sexta-feira, 14 de junho de 2019

POEMA: DISPERSÃO - FRAGMENTO - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO - COM GABARITO


Poema: Dispersão - Fragmento
        
      Mário de Sá-Carneiro

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem. 


(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma. 
[...]
  Obras completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias. Lisboa: Ática, sd. v. 2. p. 61-5.

Entendendo o poema:

01 – No poema, o eu lírico faz uma espécie de avaliação de sua trajetória de vida, tratando de momentos vividos no passado e de momentos vividos no presente.

a)   Observe os tempos verbais empregados. Eles confirmam ou negam essa divisão temporal? Por quê?
Confirmam: as formas verbais do pretérito perfeito e do imperfeito do indicativo referem-se ao tempo passado; as formas verbais do presente do indicativo referem-se ao tempo presente.

b)   Tomando por base a 3ª estrofe, que tipo de expectativa o eu lírico tem para o presente e para o futuro?
Tem uma expectativa pessimista. Para ele, não há presente nem futuro, há apenas passado.

c)   Que significado tem o passado para o eu lírico?
O passado, para ele, significa a unidade e a perfeição de um eu do qual sente saudades e que, no presente, se desdobrou em um ser sem identidade. Imagens como "Astro doido a sonhar" e "A grande ave dourada" comprovam a idealização do passado.

d)   Como se sente o eu lírico no presente? Comprove sua resposta retirando um ou dois versos do poema.
Sente-se perdido, frustrado, morto interiormente, sem forças para voltar a ser o que era. " Não me acho no que projeto" / "Tenho a alma amortalhada".

02 – Como é comum nos escritos de Sá-Carneiro, o poema põe em questão a identidade do eu lírico.
a)   Interprete os versos:
“Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.”

Esses versos revelam a falta de identidade; o eu lírico não reconhece a si mesmo.

b)   Retire do texto exemplos de desdobramento da personalidade ou da busca de um "outro" dentro do eu.
"E hoje, quando me sinto, / É com saudades de mim", e toda a 9ª estrofe.

03 – Justifique o título do poema a partir das ideias nele contidas.
      O título está relacionado com a diluição do ser, com a perda da identidade original e com a busca de uma nova identidade.

04 – Um tema recorrente na obra do autor é a valorização do passado, o desperdício do presente e a não espera do futuro. Cite os versos do poema.
      “E hoje, quando me sinto,
       É com saudades de mim.”

      “Passei pela minha vida
       Um astro doido a sonhar. 
      Na ânsia de ultrapassar, 
      Nem dei pela minha vida...”

05 – Na sétima estrofe nota-se a presença de uma metáfora. Explique-a.
      Onde a ave seria o poeta buscando, assim, um objetivo e a partir do momento que conseguiu “fechou as asas”, porque poeta é um permanente insatisfeito.

06 – Em que versos nota-se o tema do “eu” em combate consigo mesmo e com a vida?
      “Não perdi a minha alma,
       Fiquei com ela, perdida”.

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