segunda-feira, 27 de agosto de 2018

CONTO: NUNCA É TARDE, SEMPRE É TARDE - SILVIO FIORANI - COM GABARITO

Conto: Nunca é tarde, sempre é tarde
                  
                                     (Sílvio Fiorani)

        Conseguiu aprontar-se mas não teve tempo de guardar o material de maquiagem espalhado sobre a penteadeira. Olhou-se no espelho. Nem bonita, nem feia. Secretária. Sou uma secretária, pensou, procurando conscientizar-se. Não devo ser, no trabalho, nem bonita, nem feia. Devo me pintar, vestir-me bem, mas sem exagero. Beleza mesmo é pra fim-de-semana. Nem bonita, nem feia, disse consigo mesma. Concluiu que não havia tempo nem para o café. Cruzou a sala e o hall em disparada, na direção da porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe envolvida pelos vapores da cozinha, eu como alguma coisa lá mesmo. Sempre tal alguém com alguma bolachinha disponível. Café nunca falta. A mãe reclamou mais uma vez. Você acaba doente, Su. Assim não pode. Assim, não. Su, enlouquecida pela pressa, nada ouviu. Poucas vezes ouvia o que a mãe lhe dizia. Louca de pressa, ia sair, avançou a mão para a maçaneta da porta e assustou-se. A campainha tocou naquele exato momento. Quem haveria de ser àquela hora? A campainha era insistente. Algum dedo nervosos apertava-a sem tréguas. A campainha. Su acordou finalmente com o tilintar vibrante do despertar Westclox e se deu conta de que sequer havia se levantado. Raios. Tudo por fazer. Mesmo que acordasse em tempo, tinha sempre que correr, correr. Tinha tudo cronometrado, desde o levantar-se até o retoque do batom e o perfumezinho final. Exploit da Atkinsons. Perfume quente. Mais ou menos quente. Esqueceu onde havia deixado o relógio de pulso. Perambulou nervosamente pela casa procurando-o. Atrasou alguns preciosos minutos. A mãe achou-o sobre a mesinha do telefone. Su colocou-o no pulso. Viu as horas. Havia conseguido aprontar-se, mas não teve tempo de guardar o material de maquiagem espalhado sobre a penteadeira. Olhou-se no espelho. Nem bonita, nem feia, pensou duas vezes. Vou ficar bonita mesmo só no sábado. Não havia tempo nem para o café. Cruzou em disparada a sala e o hall, em direção à porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe, bolachinha disponível. Avançou a mão para a fechadura e assustou-se com o toque insistente da campainha. Algum dedo nervoso. O Westclox. Su acordou e deu-se conta mais uma vez da trágica e permanente verdade de que ainda não estava pronta(!) Levantou-se de um ímpeto. Correu ao banheiro, voltou do banheiro, vestiu-se com a roupa estrategicamente deixada sobre a cadeira na noite anterior. Ao sentar-se mais uma vez frente ao espelho, notou que, embora não tivesse ainda se pintado, o material de maquiagem já estava espalhado sobre a penteadeira. O batom aberto e usado, o Exploit desastradamente destampado, evaporando. O despertador tocou novamente. Ou tocou finalmente. E estava com toda corda, pois demorou a silenciar. Mesmo assim, Su andou pela casa toda, tentando desesperadamente acordar-se. Ocorreu afinal a idéia de pedir ajuda à mãe. Esta, envolvida pelos vapores da cozinha, mostrou-se compreensiva. Está bem, Su. Espere só um instantinho que eu vou lá no quarto te acordar.
 
              
Silvio Fiorani. Os estandartes de Átila.
Rio de Janeiro: Codecri, 1980.
Entendendo o conto:
01 – O conto é uma narrativa realista? Por quê?
      Sim, pois o autor usa fatos reais para ir contando a história, todas as ações são reais.

02 – A personagem se assustou devido:
a)   À percepção de que sequer havia levantado.
b)   À possibilidade de ficar doente.
c)   À reclamação da mãe.
d)   Ao atraso para o trabalho.
e)   Ao toque da campainha.

03 – Observe o trecho do conto:
        “Cruzou a sala e o hall em disparada, na direção da porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe envolvida em vapores da cozinha, eu como alguma cousa lá mesmo. Sempre tem alguém com alguma bolachinha disponível. Café nunca falta. A mãe reclamou mais uma vez. Você acaba doente, Su. Assim não pode. Assim não. Su, enlouquecida pela pressa, nada ouviu.”

a)   Pensando na norma gramatical, o que há de estranho no trecho?
Não foram usados os sinais de pontuação que, na modalidade escrita da língua indicam a fala de alguém.

b)   Que efeito de sentido você acha que o autor procurou obter?
Resposta pessoal do aluno. Mas a esperada é: ele certamente procurou sugerir a rapidez com que os fatos se sucederam, e a ausência dos sinais de pontuação contribuem para a fluência da narrativa.


Um comentário:

  1. Conto maravilhoso.
    poderia deixar a referência por favor? sengundo a ABNT

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