Texto: Hoje é Dia do Trabalho
Andréa
de Oliveira; 19 anos; catadora de lixo; salário de R$ 150,00/mês; “Queria ser
empregada doméstica, mas não encontro emprego”.
Aterro sanitário de Carapicuíba. São 11
horas da manhã, e a temperatura é de quase 30 graus. Cheiro insuportável, e
moscas tão grandes que parecem ter saído de um filme de ficção científica.
Entre os enormes caminhões que quase atropelam os menos atentos, correm
crianças, jovens, adultos e velhos, à procura daquilo que foi considerado
inútil, velho ou podre pelos moradores de uma das maiores metrópoles do mundo.
O local é popularmente conhecido por
Lixão de Carapicuíba. Em meio a esse caos, circula Andréa Oliveira,19 anos.
Andréa nasceu na favela do Porto,
vizinha do Lixão. Desde pequena, fez do local o seu "jardim". Aos
sete anos, começou a trabalhar catando lixo. Sua rotina é procurar papelão e
plásticos na imundície que os caminhões descarregam. Chega ao Lixão às seis da manhã
e não volta para casa antes das sete da noite.
Andréa se posiciona perto da caçamba do
caminhão que acaba de chegar, e disputa com os outros as embalagens e caixas.
Depois, junta o papelão que conseguiu num monte e vende tudo no final do dia.
Cada grupo tem seu próprio monte, e ninguém de outro grupo mexe. "Se outra
pessoa roubar, dá problema", diz ela. É a lei do Lixão.
Com os R$150 que faz por mês, a garota
sustenta o filho de três anos e ajuda a mãe, com quem mora. Aos domingos, sua
única folga na semana, cuida da criança e sai para se divertir.
"Meu filho nunca vai pisar aqui.
Quero que ele estude e tenha tudo que eu não tive."
Andréa diz que gostaria de ser
empregada doméstica, mas que não consegue emprego. "Trabalhar aqui é muito
sofrido, mas pelo menos é honesto. É melhor que sair por aí roubando os
outros."
O filho passa o dia com uma vizinha,
enquanto a mãe garante o sustento da casa. "O pai dele era um folgado, não
queria saber de trabalhar. Um dia me cansei e botei o vagabundo pra
correr."
Quando sobra um tempinho, ela desafia
os garotos no fliperama, onde gasta cerca de R$ 20 por mês, e vai dançar nos
bailes da região. Não frequenta shopping centers e não se lembra da última vez
em que foi ao cinema. Em casa, não tem TV, só um rádio, onde escuta seus grupos
de rap e pagode favoritos. "Gosto do movimento hip hop. Eles falam sobre
coisas que nós vemos no nosso dia-a-dia". Seu grupo preferido é o Faces da
Morte.
Andréa está namorando um rapaz que
também trabalha no Lixão, mas não quer nem ouvir falar em casamento. "Sou
muito nova, e os homens são muito folgados. Só faltava arrumar mais um para
sustentar", brinca.
Apesar da rotina dura, Andréa está
sempre sorridente. "Queria fazer medicina para ajudar os outros. E meu
sonho mesmo é conhecer Nova York."
Webmaster
dedicava as férias ao trabalho
AUGUSTO
PINHEIRO
Csongor
Gyuricza, o “Bart”; 22 anos; webmaster; salário, “já comprei um carro, pago meu
aluguel e minha faculdade”. Frase: “Nunca precisei procurar emprego, sempre fui
convidado”.
Aos 16 anos, quando estava no último
ano do colégio, Csongor Gyuricza, 22, mais conhecido como "Bart"
(porque já teve o cabelo espetado como o personagem dos "Simpsons"),
passava as férias trabalhando para um provedor da Internet. E não se importava
de perder os dias de descanso.
"Desde os 14 anos, sempre fui
louco por computador, queria aprender tudo. Comecei como estagiário e acabei
efetivado. Mesmo no período de aulas, eu acordava todos os dias às 6h e fazia
uns trabalhos em casa."
Hoje, todo o esforço foi recompensado:
o rapaz é webmaster de um grande provedor. Ele cuida da parte técnica dos
sites, criando e reformulando páginas e implementando novidades gráficas.
Com o trabalho, ele já comprou um
carro, foi morar sozinho e banca a faculdade de ciência da computação na Unip.
Csongor (o nome é húngaro) retomou o
curso este ano: já havia começado na PUC-SP, mas resolveu largar para se
dedicar apenas ao trabalho. "Não estava conseguindo conciliar."
"Bart" afirma que tudo o que
sabe aprendeu na prática, e que isso ajuda bastante na universidade. Mas nem
por isso ele deixa de recomendar o curso superior: "Sem o diploma, o
empregador sempre vai ter uma desculpa para pagar menos. Não é todo mundo que
consegue ser bem-sucedido nessa área sem uma faculdade."
Antes de entrar no atual emprego, ele
foi webmaster da Globo Cabo, empresa que oferecia acesso à Internet pelo
sistema de TV a cabo. "Nunca procurei emprego. Sempre fui convidado."
A rotina é puxada, mas ele não dispensa
as baladas. "Bart" acorda às 8h30, resolve assuntos particulares
(limpeza do apê, compras etc.) e chega ao trabalho às 9h30. Só larga o trampo
às 19h30 e sempre chega atrasado às aulas, que começam às 19h.
Às 23h, já em casa, senta em frente ao
computador e navega por uma hora na Internet, para se atualizar. "Às
vezes, dá para sair. Gosto muito de tecno, então vou às boates U-Turn e Lov.e.
Não sou freak ou nerd, tenho vida social."
Para completar, o webmaster, de 1,80 m,
tem uma "carreira paralela" de modelo. "Esporadicamente, quando
dá tempo, faço editoriais de moda e desfiles, mas não é muito a minha
cara."
Folha de São Paulo, São Paulo, 1° de
maio de 2000. Folhateen.
Entendendo o texto:
01 – Releia o 1° parágrafo
da matéria sobre Andréa de Oliveira. Anote suas impressões sobre:
a)
O local de trabalho de Andréa.
É um local malcheiroso, sujo e perigoso à saúde e à vida das
pessoas.
b)
As pessoas que trabalham com Andréa.
Os trabalhadores do lixão têm as mais variadas idades: crianças,
jovens, adultos ou velhos podem trabalhar lá.
c)
A principal ocupação de catadores de lixo em
aterros sanitários.
Encontrar utilidade para o que outras pessoas desprezaram, jogaram
fora.
02 – Embora o texto não apresente
especificamente todos os motivos que teriam levado Andréa a catar lixo, é
possível tirar algumas conclusões.
a)
O que você imagina que levou Andréa a exercer
essa atividade?
Ela gostaria de ser doméstica, mas não consegue emprego.
b)
O que você pensa do ambiente em que trabalham
catadores de lixo?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: é um local prejudicial à saúde
e a higiene.
03 – A matéria afirma que
“Desde pequena, [Andréa] fez do local o seu jardim”.
a)
A partir de informações dadas pelo texto, o
que você entende por essa imagem?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Pode-se supor que a menina
considerava o lixão como uma extensão de sua casa, um local de diversão, um
espaço socializado.
b)
Que sinais de pontuação sugerem que a palavra
“jardim” foi usada de maneira especial no texto?
As aspas.
c)
Ainda que trabalhe no lixão, Andréa não
pretende que seu filho de três anos frequente o local. Copie do texto a frase
que confirma isso.
“Meu filho nunca vai pisar aqui. Quero que ele estude e tenha tudo o
que eu não tive”.
04 – Sabendo que o valor do salário
mínimo na época da publicação da reportagem equivalia a R$ 151,00 e levando em
conta as informações sobre o trabalho de Andréa, transcreva para o caderno a
alternativa que é mais fiel à matéria publicada pela Folha de São Paulo.
a)
No
lixão, Andréa recolhe todo tipo de material, trabalha cerca de onze horas por
dia, 6 dias por semana e ganha menos de um salário mínimo por mês.
b)
Andréa recolhe apenas plástico e,
proporcionalmente ao que trabalha, ganha bem.
c)
Andréa recolhe somente plástico e papelão,
trabalha cerca de treze horas por dia, somente aos domingos, e ganha um pouco
mais de um salário mínimo por mês.
d)
Andréa recolhe somente plástico e papelão, folga
duas vezes por semana e, proporcionalmente ao que trabalha, ganha pouco.
e)
Andréa recolhe somente plástico e
papelão, trabalha cerca de treze horas por dia, com exceção de domingo, e ganha
um pouco menos que um salário mínimo por mês.
05 – Além de falar sobre sua
profissão, catadora de lixo, Andréa faz referência também a outras ocupações.
a)
Que profissão Andréa desejaria ser, mas não
consegue?
Empregada doméstica.
b)
Qual seria o sonho profissional de Andréa?
Fazer medicina.
c)
Na sua opinião, no campo profissional, Andréa
teria mais chances de realizar seu desejo ou seu sonho?
Resposta pessoal do aluno.
06 – Ao contrário de Andréa,
Csongor Gyuricza, conhecido como Bart, teve melhores oportunidades e, assim,
conseguiu se tornar webmaster.
a)
Que oportunidades Bart teve que Andréa
provavelmente não teve?
Ele pôde estudar, tinha acesso ao equipamento necessário para
desenvolver suas habilidades e começou a trabalhar cedo na sua área de
interesse.
b)
De acordo com o texto jornalístico, o que faz
um webmaster?
Cuida da parte técnica dos sites, criando e reformulando páginas e
implementando novidades gráficas.
07 – Andréa reconhece que é
sofrido catar lixo, mas para ela há uma maneira pior de viver. Que maneira é
essa?
Tornar-se ladrão.
08 – Andréa e Bart trabalham
muitas horas por dia.
a)
Em vez de declarar seu salário à reportagem,
como fez Andréa, o que faz Bart?
Ele revela que, com o seu salário, já comprou um carro e consegue se
manter sozinho, pagando o próprio aluguel e as mensalidades de sua faculdade.
b)
O que essa declaração dá a entender sobre o
salário de Bart em relação ao de Andréa?
Provavelmente ele recebe muito mais por seu trabalho do que Andréa.
c)
Ao observar as atividades exercidas por
Andréa e Bart e a remuneração que recebem por elas, o que você conclui?
Resposta pessoal do aluno.
09 – Além de trabalhar, Bart
também frequenta uma faculdade.
a)
De acordo com a reportagem, por que Bart
considera indispensável um diploma universitário: para saber mais sobre sua
profissão ou para ganhar mais?
O rapaz dá a entender que, apesar de achar o diploma algo
importante, o que sabe e o que ganha são resultado de sua própria prática e
experiência, independentemente do curso universitário.
b)
Assim como Bart, você acha importante ter
curso superior para obter sucesso na profissão?
Resposta pessoal do aluno.
10 – Quando indagados sobre
o que fazem se divertir, Andréa e Bart valeram-se de algumas palavras em
inglês.
a)
O que Bart teria querido dizer, ao declarar:
“Não sou freak ou nerd, tenho vida social”?
Ele quis deixar claro que, apesar de trabalhar muito e gostar de
computadores, não era uma pessoa esquisita (freak) nem bitolada (nerd).
b)
O que você sabe sobre hip-hop e rap? Converse
com seus colegas sobre os movimentos e os gêneros musicais preferidos de
Andréa.
De acordo com o Dicionário Houaiss, o Hip-Hop é um movimento
cultural pobre de algumas grandes cidades norte-americanas, que se manifesta de
formas artísticas variadas. Segundo o Novo Aurélio século XXI, o rap é um tipo
de música popular, urbana, de origem negra, com ritmo muito marcado e melodia
simples, pouco elaborada.
c)
A palavra “tecno”, no sentido em que está
empregada no texto, não consta dos dicionários. O que você entende por essa
palavra no texto? Converse com os colegas e com o professor sobre palavras de
outras línguas que passam a fazer parte do dia-a-dia dos brasileiros.
A palavra “tecno” no texto, refere-se a um tipo de música que
utiliza tecnologia eletrônica.
11 – Levando em conta as
entrevistas de Andréa e Bart, aponte a principal diferença entre os dois
trabalhadores.
Ao contrário de
Bart, que declara ter recebido sempre ofertas de emprego, Andréa não consegue
vaga na profissão que queria. Por necessidade, e não por opção, ela foi levada
a ser catadora de lixo.
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