CONTO – A
MENINA DOS FÓSFOROS
Monteiro Lobato
Isto foi num desses países onde a neve cai durante o tempo de inverno – e fazia
um horrível frio naquela noite do ano.
Dentro do frio e dentro do escuro da noite a menina lá seguia, de pés descalços
pela cidade deserta. Descalça? Sim. É verdade que saíra de casa com um par de
chinelas muito grandes para seus pés, pois tinham sido de sua mãe. Ao
atravessar a rua, porém, teve de correr para desviar-se duma carruagem na
disparada, e perdeu as chinelas; quando voltou para procura-las, viu que um
moleque havia apanhado um pé, saindo a correr com ele na mão. “Vou fazer um berço
desta chinela!”, dizia ele. O outro pé não foi possível encontrar – com certeza
sumiu enterrado na neve pelas paras dos cavalos.
Por isso lá ia a menina de pés nus e já azuis do frio. A era uma vendedeira de
fósforos, do tempo em que os fósforos se vendiam soltos e não em caixa; no
avental trazia uma porção deles e na mão um punhadinho. Mas ninguém lhe
comprara ainda um só, e lá se ia ela, tiritando de frio, sem um vintém no
bolso. Verdadeiro retrato da miséria, a coitadinha!
Flocos de neve recobriam seus cabelos cor de ouro, todos cacheados, sem que a
menina desse por isso.
Em muitas casas a luz do interior saía pelas janelas misturada com um saboroso
cheiro de ganso assado – porque era dia de S. Silvestre, dia em que todos que podem
comem um ganso assado.
Em certo ponto a menina sentou-se encolhidinha rente a uma parede e cruzou os
pés debaixo da saia. Nada adiantou. Sentiu-os mais enregelados ainda. Como não
tivesse vendido nenhum fósforo não se animava a voltar para casa. Sem dinheiro
no bolso estava proibida de aparecer lá.
Seu pai com certeza que a surraria – além disso o frio era lá tanto como ali.
Uma casa velha, teto esburacado e paredes rachadas por onde o vento entrava
zunindo.
Suas mãozinhas começaram a perder os movimentos.
Teve uma ideia: acender um daqueles fósforos para aquecer os dedos entanguidos.
Assim fez. Riscou um fósforo na parede – chit! Que luz bonita e que agradável
quentura! O fósforo queimava qual velinha, com a chama defendida do vento pela
sua mão em concha. Que bom! A menina sentia como se estivesse sentada diante
dum grande fogão, com ferro para mexer as brasas e uma caixa de lenha ao lado.
Tão agradável aquele calorzinho do fósforo, que ela espichou o pé para que também
aproveitasse um pouco – mas nisto a chama foi morrendo e afinal apagou-se. Só
ficou em sua mão um toquinho carbonizado.
A menina riscou outro fósforo, e à luz dele a parede da casa a que estava
encostada tornou-se transparente como um véu, deixando ver tudo quanto se
passava lá dentro. Estava posta uma grande mesa, com toalha alvíssima e
prataria de porcelana; ne centro, um ganso recheado de maçãs e ameixas, que
recendia um perfume delicioso. De repente o ganso ergueu-se da travessa e,
ainda com a faca e o garfo de trinchar espetados no papo, veio na direção dela.
Nisto o fósforo apagou-se e tudo desapareceu. A menina riscou outro fósforo, e
imediatamente se achou sentada debaixo da mais bela árvore de Natal que seus
olhos tinham visto nas casas de brinquedos. Mil velinhas ardiam na ponta dos
galhos, e os enfeites dependurados pareciam olhar para ela. Mas esse fósforo
também foi-se apagando, e à medida que se ia apagando a árvore de Natal ia
crescendo, crescendo, e as velinhas subindo até ficarem como estrelas no céu.
Uma delas caiu, traçando um longo risco de luz.
--- Alguém está morrendo, pensou a menina com a ideia em sua avó. A boa
velhinha fora a única pessoa na vida que lhe dera amor, e costumava dizer que
quando uma estrela cai é sinal de que alguém está morrendo e com a alma a ir
para o céu.
A menina acendeu outro fósforo – e desta vez o que apareceu foi a sua própria
vovó, brilhante como um espírito e com o mesmo olhar meigo de sempre.
--- Vovó! Exclamou ela. Leve-me consigo! Eu sei que a senhora vai sumir-se
quando este fósforo chegar ao fim, como aconteceu com o ganso recheado e a
linda árvore de Natal...
E para que isso não acontecesse a menina tratou de acender um fósforo atrás do
outro, sem esperar que a chama morresse. Era o meio de conservar a vovó perto
de si.
E os fósforos foram ardendo com luz brilhante como a do dia, e sua vovó nunca
lhe apareceu tão bela, nem tão grande. Foi-se chegando, tomou a netinha nos
braços e com ela voou, radiante, para onde não há neve, nem frio mortal, nem
fome, nem cuidados – para o céu.
No outro dia encontraram o corpo da menina entanguido na calçada, com as faces
roxas e um sorriso feliz nos lábios. Havia morrido de fome e frio na última noite
daquele dezembro.
O sol do novo ano veio brincar sobre o pequenino cadáver. Em sua mãozinha
rígida estavam ainda os fósforos que não tivera tempo de acender. Os passantes
olhavam e diziam: “A coitada procurou aquecer-se com os fósforos”, mas ninguém
suspeitou as lindas coisas que ela viu, nem o deslumbramento com que começou o
ano novo em companhia de sua avó.
Novos
contos de Andersen. Tradução e adaptação de
Monteiro Lobato. 6.ed. São Paulo: Brasiliense, 1968.p. 16-21.
Entendendo
o conto:
01 – Era
o último dia do ano, dia de São Silvestre, a neve caía e a cidade estava
deserta.
a) O que a protagonista fazia?
Ela estava tentando vender fósforos.
b) Ela
estava vestida adequadamente para a situação? Justifique sua resposta.
Não. Porque fazia um frio terrível e a
menina estava descalça, de saia, sem luvas, tiritando de frio.
c) Por
quê a vendedora de fósforos não quis voltar para casa?
Porque seu pai a proibira de voltar sem
dinheiro e certamente a surraria. Além disso, sua casa era velha, esburacada e
tão fria quanto a rua.
02 – Nos
contos maravilhosos, os vilões são gigantes, ogros, lobos, bruxas, etc., seres
criados pela imaginação popular. Em “A menina dos fósforos”:
a) Quem
é o vilão?
O pai da menina.
b) Na
sua opinião, esse vilão é mais cruel que os vilões que normalmente aparecem nos
contos maravilhosos? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.
03 – Num
determinado momento da história, o narrador diz que as mãos da menina “começam
a perder os movimentos”. O que isso significa?
Por
estar descalça, a menina estava ficando cada vez mais gelada. Pode ser também
que a temperatura estivesse caindo, isto é, estava ficando cada vez mais frio.
04 – À
medida que a menina acende os fósforos, nós, leitores, partilhamos de suas
visões e de seus desejos. Qual das visões relaciona-se:
a) Ao calor? A 1ª visão, ela se sente aquecida
diante de um grande fogão.
b) À beleza? A 3ª, ela vê a mais linda árvore
de Natal.
c) Ao alimento? A 2ª visão, ela vê um delicioso
ganso recheado.
d) À refeição? A última visão, a menina vê sua
avó.
05 – Há, no conto, dois momentos em
que se observa a compaixão humana. Quem faz no conto os seguintes comentários?
a) “Verdadeiro
retrato da miséria, a coitadinha!”
O narrador do conto.
b) “A
coitada procurou aquecer-se com os fósforos”.
Os passantes.
06
– Muitos contos maravilhosos surgiram na Idade Média, na Europa, numa
época em que havia muita miséria.
a) O
conto lido retrata essa situação social? Justifique sua resposta.
Sim. A protagonista é uma criança muito pobre, maltratada pelo pai, mora numa
casa velha, de teto esburacado e paredes rachadas, tem fome e frio precisa
trabalhar para sobreviver.
b) Você
conhece outros contos maravilhosos em que crianças têm de enfrentar o abandono,
a fome e a injustiça social, como a vendedora de fósforos? Se sim, quais?
Sim. “João e Maria”, “Branca de neve e
os sete anões”, “Cinderela”, “O Pequeno Polegar”, “Rapunzel”.
07 – Nos
contos maravilhosos, heróis e heroínas costumam vencer os obstáculos e triunfar
no final. Na sua opinião, a vendedora de fósforos triunfa no final? Justifique
sua resposta.
Sim. Apesar do final trágico. Pode-se dizer que ainda assim é um belo final: a
heroína passa para uma esfera diferente, onde triunfa o amor, a proteção, o
calor, a felicidade.
parabenizo o armazém do texto pelo trabalho, pela colaboração e o esforço desempenhado para ajudar os alunos a terem mais opção de leitura, expandindo assim, os conhecimentos no mundo da literatura.
ResponderExcluirCícero Guedes.
Caraca mandaram bem aí valeu pela ajuda
ResponderExcluirverdade ajudaram muito mesmo
ExcluirVlh vcs me ajudam muito obrigada msm
ResponderExcluirObrigada pela ajuda
ResponderExcluirVlw pela ajuda
ResponderExcluirMuito obrigado fortaleceu dms
ResponderExcluirValeu
ResponderExcluirTop
ResponderExcluircarai borracha
ResponderExcluirQue sorte kkkkkkk
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