Crônica: APTIDÃO
Luís
Fernando Veríssimo
– Bom dia, Senhor Pacheco. Sente-se,
por favor. Temos uma ótima notícia. Como o senhor deve saber, contratamos uma
firma de psicomputocratas para fazer testes de aptidão nos dez mil empregados
desta firma. Precisamos nos atualizar. Acompanhar os tempos.
– Sim, senhor.
– Os dez mil testes foram submetidos a
um computador, e os resultados estão aqui. O senhor é o primeiro a ser chamado
porque o computador nos forneceu os resultados em rigorosa ordem alfabética.
– Mas o meu nome começa com P.
– Hum, sim, deixa ver. Pacheco. Sim,
sim. Deve ser por ordem alfabética do primeiro nome, então. Este computador é
de última geração. Nunca erra. Como é seu primeiro nome?
– Xisto.
– Bom, isso não tem importância. Vamos
adiante. Vejo aqui pela sua ficha que o senhor está conosco há vinte e oito
anos. Sempre na seção de entorte de fresos. O senhor nunca falhou no serviço,
nunca tirou férias e já recebeu várias vezes nosso prêmio de produção.
– Sim, senhor.
– O senhor começou na seção de entorte
de fresos como faxineiro, depois passou a assistente de entortador, depois
entortador, e hoje é o chefe de entorte. Me diga uma coisa, o senhor nunca se
sentiu atraído para outra função, além do entorte de fresos? Nunca achou que
entortar não era bem sua vocação?
– Nunca, não senhor.
– Pois veja só! O computador nos revela
que a sua verdadeira vocação não é o entorte de fresos e sim o bistoque de
tronas! O senhor é um bistocador de tronas nato, segundo o computador. Não é
fantástico? E ainda tem gente que critica a tecnologia. O senhor era um homem
deslocado no entorte de fresos e não sabia. Se não fosse o teste, nunca ficaria
sabendo. Claro que essa situação vai ser corrigida. O senhor, a partir deste
minuto, deixa de entortar.
– Sim, senhor.
– Só tem uma coisa, Senhor Pacheco.
Nossa firma não trabalha com tronas. Pensando bem, ninguém trabalha com tronas,
hoje em dia.
– Olha, tanto faz. Eu estou
perfeitamente satisfeito no entorte e faltam só vinte anos pra me aposentar ...
– Então a firma gasta um dinheirão para
descobrir a sua verdadeira vocação e o senhor quer jogá-la fora? Reconheço que
o senhor tem sido um chefe de entorte perfeito. Aliás, o computador não
descobriu ninguém com aptidão para o entorte. Vai ser um problema substituí-lo.
Mas não podemos contestar a tecnologia. O senhor está despedido. Por favor,
mande entrar o seguinte e passe bem.
Luís Fernando
Veríssimo. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2003. Adaptado.
Entendendo a crônica:
01 – Assinale a alternativa
em que a afirmação sobre o texto está corretamente associada ao trecho
selecionado.
a)
O Senhor Pacheco ascendeu na empresa
trabalhando no mesmo departamento: “Os dez mil testes foram submetidos a um
computador, e os resultados estão aqui”.
b)
O computador organizou os dados alfabéticos
de forma rápida e acurada: “Este computador é de última geração. Nunca erra”.
c)
O chefe não é pessoa criteriosa,
pois considera o computador infalível: “Vai ser um problema substituí-lo. Mas
não podemos contestar a tecnologia”.
d)
O Senhor Pacheco sempre omitiu o desejo de
mudar para outra seção: “O senhor era um homem deslocado no entorte de fresos e
não sabia”.
e)
O patrão não sabe aferir a dedicação do
funcionário à empresa: “Reconheço que o senhor tem sido um chefe de entorte
perfeito”.
02 – O leitor pode
identificar as personagens porque, entre outros recursos, empregou-se o discurso:
a)
Direto, já que o narrador, embora interfira
no enredo, permite que as personagens expressem-se com liberdade.
b)
Direto, pois as personagens
interagem exteriorizando suas reações e pontos de vista diante dos
acontecimentos.
c)
Indireto, pois o relato, feito pelo narrador,
remete a eventos iniciados e concluídos, no passado, pelas personagens.
d)
Indireto,
já que a presença do narrador é essencial à organização da sequência de ações
que envolve as personagens.
e)
Indireto livre, visto que o chefe e o funcionário,
embora hesitantes no início, terminam convictos de que a tecnologia é
incontestável.
03 – Assinale a alternativa
que apresenta a afirmação correta sobre o trecho selecionado do texto.
a)
“Bom dia, Senhor Pacheco. Sente-se, por
favor.” (1° parágrafo): usa-se o imperativo, pois esse modo verbal é
característico da linguagem literária.
b)
“Mas o meu nome começa com P.” (4°
parágrafo): a conjunção mas
expressa ideia de conclusão.
c)
“Vejo aqui pela sua ficha que o senhor está
conosco há vinte e oito anos.” (7° parágrafo): de acordo com a gramática
normativa, a forma verbal há
pode ser substituída por fazem.
d)
“Me diga uma coisa, o senhor nunca
se sentiu atraído para outra função...” (9° parágrafo): a colocação do pronome
oblíquo me na oração é
considerada marca de linguagem falada.
e)
“Então a firma gasta um dinheirão para
descobrir a sua verdadeira vocação e o senhor quer jogá-la fora?” (Último parágrafo): de acordo com a gramática
normativa, a expressão jogá-la pode ser substituída no texto por jogar-lhe.
“Haviam ______ ao conhecimento do chefe
os resultados dos testes de aptidão que os psicomputocratas ________-se a
aplicar aos funcionários, visto que _________ à empresa manter-se atualizada.
Os testes foram submetidos a um computador, e este forneceu resultados que
___________ informações sobre os funcionários.”
De acordo com a gramática normativa, o
trecho deve ser preenchido, respectivamente, por:
a)
Chegado – propuseram – convém –
contêm.
b)
Chegado – propuseram – convêm – contém.
c)
Chegado – proporam – convêm – contêm.
d)
Chego – proporam – convém – contém.
e)
Chego – propuseram – convém – contém.
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