sexta-feira, 16 de março de 2018

TEXTO: AINDA EXISTEM HERÓIS? HELENA CELESTINO - COM GABARITO


Texto: AINDA EXISTEM HERÓIS?


        A foto dá arrepios: um homem tenta subir desesperadamente para a plataforma do metrô, o trem já entrando na estação. A imagem registra os últimos segundos da vida de Ki Suk Han, 56 anos, coreano empurrado por um desconhecido para o buraco dos trilhos, em pleno centro de Manhattan, na última segunda-feira, 03/12.
        Acena estampada na capa do New York Post, um tabloide do magnata James Murdoch, escandalizou e chocou a cidade semana passada.
        Passaram-se cerca de 22 segundos entre o primeiro grito e o momento em que o trem atingiu o homem. No país do mítico John Wayne e do indestrutível Super-Homem, nenhum herói apareceu para evitar a tragédia, ninguém naquela plataforma botou de lado o medo e escolheu agir para salvar o cara.
       O que você faria? O fotógrafo freelancer R. Umar Abassi registrou a cena. Muitas vezes. Na versão dele, disparou o flash, freneticamente, na esperança de alertar o maquinista e fazê-lo parar o trem a tempo. Nem olhou as fotos, entregou o chip da memória na redação e só reapareceu dois dias depois para se defender das críticas.
       "A verdade é que eu não conseguiria alcançar aquele homem", argumenta. Nas imagens captadas pelo fotógrafo, as pessoas na estação de metrô também pareciam imobilizadas. Testemunhas contam que muitos gritaram, acenaram, a maioria sacou o celular e filmou.
        A polícia usou as imagens para prender o assassino, um morador de rua, conhecido pelos comerciantes de Times Square, a quem ajudava a montar e desmontar barracas, em troca de US$ 10 a US$ 40. Todos viram o bate-boca dele com Suk Han e, momentos depois, o empurrão para a morte. "Foi tudo tão rápido", repete o fotógrafo.
        "Tirar a foto pode ser quase um reflexo", acha Aypery Karabuda, diretora de imagem da maior agência do mundo, a Thomson Reuters. "Vender é outra história e a decisão de publicar merece uma reflexão", diz.
         O tratamento dado pelo New York Post à imagem não foi intempestivo. Levou em conta o impacto comercial e o apelo emocional da foto, publicada dois dias seguidos na capa do tabloide, com o mesmo título: Este homem está prestes a morrer. Reproduzida infinitamente em programas de televisão, mídias sociais e blogs, a primeira página do jornal foi quase unanimemente considerada de extremo mau gosto. Não tem sangue, mas é chocante a exploração da luta solitária do homem para escapar da morte, bem no centro de uma das cidades mais movimentadas do mundo. O venerando New York Times também foi acusado de ultrapassar as fronteiras do bom gosto há poucos meses por publicar a foto do embaixador dos EUA, Christopher Stevens, sendo carregado morto na Líbia. A imagem não tinha uma gota de sangue, mas reproduzia a desproteção do americano que acabara de morrer, longe de casa, no meio de um ataque violento. Foi um choque nos EUA, passou sem despertar maior atenção no Brasil.
      Jornalistas, especialmente fotógrafos, são acusados de indiferença diante do perigo e da miséria ao trabalharem em situações extremas, como guerras, tragédias naturais, atentados. Não é simples saber o momento de deixar a câmera ou o gravador de lado e tentar ajudar.
       "Não tenho regras, só quem está vivendo o momento pode saber", disse o jornalista Anderson Cooper, uma estrela da CNN, acostumado a ver a morte de perto no Oriente Médio, explicando-se para o fotógrafo que documentara o crime no metrô da Rua 49. É um fantasma que assombra todo correspondente de guerra e certamente a maioria dos repórteres durante a cobertura de tragédias. Radhika Chalassi, uma freelancer cobrindo a guerra civil no Sudão, foi obrigada a fazer uma escolha dramática que relembra a cada nova cobertura.
       "Até hoje, não sei se necessariamente fiz a coisa certa". Em depoimento ao Guardian, ela conta que fora com um grupo de fotógrafos a um campo de refugiados e todos se depararam com umas crianças sobreviventes, sozinhas no meio de lugar nenhum. Queria levar os meninos no carro com ela, os colegas acharam que seria perigoso, optou por avisar a um funcionário da Cruz Vermelha. No dia seguinte, um jornalista encontrou crianças no mesmo lugar, impossível saber se eram outras ou as mesmas.
       Novas tecnologias criam novas fronteiras éticas. Numa era em que todos têm uma câmera na mão, novos horrores serão registrados em massa em câmeras de segurança ou celulares. O direito à informação é uma conquista, mas solidariedade, compaixão e emoção fazem o mundo melhor.

                                              Helena Celestino O Globo, 09/12/2012.
                                                                                (Texto adaptado).

Entendendo o texto:
01 – Considerando o 8º parágrafo do texto, por que "Não é simples saber o momento de deixar a câmera ou o gravador de lado e tentar ajudar"?
      a) Porque os jornalistas querem apenas seu sustento financeiro.
      b) Porque as pessoas querem notícias sensacionalistas.
      c) Porque, entre a notícia exata e a intervenção do jornalista, prioriza-se a informação.
      d) Porque, muitas vezes, os jornalistas vivenciam dilemas éticos no exercício de sua profissão.
      e) Porque os jornalistas são obrigados a transmitir os fatos exatamente do modo como acontecem.

02 – Qual ponto de vista é defendido no texto?
       a) O texto jornalístico deve se fixar na realidade.
      b) Valores sociais ficam em segundo plano diante da informação.
       c) Compaixão, solidariedade e respeito ao próximo devem ser mais valorizados do que a informação.
      d) A humanidade deve ser estimulada somente através de matérias humanistas a ter compaixão e respeito ao próximo.
       e) A verdade não pode ser omitida.

03 – Levando em consideração o perfil do herói, qual passagem do texto melhor descreve um perfil anti-heroico?
       a) "Não tenho regras, só quem está vivendo o momento pode saber", disse o jornalista Anderson...
       b) "...ninguém naquela plataforma botou de lado o medo e escolheu agir para salvar o cara."
       c) "Jornalistas, especialmente fotógrafos, são acusados de indiferença diante do perigo e da miséria ao trabalharem em situações extremas."
       d) "Novas tecnologias criam novas fronteiras éticas."
       e) "A verdade é que eu não conseguiria alcançar aquele homem", argumenta.


04 – Após a leitura do texto, o que se pode afirmar a respeito da idolatria?
       a) A força do herói consiste em superar medos e ultrapassar barreiras pessoais, a fim de mostrar a seus fãs que só se alcança a idolatria pela soberba.
       b) Neymar pode ser considerado um anti-herói, uma vez que se destaca apenas por sua prática esportiva e não por uma boa ação social praticada.
       c) Os mitos requerem, ao mesmo tempo, tenacidade e fraqueza, para que possam ser reconhecidos socialmente.
       d) Na contemporaneidade, não mais existem heróis, porque as pessoas agora valorizam apenas os feitos tecnológicos.
       e) Os heróis não são apenas aqueles que vendem imagem bem-sucedida no âmbito financeiro, mas também os que se destacam ações admiráveis.




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