segunda-feira, 19 de março de 2018

BIOGRAFIA: UM ESCRITOR NASCE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

BIOGRAFIA - UM ESCRITOR NASCE


       Nasci numa tarde de julho, na pequena cidade onde havia uma cadeia, uma igreja e uma escola bem próximas umas das outras, e que se chamava Turmalina. A cadeia era velha, descascada na parede dos fundos. Deus sabe como os presos lá dentro viviam e comiam, mas exercia sobre nós uma fascinação inelutável (era o lugar onde se fabricavam gaiolas, vassouras, flores de papel, bonecos de pau). A igreja também era velha, porém não tinha o mesmo prestígio. E a escola, nova de quatro ou cinco anos, era o lugar menos estimado de todos. Foi aí que nasci.
        Nasci na sala do 3º ano, sendo a professora D. Emerenciana Barbosa, que Deus a tenha. Até então, era analfabeto e despretensioso. Lembro-me: nesse dia de julho, o sol que descia da serra, era bravo e parado. A aula era de Geografia, e a professora traçava no quadro-negro nomes de países distantes. As cidades vinham surgindo na ponte dos nomes, e Paris era uma torre ao lado de uma ponte e um rio. A Inglaterra não se enxergava bem no nevoeiro, um esquimó, um condor surgiam misteriosamente, trazendo países inteiros. Então, nasci. De repente nasci, isto é, senti necessidade de escrever. Nunca pensara no que podia sair do papel e do lápis, a não ser bonecos sem pescoço, com cinco riscos representando as mãos. Nesse momento, porém, minha mão avançou para a carteira à procura de um objeto, achou-o, apertou-o irresistivelmente, escreveu alguma coisa parecida com a narração de uma viagem de Turmalina ao Polo Norte.
        É talvez a mais curta narração no gênero. Dez linhas, inclusive o naufrágio e a visita ao vulcão. Eu escrevia com o rosto ardendo, e a mão veloz tropeçando sobre complicações ortográficas, mas passava adiante. Isso durou talvez um quarto de hora, e valeu-me a interpelação de D. Emerenciana.
        – Juquita, que que você está fazendo?
        O rosto ficou mais quente, não respondi. Ela insistiu:
        – Me dá esse papel aí… me dá aqui.
        Eu relutava, mas seus óculos eram imperiosos. Sucumbido, levantei-me, o braço duro segurando a ponta do papel, a classe toda olhava para mim, gozando o espetáculo da humilhação. D. Emerenciana passou os óculos pelo papel e, com assombro para mim, declarou à classe:
        – Vocês estão rindo do Juquita. Não façam isso. Ele fez uma descrição muito chique, mostrou que está aproveitando bem as aulas.
        Uma pausa, e rematou:
        – Continue, Juquita. Você ainda será um grande escritor.
        A maioria, na sala, não avaliava o que fosse um grande escritor. Eu próprio não avaliava. Mas sabia que no Rio de Janeiro havia um homem pequenino, de cabeça enorme, que fazia discursos muito compridos e era inteligentíssimo. Devia ser, com certeza, um grande escritor, e em meus nove anos achei que a professora me comparava a Rui Barbosa.

Carlos Drummond de Andrade. Contos de Aprendiz.
4a Edição, Editora do Autor.

Entendendo o texto:
01 – Como se explica a frase: “Nasci numa tarde de julho, na pequena cidade onde havia uma cadeia, uma igreja e uma escola…”.
      O nascimento de que trata a frase se refere à maneira como um futuro escritor começou a escrever em uma pequena cidade.

02 – Por que a cadeia exercia sobre as crianças uma fascinação inelutável?
      Porque esbarrava no desconhecido para as crianças.

03 – Qual era a contribuição dos presos para a cidade?
      Fabricavam gaiolas, vassouras, flores de papel e bonecos de pau.

04 – Como se sabe que a professora já morreu?
      Pela expressão bem popular “que Deus a tenha”.

05 – Onde aconteceu o “nascimento” do escritor?
      Durante a aula de Geografia, na escola.

06 – Até aquele dia, o que o Autor pensava sobre o ato de escrever?
      Não o conhecia propriamente, pois só praticava o desenho.

07 – Por quanto tempo o Autor escreveu o texto, na aula de Geografia?
      Aproximadamente quinze minutos.

08 – Que reação provocou, na classe, a advertência inicial de Dona Emerenciana?
      Criou uma atmosfera de expectativa e de gozação da humilhação a ser impingida ao aluno.

09 – O aluno entregou o papel imediatamente? O que determinou a entrega?
       Não. O aluno relutava, mas não resistiu ao olhar imperioso da professora.

10 – A professora fez um elogio ao garoto. Por quê?
       O texto escrito pelo autor referia-se aos assuntos de Geografia tratados durante as aulas.

11 – O elogio levou o garoto a concluir o quê?
       Julgou que a mestra o comparava à Rui Barbosa.

12 – As previsões da professora estavam certas? O que você sabe a respeito de Carlos Drummond de Andrade?
       Sim. O escritor nasceu em Itabira, em 1902. Formado em Farmácia, dedicou-se ao jornalismo e, posteriormente, foi funcionário público. É um dos maiores poetas brasileiros e cronista de renome. Escreveu principalmente sobre os problemas humanos, usando de ironia e criticando o homem.

13 – Qual é o protagonista da história e que idade tem?
       É o próprio narrador. Tem nove anos.

14 – Localize no texto uma frase que demonstre a respeito do protagonista:
a) obediência – “Sucumbido, levantei-me…”
b) curiosidade – “Mas exercia sobre nós uma fascinação inelutável…”
c) constrangimento – “O rosto ficou mais quente, não respondi.”
d) sofreguidão, pressa – “Eu escrevia com o rosto ardendo e a mão veloz tropeçando sobre complicações ortográficas…”

15 – A história da narrativa se passa no tempo:
 a. (   ) presente        b. (X) passado       c. (   ) futuro.

16 – Qual é a duração e o ambiente físico em que ocorrem os fatos?
      “Eu escrevia com o rosto ardendo e a mão veloz tropeçando sobre complicações ortográficas…”

17 – Qual é a principal mensagem que se encontra no texto?
       Escrever pode ser uma atividade muito agradável se o indivíduo se sentir motivado. Escrever não é fruto de um “dom especial” mas de um longo aprendizado. Outras mensagens que o texto indica: os professores são, na maioria das vezes, responsáveis pelo nascimento ou morte de um escritor. No caso do autor, sua professora fez um elogio ao seu escrito, mesmo quando poderia ter chamado sua atenção diante dos colegas. Isto é, a atitude da professora foi positiva diante da “falta de atenção” em plena aula de Geografia.

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