quinta-feira, 27 de junho de 2019

POEMA: OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Poema: Os ombros suportam o mundo
                                   Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

ANDRADE, Carlos Drummond. Obras completas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967. p. 110-111.

Entendendo o poema:

01 – No poema, depois de refletir sobre o tempo presente, o eu lírico constata que é preciso:
a)   Suportar com resignação as dificuldades da vida, sem enganar a si mesmo.
b)   Procurar conviver com os amigos, porque eles são importantes na nossa vida.
c)   Enfrentar com coragem o isolamento, já que ele impede a realização pessoal.
d)   Esperar com paciência a velhice para usufruir as experiências acumuladas.
e)   Lutar contra as dificuldades do dia a dia para poder viver com tranquilidade.

02 – O verso a seguir dispara uma ideia que se repete de diferentes maneiras ao longo do poema: "Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus". Responda: 
a)   Dentro da ideia geral do poema, dizer "meu Deus" equivale a:
pedir ajuda à divindade. 
      não abandonar a relação entre o homem e a religião. 
      indignar-se com os problemas que nos cercam. 
      fugir dos verdadeiros problemas, recorrendo à religião. 

b)   O verso seguinte, "Tempo de absoluta depuração", reforça a ideia apontada no item anterior com uma agravante. Consulte os significados da palavra depuração e reflita sobre a questão a seguir. Com esse verso, é sugerido que:
o ser humano se sente culpado por não fazer nada contra os problemas do mundo, por isso busca a purificação moral. 
o ser humano perdeu sua capacidade de se indignar com os grandes problemas que o cercam e não sente culpa por isso. 

03 – A visão pessimista do comportamento do ser humano diante dos problemas do mundo continua a ser marcada pelos próximos versos: "Tempo em que não se diz mais: meu amor. / Porque o amor resultou inútil". 
a)   Que esperanças geralmente são colocadas no amor?
O amor, em geral, funciona como uma força transformadora, que implica abnegação, paciência, envolvimento, compaixão. 

b)    O que significa, portanto, o amor resultar inútil?
Os esforços envolvidos nesse sentimento, no envolvimento com o outro, não servem para o que realmente importa: viver sem mistificação.  

04 – Releia os versos a seguir. Observe sua força poética (pense em "força poética" como o uso da palavra em seu potencial máximo de significação). 
        "Teus ombros suportam o mundo / e ele não pesa mais que a mão de uma criança." 

a)   Marque as duas expressões que se opõem. 
Ombros e pesam.
      Suportam e mundo.
      Mundo e pesa. 
      Ombros e mão de uma criança. 
      Suportam e mão de uma criança.  

b)   Nesse contexto, o que significa "Teus ombros suportam o mundo"? 
Os esforços envolvidos nesse sentimento, no envolvimento com o outro, não servem para o que realmente importa: viver sem mistificação. 

c)   O que significa, então, suportar o que não pesa mais que a mão de uma criança? 
Significa que o peso está lá, mas não é assumido com a capacidade de indignação, de envolvimento, de exasperação que as questões ali levantadas exigem. 

05 – A capacidade de indignação é vislumbrada em dois versos da terceira estrofe. 
a)   Identifique-os. 
“Alguns, achando bárbaro o espetáculo, / prefeririam (os delicados) morrer.”

b)   O que, segundo o eu lírico, há de errado na atitude dos que se comovem com os problemas?
Eles desejam fugir do problema em lugar de tentar agir e transformá-lo. Isso os torna, apesar da capacidade de indignação, idênticos aos demais.  

06 – Interprete os dois últimos versos do poema.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: São os dois versos mais pessimistas do poema. A ideia é a de que não há um lugar mágico para o qual se possa fugir, nem dentro da própria vida, tampouco fora dela. Vivê-la apenas com tudo o que ela contém de dor, de absurdo e de sem sentido é o que resta. 

07 – Na primeira estrofe, o eu lírico afirma categoricamente que “o coração está seco”. Que imagem, nessa primeira estofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua resposta.

      A imagem relacionada à secura do coração é a do verso “E os olhos não choram”, já que a falta de lágrimas sugere o esvaziamento dos sentimentos e dos afetos nesse “tempo de absoluta depuração”.

08 – O último verso: “A vida apenas, sem mistificação.”, fornece para o leitor o sentido fundamental do poema. Levando-se em conta o conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra mistificação?

      O poema foi produzido no contexto da 2ª Guerra Mundial. Nesse contexto de “absoluta depuração”, em que “o amor resultou inútil”, a vida se impõe como “uma ordem”, pois “não adianta morrer”. Conforme o título sugere, resta apenas suportar o mundo nos ombros e atravessar esse difícil momento da história humana.

09 – Que assunto é abordado nesse poema?

      Trata de uma abordagem direta da vida, sem amores, sem religião, uma coisa necessária aos tempos que se impõem como extremamente reais e urgentes, tempos de guerras e injustiças.

 




3 comentários:

  1. Boa tarde!
    Gostaria de referenciar este blog em minha dissertação sobre leitura e preciso de algumas informações extras sobre a Profª Jaqueline, seria possível obter tais informações?
    Grato
    Marcos

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  2. Marcos, segue meu email jaquelineuriassantos@hotmail.com

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  3. Prezada Jacqueline, na análise você perdeu o principal do texto, sua chave de leitura: o não se diz mais "meu Deus", os amigos que abandonaram, a escuridão, as mulheres que batem à porta, o espetáculo bárbaro, e muito mais, remetem à paixão de Cristo. E o episódio a respeito do peso da mão de uma criança, remete à história de São Cristóvão, homem forte que atravessava transeuntes sobre seus ombros em um rio, e que, ao carregar uma criança, percebeu um peso quase insuportável. Ao chegar à margem e perguntar o que estava acontecendo, a resposta foi que o peso era enorme porque estava carregando todos os pecados do mundo (ou seja, estava carregando o próprio Cristo, na figura de uma criança). Sem isso, o poema perde praticamente tudo o que tem de mais valoroso.

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