Poema: Dispersão -
Fragmento
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:
Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).
O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.
A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.
Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.
Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.
Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.
Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.
[...]
Obras completas de Mário de
Sá-Carneiro. Poesias. Lisboa: Ática, sd. v. 2. p. 61-5.
Entendendo o poema:
01 – No poema, o eu lírico
faz uma espécie de avaliação de sua trajetória de vida, tratando de momentos
vividos no passado e de momentos vividos no presente.
a)
Observe os tempos verbais empregados. Eles
confirmam ou negam essa divisão temporal? Por quê?
Confirmam: as formas verbais do pretérito perfeito e do imperfeito
do indicativo referem-se ao tempo passado; as formas verbais do presente do
indicativo referem-se ao tempo presente.
b)
Tomando por base a 3ª estrofe, que tipo de
expectativa o eu lírico tem para o presente e para o futuro?
Tem uma expectativa pessimista. Para ele, não há presente nem
futuro, há apenas passado.
c) Que
significado tem o passado para o eu lírico?
O passado, para ele, significa a unidade e a perfeição de um eu do
qual sente saudades e que, no presente, se desdobrou em um ser sem identidade.
Imagens como "Astro doido a sonhar" e "A grande ave
dourada" comprovam a idealização do passado.
d)
Como se sente o eu lírico no presente?
Comprove sua resposta retirando um ou dois versos do poema.
Sente-se perdido, frustrado, morto interiormente, sem forças para
voltar a ser o que era. " Não me acho no que projeto" / "Tenho a
alma amortalhada".
02 – Como é comum nos
escritos de Sá-Carneiro, o poema põe em questão a identidade do eu lírico.
a)
Interprete os versos:
“Não
sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.”
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.”
Esses versos
revelam a falta de identidade; o eu lírico não reconhece a si mesmo.
b)
Retire do texto exemplos de desdobramento da
personalidade ou da busca de um "outro" dentro do eu.
"E hoje, quando me sinto, / É com saudades de mim", e toda
a 9ª estrofe.
03 – Justifique o título do
poema a partir das ideias nele contidas.
O título está
relacionado com a diluição do ser, com a perda da identidade original e com a
busca de uma nova identidade.
04 – Um tema recorrente na
obra do autor é a valorização do passado, o desperdício do presente e a não
espera do futuro. Cite os versos do poema.
“E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.”
“Passei pela minha vida
Um
astro doido a sonhar.
Na
ânsia de ultrapassar,
Nem
dei pela minha vida...”
05 – Na sétima estrofe
nota-se a presença de uma metáfora. Explique-a.
Onde a ave seria o poeta buscando, assim,
um objetivo e a partir do momento que conseguiu “fechou as asas”, porque poeta
é um permanente insatisfeito.
06 – Em que versos nota-se o
tema do “eu” em combate consigo mesmo e com a vida?
“Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida”.
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