segunda-feira, 20 de agosto de 2018

CONTO: UMA VELA PARA DARIO - DALTON TREVISAN - COM GABARITO

Conto: Uma Vela para Dario
                   
                              Dalton Trevisan

        Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.
        Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.
        Ele reclina-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abre-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario rouqueja feio, bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
        Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o pode ver. Os moradores da rua conversam de uma porta à outra, as crianças de pijama acodem à janela. O senhor gordo repete que Dario sentou-se na calçada, soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Mas não se vê guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.
        A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagaria a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado à parede - não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
        Alguém informa da farmácia na outra rua. Não carregam Dario além da esquina; a farmácia é no fim do quarteirão e, além do mais, muito peso. É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobre o rosto, sem que faça um gesto para espantá-las.
        Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite. Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
        Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficam sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade.
        Registra-se correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investe a multidão. Várias pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete vezes.
        O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo — os bolsos vazios. Resta na mão esquerda a aliança de ouro, que ele próprio quando vivo - só destacava molhando no sabonete. A polícia decide chamar o rabecão.
        A última boca repete — Ele morreu, ele morreu. A gente começa a se dispersar. Dario levou duas horas para morrer, ninguém acreditava estivesse no fim. Agora, aos que alcançam vê-lo, todo o ar de um defunto.
        Um senhor piedoso dobra o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruza as mãos no peito. Não consegue fechar olho nem boca, onde a espuma sumiu. Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.
        Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acende ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
        Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair. 

Entendendo o conto:
01 – O texto apresenta uma estrutura cujo o processo de composição predominante é o narrativo. Todos os elementos abaixo são característicos desse tipo de texto, EXCETO: 
a. presença de personagens
b. referências temporais
c. indicação espacial
d. defesa de ponto de vista

02 – O texto sugere que a morte de Dario acaba sendo resultado do descaso das pessoas. Assinale a única opção cuja passagem transcrita revele um exemplo desse descaso. 
a.  “O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.”
b.  “A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo.”
c.  “Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagaria a corrida?” 
d.  “Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados - com vários objetos”.

03 – A partir de uma leitura atenta do texto, é correto afirmar que:
a. A curiosidade das pessoas que estavam em uma cafeteria impediu-as de continuarem comendo. 
b. O sumiço de vários pertences de Dario sugere que foram roubados apesar da condição em que ele se encontrava.
c. As crianças revelam indiferença pela cena uma vez que apenas os adultos têm consciência do que se passa. 
d. A referência à ambulância, à polícia e ao rabecão revela a rapidez com que esses serviços foram prestados. 

04 – No 11° parágrafo, tem -se “A última boca repete — Ele morreu, ele morreu”. Nessa passagem, pode-se perceber um exemplo de discurso:
a. indireto
b. direto 
c. indireto livre
d. não verbal

05 – Em “O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.” (14°§), considerando as vozes do verbo, pode-se reescrever, corretamente, o trecho em destaque da seguinte forma: 
a. O toco de vela é apagado 
b. O toco de vela apaga a si mesmo 
c. Apagam o toco de vela 
d. O toco de vela pode ser apagado 

06 – No primeiro parágrafo, a oração “Dario vem apressado. Guarda-chuva no braço esquerdo.” revela, por meio do adjetivo em destaque, uma característica: 
a. típica de Dario ao longo do texto 
b. comum a todos os demais passantes
c. exclusiva de pessoas que passam mal
d. circunstancial, momentânea de Dario 

07 – “Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias.”
Em função da necessidade de concordância do verbo com o sujeito a que se refere, pode-se afirmar o seguinte sobre o sujeito da forma “espalha” é:
a. composto tendo “homem” e “multidão” como núcleos
b. indeterminado e sem referência gramatical explícita.
c. simples e representado pela construção “a multidão”
d. desinencial marcado pela terceira pessoa. 

08 – Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias.” O emprego do vocábulo “Apenas” sugere, em relação ao homem morto:
a. irrelevância 
b. remorso 
c. piedade
d. revolta.



"Cada boa ação que você pratica é uma luz que você acende em torno dos seus próprios passos." Chico Xavier



3 comentários:

  1. O conto reflete uma característica de nossa sociedade atual. Qual é esta característica? Aponte-a com transcrições do texto

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  2. 1- O único personagem que tem nome é Dario, Quem é ele?


    2- É possível identificá-lo? Por que?

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