quinta-feira, 29 de março de 2018

CRÔNICA: CONTATOS IMEDIATOS - JOSÉ J.VEIGA - COM GABARITO

CRÔNICA: CONTATOS IMEDIATOS


    A mesa do jantar estava posta. Sentado no sofá, Dr. Gumercindo mudava as pilhas do radinho. Nilo chegou, tirou o pratinho que cobria a tigela e anunciou:
        --- Olha aqui, pai. Pra festejar a sua chegada.
        --- Muita gentileza. O que é que temos ai? – disse o pai, fechando o rádio e ligando-o.
        --- Doce de batata que D.ª Luci mandou.
        --- Ótimo! Guarde na cozinha. – Mas o rádio não funcionava. O pai instigou-o com um tapinha, ele não reagiu. – Você andou mexendo com este rádio, Nilo?
        --- Liguei ele. Estava bom, mas fanhoso. Vá ver o senhor se distraiu na colocação das pilhas novas.
        O pai olhou admirado para ele e disse:
        --- Gostei dessa, garotão. Grande progresso. Quer dizer que eu não fiz burrada com as pilhas, não troquei os pés pelas mãos. Apenas me distraí. E já que é assim, ajeite aí pra nós.
        Nilo sentou-se ao lado do pai, tirou as pilhas do rádio e foi explicando:
        --- Está vendo este esqueminha aqui? É só seguir, que não tem erro. Duas com o tufinho para um lado, duas para o outro. Assim, ó. Agora ligue. O pai pegou o rádio, ligou, tocou.
        --- Está vendo? Seguir o esquema.
        --- É. Falou quem sabe. Nunca pensei que tivesse esquema para facilitar a arrumação das pilhas.
        Durante o jantar Dr. Gumercindo falou da viagem, do clima de Brasília, tão seco que racha os lábios das pessoas. Falou das grandes distâncias, da uniformidade monótona das quadras, da aberração das cidades-satélites, que não estavam previstas no plano urbanístico porque os planejadores se esqueceram de incluir a pobreza.
        --- Meu professor de OSPB disse que Brasília é a Alphaville que não desmontaram depois que fizeram o filme – disse Nilo.
        --- Fiquei na mesma. Não sei o que Alphaville e não sei de que filme você está falando. Me socorra – disse o pai.
        --- Alphaville é um filme sainsfixan passado em outro planeta. Eu vi no cine clube.
        --- Brinca com Nilo – disse a mãe sorrindo.
        --- A propósito, o que foi que o senhor andou urdindo, quero dizer, transando, na minha ausência? – perguntou o pai.
        --- Eu? Tentando contatos imediatos com extraterrestres. Não consegui, mas não desisti.
        D.ª Angélica aproveitou o ensejo para falar no assunto que a preocupara na hora do café, mas agora já nem tanto.
        --- Ele teve um contato imediato sim, mas não com extraterrestres. Não teve, Nilo?
        O pai não mostrou interesse; mas notando o encabulamento do filho, achou que ali devia haver algum malfeito que a mãe queria expor e o filho esconder.
        --- Me fale desse contato, Nilo. Estou curioso – disse o pai.
        Nilo lançou um olhar de censura à mãe, o que aumentou a desconfiança do Dr. Gumercindo e o levou a insistir num esclarecimento.
        --- Então, Nilo. Posso saber? É melhor que eu saiba por você mesmo.
        --- Não é nada de travessura não – disse D.ª Angélica. – Conte logo, Nilo.
        Nilo contou, e o pai naturalmente não acreditou; mas também não zombou nem tentou uma explicação racional.
        --- Então o garotão viu um fantasma. E pernas para que te quero.
        --- Não senhor.
        --- Porque ficou sem ação.
        --- Também não.
        --- Não teve medo?
        --- Nem uma grama.
        --- É. A juventude está com tudo. Se eu visse um fantasma, acho que me desmontava, desmaiava, me desmilinguia.
        --- Eu também pensava assim. Até que vi esse. Parece que os fantasmas de hoje são diferentes. São mais humanos.
        O pai olhou disfarçadamente para a mãe e mudou de assunto:
        --- Bom. Agora vamos fazer uma coisa que fantasma nenhum faz, suponho. Vamos comer aquele doce de D.ª Luci. Depois, todos ao cinema.

                            José J. Veiga. Torvelinho Dia e Noite, págs. 21-24.
                                                            Editora Difel, São Paulo, 1985.

Entendendo o texto:
01 – No texto, o autor conta uma história ou reproduz um diálogo?
      No texto, o autor reproduz um diálogo.

02 – Quem são os personagens?
      O pai (Dr. Gumercindo), a mãe (D.ª Angélica) e o filho (Nilo).

03 – A conversa transcorre durante ou depois do jantar?
      A conversa transcorreu durante o jantar.

04 – De que lugar o Dr. Gumercindo havia chegado naquele dia?
      O doutor havia chegado de Brasília.

05 – Em vez de dizer rudemente ao pai “o senhor errou na colocação das pilhas”, Nilo chamou a atenção do pai com palavras delicadas. Como ele disse?
      “Vá ver se o senhor se distraiu na colocação das pilhas novas.”

06 – Que efeitos a linguagem delicada de Nilo teve sobre o pai?
      Deixou o pai admirado e feliz.

07 – As impressões que Brasília causou ao pai de Nilo foram boas ou más?
      As impressões foram más.

08 – Aponte uma falha que o Dr. Gumercindo notou na construção de Brasília.
      As cidades-satélites, onde mora a população pobre, não foram planejadas, por isso cresceram desordenadamente.

09 – A frase “Brinca com Nilo” foi dita pela mãe em tom de:
      (X) Ironia.
      (   ) Provocação.
      (   ) Zombaria.

10 – Por que na frase que se inicia na linha 37 o pai tratou o filho de o senhor, em lugar de você?
      Porque fingiu um aspecto sério e autoritário.

11 – “Ele teve um contato imediato sim, mas não com extraterrestres.” Com essas palavras (que o marido não entendeu, mas o filho sim), o que é que D.ª Angélica quis dizer?
      Ela quis dizer que Nilo viu um fantasma.

12 – Complete de acordo com o texto:
      Essa afirmação da mãe deixou Nilo envergonhado e o pai desconfiado de que, durante a sua ausência, o filho tivesse feito algo errado. Nilo lançou um olhar de censura à mãe, aumentando com isso a desconfiança do Dr. Gumercindo, que se sentiu na obrigação de exigir um esclarecimento. Mesmo contra sua vontade, Nilo acabou contando que tinha visto um fantasma.

13 – Nos diálogos, ficamos conhecendo os personagens pela sua fala. Que características você observou no pai do Nilo? e em Nilo?
      O pai de Nilo: educado, enérgico, expansivo, brincalhão.
      Nilo: inteligente, habilidoso, gentil, amigo do pai, fantasista.







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