: CAMINHO
Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Porque a dor, esta falta d’ harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora.
Camilo Pessanha.
Biblioteca Ulisséia de Autores Portugueses, p. 37.
Entendendo a poesia:
01 – Os movimentos poéticos
parnasiano e simbolista diferem em diversos aspectos. Porém, a partir do texto
acima, percebemos que ambos apresentam semelhança quando:
a) Exaltam o caráter
subjetivo da poesia.
b) Apresentam
uma predileção pela forma do soneto.
c) Expressam o pessimismo e
a dor do poeta pela existência.
d) Retomam elementos da
tradição romântica.
e) Privilegiam o misticismo
e a religiosidade.
02 – O caráter lírico da
poesia lido advém sobretudo da exposição dos sentimentos do eu lírico. Observe
algumas das imagens do poema: “sonhos cruéis”, “alma doente”, “medo”, “saudades
do presente”, “véu escuro”, etc. Como se sente o eu lírico diante da vida e do
mundo?
Nota-se que o “eu
lírico” não se separa da saudade por estar agarrado ao presente, e o poeta, de
alma doente, viaja ao futuro por um caminho cheio de arestas.
03 – O tempo predominante na
poesia é o presente, como se verifica pelas formas verbais “tenho”, “sinto”,
“vou”, “alumia” e outras. No entanto, na primeira estrofe, o eu lírico faz uma
projeção para o futuro, nestes versos:
“Vou
a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...”
a)
Que contradição reside nas “saudades”
sentidas pelo eu lírico?
O fato de, no futuro, ele sentir saudades do presente, ou seja,
saudades da dor que o oprime.
b)
Logo, o futuro representa uma perspectiva
para o eu lírico?
Não, no futuro ele vai sentir saudades do presente, e no presente
não consegue eliminar a dor que sente no peito. Assim, o eu lírico é um ser
deslocado e sem perspectiva.
04 – A dor, a angústia e o
sofrimento são elementos constantes na poesia de Camilo Pessanha. Não se trata,
contudo, de uma dor de natureza amorosa.
a)
Qual é a natureza da dor vivida pelo eu
lírico?
A dor de existir.
b)
De acordo com as ideias da poesia, que
interpretação pode ser dada ao verso “Sem ela (a dor) o coração é quase nada”?
A dor é a essência do coração humano, logo, para o eu lírico a vida
resume num jogo, cujo objetivo é expulsar a dor do peito, sendo porém ela a
própria razão desse jogo.
Destacam-se as
aliterações, com fonemas oclusivos na segunda estrofe (fonemas /d/ e /k/), e
imagens ricas como “Vou a medo na aresta do futuro”, ao desmaiar sobre o poente
/ Cobrir-me o coração dum véu escuro!", entre” outros.
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