Poema: Os ombros suportam o mundo
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
ANDRADE, Carlos
Drummond. Obras completas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967. p. 110-111.
Entendendo o poema:
01 – No poema, depois de
refletir sobre o tempo presente, o eu lírico constata que é preciso:
a)
Suportar com resignação as
dificuldades da vida, sem enganar a si mesmo.
b)
Procurar conviver com os amigos, porque eles
são importantes na nossa vida.
c)
Enfrentar com coragem o isolamento, já que
ele impede a realização pessoal.
d)
Esperar com paciência a velhice para usufruir
as experiências acumuladas.
e)
Lutar contra as dificuldades do dia a dia
para poder viver com tranquilidade.
02 – O verso a seguir
dispara uma ideia que se repete de diferentes maneiras ao longo do poema: "Chega um tempo em que não se diz
mais: meu Deus". Responda:
a)
Dentro da ideia geral do poema, dizer "meu Deus" equivale a:
⦁ pedir ajuda à
divindade.
⦁ não abandonar a relação
entre o homem e a religião.
⦁ indignar-se com os problemas que nos cercam.
⦁ fugir dos verdadeiros
problemas, recorrendo à religião.
b)
O verso seguinte, "Tempo de absoluta depuração", reforça a ideia apontada
no item anterior com uma agravante. Consulte os significados da palavra
depuração e reflita sobre a questão a seguir. Com esse verso, é sugerido
que:
⦁ o ser humano se sente
culpado por não fazer nada contra os problemas do mundo, por isso busca a
purificação moral.
⦁ o ser
humano perdeu sua capacidade de se indignar com os grandes problemas que o
cercam e não sente culpa por isso.
03 – A visão pessimista do
comportamento do ser humano diante dos problemas do mundo continua a ser
marcada pelos próximos versos: "Tempo
em que não se diz mais: meu amor. / Porque o amor resultou inútil".
a)
Que esperanças geralmente são colocadas no
amor?
O amor, em geral, funciona como uma força transformadora, que
implica abnegação, paciência, envolvimento, compaixão.
b)
O que significa, portanto, o amor
resultar inútil?
Os esforços envolvidos nesse sentimento, no envolvimento com o
outro, não servem para o que realmente importa: viver sem mistificação.
04 – Releia os versos a
seguir. Observe sua força poética (pense em "força poética" como o
uso da palavra em seu potencial máximo de significação).
"Teus
ombros suportam o mundo / e ele não pesa mais que a mão de uma
criança."
a)
Marque as duas expressões que se opõem.
⦁ Ombros e pesam.
⦁ Suportam e mundo.
⦁ Mundo e pesa.
⦁ Ombros e mão de uma
criança.
⦁ Suportam e mão de uma criança.
b)
Nesse contexto, o que significa "Teus
ombros suportam o mundo"?
Os esforços envolvidos nesse sentimento, no envolvimento com o
outro, não servem para o que realmente importa: viver sem mistificação.
c)
O que significa, então, suportar o que não
pesa mais que a mão de uma criança?
Significa que o peso está lá, mas não é assumido com a capacidade de
indignação, de envolvimento, de exasperação que as questões ali levantadas
exigem.
05 – A capacidade de
indignação é vislumbrada em dois versos da terceira estrofe.
a)
Identifique-os.
“Alguns, achando bárbaro o espetáculo, / prefeririam (os delicados)
morrer.”
b)
O que, segundo o eu lírico, há de errado na
atitude dos que se comovem com os problemas?
Eles desejam fugir do problema em lugar de tentar agir e
transformá-lo. Isso os torna, apesar da capacidade de indignação, idênticos aos
demais.
06 – Interprete os dois
últimos versos do poema.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: São os dois versos mais pessimistas do poema. A ideia é a
de que não há um lugar mágico para o qual se possa fugir, nem dentro da própria
vida, tampouco fora dela. Vivê-la apenas com tudo o que ela contém de dor,
de absurdo e de sem sentido é o que resta.
07 – Na primeira estrofe, o
eu lírico afirma categoricamente que “o coração está seco”. Que imagem, nessa
primeira estofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua
resposta.
A imagem
relacionada à secura do coração é a do verso “E os olhos não choram”, já que a
falta de lágrimas sugere o esvaziamento dos sentimentos e dos afetos nesse
“tempo de absoluta depuração”.
08 – O último verso: “A vida apenas, sem mistificação.”,
fornece para o leitor o sentido fundamental do poema. Levando-se em conta o
conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra mistificação?
O poema foi
produzido no contexto da 2ª Guerra Mundial. Nesse contexto de “absoluta
depuração”, em que “o amor resultou inútil”, a vida se impõe como “uma ordem”,
pois “não adianta morrer”. Conforme o título sugere, resta apenas suportar o
mundo nos ombros e atravessar esse difícil momento da história humana.
09 – Que assunto é abordado
nesse poema?
Trata de uma
abordagem direta da vida, sem amores, sem religião, uma coisa necessária aos
tempos que se impõem como extremamente reais e urgentes, tempos de guerras e
injustiças.
Boa tarde!
ResponderExcluirGostaria de referenciar este blog em minha dissertação sobre leitura e preciso de algumas informações extras sobre a Profª Jaqueline, seria possível obter tais informações?
Grato
Marcos
Marcos, segue meu email jaquelineuriassantos@hotmail.com
ResponderExcluirPrezada Jacqueline, na análise você perdeu o principal do texto, sua chave de leitura: o não se diz mais "meu Deus", os amigos que abandonaram, a escuridão, as mulheres que batem à porta, o espetáculo bárbaro, e muito mais, remetem à paixão de Cristo. E o episódio a respeito do peso da mão de uma criança, remete à história de São Cristóvão, homem forte que atravessava transeuntes sobre seus ombros em um rio, e que, ao carregar uma criança, percebeu um peso quase insuportável. Ao chegar à margem e perguntar o que estava acontecendo, a resposta foi que o peso era enorme porque estava carregando todos os pecados do mundo (ou seja, estava carregando o próprio Cristo, na figura de uma criança). Sem isso, o poema perde praticamente tudo o que tem de mais valoroso.
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