quarta-feira, 15 de agosto de 2018

CRÔNICA: OS RESISTENTES - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

CRÔNICA: Os resistentes
                                         Luís Fernando Veríssimo

        Não sucumbi ao telefone celular. Não tenho e nunca terei um telefone celular. Quando preciso usar um, uso o da minha mulher. Mas segurando-o como se fosse um grande inseto, possivelmente venenoso, desconhecido da minha tribo.
        Eu não saberia escolher a musiquinha que o identifica. Aquela que, quando toca, a pessoa diz “é meu!”, e passa a procurá-lo freneticamente, depois o coloca no ouvido, diz “alô” várias vezes, aperta botões errado, desiste e desliga, para repetir toda a função quando a musiquinha toca outra vez.
        Não sei, a gente escolhe a musiquinha quando compra o celular?
        ─ Tem aí um Beethoven?
        ─ Não. Mas temos as quatro estações de Vivaldi.
        ─ Manda a primavera.
        Porque a musiquinha do seu celular também identifica você. [...]. Você muitas vezes só sabe com quem realmente está quando ouve o seu celular tocar, e o som do seu celular diz mais a seu respeito do que você imagina. Se bem que, na minha experiência, a maioria das pessoas escolhe músicas galopantes [...] apenas para já colocá-la no adequado espírito de urgência, ou pânico controlado, que o celular exige.
        Sei que alguns celulares ronronam e vibram discretamente, em vez de desandarem a chamar seus donos com música. Infelizmente, os donos nem sempre mostram a mesma discrição. Não é raro você ser obrigado a ouvir alguém tratando de detalhes da sua intimidade ou dos furúnculos da tia Djalmira a céu aberto, por assim dizer. É como nos fazem os fumantes, só que em vez do nosso espaço aéreo ser invadido por fumaça indesejada, é invadido pela vida alheia. Que também pode ser tóxica.
        Não dá para negar que o celular é útil, mas no caso a própria utilidade é angustiante. O celular reduziu as pessoas a apenas extremos opostos de uma conexão, pontos soltos no ar, sem contato com o chão. Onde você se encontra tornou-se irrelevante, o que significa que em breve ninguém mais vai se encontrar. E a palavra “incomunicável” perdeu o sentido. Estar longe de qualquer telefone não é mais um sonho realizável de sossego e privacidade ─ o telefone foi atrás.
        Não tenho a menor ideia de como funciona o besouro maldito. E chega um momento em que cada nova perplexidade com ele torna-se uma ofensa pessoal, ainda mais para quem não entendeu bem como funciona torneira.
        Ouvi dizer que o celular destrói o cérebro aos poucos. Nos vejo ─ os que não sucumbiram, os últimos resistentes ─ como os únicos sãos num mundo imbecilizado pelo micro-ondas de ouvido, com os quais as pessoas trocarão grunhidos pré-históricos, incapazes de um raciocínio ou de uma frase completa, mais ainda conectados. Seremos poucos mas nos manteremos unidos, e trocaremos informações. Usando sinais de fumaça.

O Globo, 3 de maio de 2012.
Entendendo o texto
01 – Qual o significado de sucumbir, no primeiro parágrafo?
      Não resistir ao telefone celular.  
 
02 – No trecho “Quando preciso usar um, uso o da minha mulher.”, no primeiro parágrafo, a que se refere o termo destacado?
      Refere-se ao telefone celular.

03 – Retire do 1º e do 3º parágrafos do texto trechos que revelam a pouca intimidade do cronista com o celular.
      “Mas segurando-o como se fosse um grande inseto, possivelmente venenoso, desconhecido da minha tribo.”
      “Não sei, a gente escolhe a musiquinha quando compra o celular?”

04 – A que se referem os termos destacados em “É como nos fazem os fumantes, só que em vez do nosso espaço aéreo ser invadido por fumaça indesejada, é invadido pela vida alheia. Que também pode ser tóxica.” (8º parágrafo) 
      Refere-se as conversas da vida alheia.

05 – Retire do texto um trecho que revela uma opinião e um que contém um fato.
      Fato: Não dá para negar que o celular é útil.
      Opinião: O celular reduziu as pessoas a apenas extremos opostos de uma conexão, pontos soltos no ar, sem contato com o chão.

06 – Cite uma consequência do uso do celular, segundo o 9º parágrafo do texto.
      O que significa que em breve ninguém mais vai se encontrar.

07 – A quem se refere o termo destacado em “Nos vejo”, no último parágrafo?
      Refere-se à aqueles que não aceitaram a modernidade do telefone celular.

08 – Qual a crítica aos usuários do telefone celular presente no último parágrafo?
      Que as pessoas embora conectadas, são incapazes de um raciocínio ou de uma frase completa.



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