terça-feira, 25 de junho de 2019

CONTO: PROMETEU - BERNARD EVSLIN - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: PROMETEU
   
         Bernard Evslin

        Prometeu era um jovem Titã que não tinha lá muito respeito por Zeus. Embora soubesse que o soberano dos céus se irritava quando lhe faziam perguntas muito diretas, não hesitava em confrontá-lo sempre que queria saber alguma coisa.
        Certa manhã, dirigiu-se a Zeus e disse:
   − Oh, grande Senhor dos Raios, não compreendo seu propósito. O senhor colocou a raça humana sobre a Terra, mas insiste em mantê-la na ignorância e na escuridão.
      − Da raça humana cuido eu – respondeu Zeus. 
   – O que você chama de ignorância é inocência. O que você chama de escuridão é a sombra da minha vontade. Os mortais estão felizes como estão. E foram concebidos de tal forma que vão continuar felizes até que alguém os convença do contrário. Para mim esse assunto está encerrado.
        Mas Prometeu continuou:
        − Olhe para a Terra. Olhe para os homens. Eles vivem nas cavernas, andam à mercê dos animais selvagens e das mudança do tempo. Comem carne crua! Se existe algum propósito nisso, eu imploro, diga-me qual é! Por que o senhor se recusa a dar aos homens o dom do fogo?
        Zeus respondeu:
        − Por acaso você não sabe, jovem Prometeu, que para cada dom existe uma punição? É assim que as Moiras fiam o destino, ao qual até mesmo os deuses devem se submeter. Os mortais não conhecem o fogo, é verdade, nem os ofícios que dele advêm. Por outro lado, também, não conhecem a doença, a velhice, a guerra, nem aquela peste interior chamada preocupação. Acredite em mim, eles estão felizes sem o fogo. E assim devem permanecer.
        − Felizes como os animais – argumentou Prometeu. – Qual é o sentido de criar os humanos e fazer deles uma raça distinta, dotando-os de escassa pelagem, de certa inteligência e do curioso charme da imprevisibilidade? Se devem viver dessa maneira, por que separá-los dos animais?
        − Os humanos têm ainda outra qualidade – disse Zeus – Eles possuem o dom da adoração: uma para admirar nosso poder, para ficarem intrigados diante de nossos enigmas, para se maravilharem diante de nossos caprichos. Foi para isso que foram criados.
        − Mas não ficariam mais interessantes se dominassem o fogo e criassem maravilhas com ele?
        − Mais interessantes, talvez, porém infinitamente mais perigosos. Pois os humanos contam ainda com mais esta característica: a vaidade, um orgulho próprio que, ao menor estímulo, pode adquirir proporções descomunais. Dê a eles o progresso, e eles imediatamente se esquecerão daquilo que os torna seres assim tão aprazíveis: a humildade e a disposição para adorar. Vão ficar todos cheios de si e vão começar a se considerar deuses também. Corremos o risco de vê-los bem aqui, à nossa porta, prontos para invadir o Olimpo. Agora chega, Prometeu! Tenho sido paciente com você, mas minha paciência tem limites! Agora vá embora, e não me perturbe mais com suas especulações.
        Prometeu não se deu por satisfeito. Passou toda aquela noite acordado, fazendo planos. Na madrugada, levantou-se de seu sofá e, pé ante pé, atravessou o Olimpo. Segurava um caniço dentro do qual havia um pavio de fibras secas. Assim que chegou à beira do monte, esticou o braço em direção ao horizonte leste – onde brilhavam os primeiros raios de sol – e deixou que o pavio se acendesse no fogo. Em seguida, escondeu o caniço em sua túnica e desceu à Terra.
        De início, os homens ficaram assustados com o presente. Era tão quente, tão fugaz... Não se deixava tocar e, por puro capricho, fazia dançar as sombras que criava sobre o chão. Eles agradeceram a Prometeu e pediram que ele levasse o presente de volta. Mas Prometeu buscou a carne de um cervo caçado recentemente e a segurou sobre o fogo. Quando a carne começou a assar e a crepitar, impregnando a caverna com seu cheiro delicioso, as pessoas se deixaram levar pela fome e se lançaram sobre o assado, devorando-o voluptuosamente e queimando suas línguas.
        − Isto que trouxe de presente chama-se “fogo” – explicou Prometeu. – Trata-se de um espírito indomável, um pequeno irmão do Sol. Mas se for tratado com cuidado, poderá mudar a vida de toda a humanidade. Também é um espírito guloso; vocês devem alimentá-lo com galhos e folhas, porém somente até que ele atinja um tamanho adequado. Depois disso, não o alimente mais, ou ele devora tudo que estiver ao seu alcance, inclusive vocês. Somente uma coisa será capaz de detê-lo: a água. O espírito do fogo teme o espírito da água. Se for tocado pela água, ele desaparece até que seja chamado novamente.
        Prometeu saiu da caverna onde estava e deixou ali uma fogueira acesa. Criancinhas com olhos arregalados se juntaram em torno da novidade. Em seguida, percorreu todas as cavernas sobre a face da Terra e repetiu o mesmo discurso.
        Algum tempo depois, Zeus olhou do alto do Olimpo e ficou perplexo. Tudo havia mudado. Os homens haviam deixado suas cavernas. Zeus viu cabanas de lenhadores, fazendas, vilarejos, cidades muradas, e até mesmo um castelo ou dois. Os homens cozinhavam os alimentos e carregavam tochas para iluminar seu caminho à noite. No interior de oficinas flamejantes, fabricavam cochos, quilhas, espadas e lanças. Construíam navios e costuravam velas, ousando se aproveitar da fúria dos ventos para se locomover. Usavam capacetes e travavam batalhas montados em bigas, assim como faziam os próprios deuses.
        Zeus ficou furioso e imediatamente apanhou o maior raio de que dispunha.
        − Se eles querem fogo – disse a si mesmo –, então fogo eles terão! E muito mais do que pediram! Vou transformar aquele mísero planeta que eles chamam de Terra em um monte de cinzas! – Mas, de repente, uma ideia surgiu em sua mente e Zeus abaixou o braço. – Além de vingança – prosseguiu – quero diversão! Que eles se destruam com suas próprias mãos e suas próprias descobertas! Vai ser um espetáculo longo, muito interessante de se ver! Deles posso cuidar depois. Meu assunto agora é com Prometeu!
        Zeus chamou sua guarda de gigantes e ordenou que eles prendessem Prometeu, levassem-no até o Cáucaso e o amarrassem ao pico de uma montanha com correntes tão fortes – especialmente forjadas por Hefesto – que nem um Titã em fúria seria capaz de arrebentá-las. Feito isso, chamou dois abutres e mandou que eles comessem lentamente o fígado daquele obstinado amigo dos mortais.
        Os homens sabiam que algo de terrível acontecia no alto da montanha, mas não sabiam exatamente o quê. O vento uivava como um gigante atormentado e, às vezes, gritava como as aves de rapina.
        Prometeu permaneceu ali durante muitos séculos, até nascer outro herói suficientemente corajoso para desafiar os deuses. Esse herói foi Héracles, que subiu até a montanha, cortou as correntes que prendiam Prometeu e matou os abutres.
        Bernard Evslin. Heróis, deuses e monstros da mitologia grega.  
São Paulo: Benvirá, 2012. (Texto adaptado)

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, de o significado das palavras abaixo:
·        Advir: resultar, ocorrer como consequência.
·    Biga: entre os romanos, carro de duas ou quatro rodas, puxado por dois cavalos.
·        Caniço: cana comprida e flexível.
·        Crepitar: estalar, arder ao fogo fazendo barulho.
·        Quilha: peça estrutural básica do casco das embarcações.

02 – Nesse mito, Prometeu e Zeus se põem em confronto.
a)   Qual é o conflito entre eles?
Prometeu considera injusto manter os seres humanos na ignorância e na escuridão e pretende dar-lhes o dom do fogo. Zeus, no entanto, alega que os humanos não são ignorantes, mas inocentes, e que não estão na escuridão, mas sob a sombra da vontade divina. Para Zeus, se os mortais perderem esse estado em que se encontram, perderão a felicidade.

b)   Zeus é o Deus supremo do Olimpo, a morada grega dos deuses. Ao confrontá-lo, que característica Prometeu revela?
Prometeu revela ser ousado e independente.

03 – Prometeu desejava que os humanos saíssem da escuridão e da ignorância e por isso deu a eles o fogo. O que o fogo simboliza nesse mito?
      O fogo simboliza a possibilidade de ver a realidade com mais clareza, o conhecimento, a sabedoria, a instrução e, como consequência, o desenvolvimento, a evolução.

04 – Releia: “[...] Os mortais não conhecem o fogo, é verdade, nem os ofícios que dele advêm. Por outro lado, também, não conhecem a doença, a velhice, a guerra, nem aquela peste interior chamada preocupação. Acredite em mim, eles estão felizes sem o fogo.”

a)   Você concorda com o argumento usado por Zeus? Se sim, justifique. Se não, apresente um contra-argumento, ou seja, um argumento que se oponha ao usado por Zeus.
Resposta pessoal do aluno.

b)   Ao negar o fogo aos mortais, o que Zeus também está negando?
Zeus está negando aos seres humanos a liberdade. Ele prefere mantê-los na ignorância do bem e do mal da vida a vê-los fazerem escolhas erradas.

c)   Afinal, as previsões de Zeus se cumprem ou não depois que os seres humanos conquistam o fogo?
Sim. Os humanos, que a princípio se encantam com o fogo para cozinhar os alimentos e torna-los mais saborosos, em pouco tempo passam também a usar o fogo para fabricar espadas, lanças, capacetes e travar batalhas.

05 – Prometeu recebe um castigo terrível por ter se rebelado contra Zeus em favor dos humanos.
a)   O que pretendia Prometeu ao roubar o fogo?
Prometeu pretendia das aos humanos um presente que, tratado com cuidado, poderia mudar a vida de toda a humanidade, livrando-a da escuridão e da ignorância.

b)   Na sua opinião, a rebeldia de Prometeu valeu a pena, apesar do castigo sofrido?
Resposta pessoal do aluno.

c)   Zeus não se vinga dos mortais, pois prefere que eles “se destruam com suas próprias mãos e suas próprias descobertas”. O que provavelmente Zeus quis dizer com essa frase?
Ele quis dizer que os seres humanos, em nome de crenças, de ideologias, de desejo de poder, lutarão uns contra os outros, e suas invenções e descobertas os levarão não só ao progresso, mas também à destruição.

06 – Releia: “Algum tempo depois, Zeus olhou do alto do Olimpo e ficou perplexo”.
a)   Se Zeus “Olhou do alto do Olimpo”, onde estão as pessoas para quem ele olha?
Em algum lugar abaixo do Olimpo. Na Terra, de acordo com o texto.

b)   O Olimpo era a morada dos deuses gregos e ficava no alto. Considerando sua função e sua posição, o que o Olimpo podia significar para os seres humanos.
Provavelmente, o Olimpo era considerado um lugar sagrado e digno de reverência. Devia ser um lugar inatingível para os humanos.

07 – O mito que Prometeu nos conta sobre a origem do fogo. É possível determinar em que tempo acontece a história? Explique.
      Não. Sabemos que os fatos narrados se ligam aos primórdios da humanidade, mas não é possível determinar o ano, o século ou o milênio em que ocorreram.

08 – Quais expressões de tempo marcam a narrativa lida?
      As marcas de tempo são imprecisas: “Certa manhã, dirigiu-se a Zeus [...]”; “Algum tempo depois, Zeus olhou do alto do Olimpo [...]”; “Prometeu permaneceu ali durante muitos séculos [...]”.

09 – Quanto tempo dura a história narrada nesse mito?
      Não há um tempo determinado. A história tem início em um tempo relacionado à época da origem da humanidade, quando os seres humanos não haviam começado a usar o fogo. Estende-se por tempo suficiente para que eles abandonem as cavernas, passem a habitar vilas, comecem a produzir artefatos complexos e a guerrear munidos de espadas e capacetes. Faz referência aos séculos posteriores em que Prometeu permanece acorrentado.


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