quarta-feira, 29 de agosto de 2018

SERMÃO DO BOM LADRÃO(FRAGMENTO) - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 SERMÃO DO BOM LADRÃO (fragmento)
          Padre Antônio Vieira


        Suponho que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado, como diz Salomão: "O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno."
        Os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. "Não são ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com força, roubam e despojam os povos."
        Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
        Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: "Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos." Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas.
        Quantas vezes se viu em Roma ir enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província! De um chamado Seronato disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: "Seronato sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer." Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.
                                                                             Pe. Antônio Vieira.


Entendendo o texto:
01 – Leia o trecho a seguir, extraído do Sermão do Bom Ladrão:
        "Não são ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com força, roubam e despojam os povos."
        Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.

                        VIEIRA, Padre Antônio. Sermão do bom ladrão.
              Disponível em: http://www.dominiopublico.

a)   Vieira descreve em seu sermão, dois tipos de ladrão. Quais são eles?
Os ladrões que cortam bolsas, roubam o que está próximo, à mão, e os ladrões que roubam cidades e reinos, ou seja, os governantes corruptos e desonestos.

b)   Para Vieira, qual desses dois tipos de ladrão é o mais nocivo à sociedade? Como o autor justifica sua posição?
O mais nocivo, para Vieira, é o ladrão que rouba as cidades, pois ele, além de prejudicar mais pessoas, não é punido, mas, sim, tem o poder de punir.

c)   O sermão de Vieira foi escrito há mais de 300 anos. Em sua opinião, a temática do sermão continua atual?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim. Na Sociedade Brasileira, é possível encontrar inúmeros exemplos de corrupção, desonestidade na administração pública e impunidade, o que mostra que a temática continua atual.

02 – Como o pregador desculpa os ladrões miseráveis?
        "Não são ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com força, roubam e despojam os povos."

03 – Qual foi o brado de Diógenes ao ver as autoridades levar a força alguns ladrões?
      “Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos.”

04 – Com base na leitura do fragmento acima, leia as assertivas que seguem e marque as corretas:
I – Observa-se o profundo entendimento de Padre Antônio Vieira sobre a problemática brasileira do período – ele ataca e critica aqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente.
II – O fragmento denuncia a desproporcionalidade das punições que são destinadas de maneiras distintas aos dois tipos de ladrões descritos no fragmento.
III – Padre Antônio Vieira usou o púlpito como arauto de suas indignações com os desmandos da vida pública.

05 – Segundo o texto o que diz Salomão?
      Salomão diz: “O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno.”

06 – Assinale a alternativa cuja citação se aproxima tematicamente do “Sermão do bom ladrão” de Antônio Vieira.
(A) “Rouba um prego, e serás enforcado como um malfeitor; rouba um reino, e se possui é o instrumento da liberdade; aquele que se persegue é tornar-te-ás duque.” (Chuang-Tzu, filósofo chinês, 369-286 a.C.)
(B) “Para quem vive segundo os verdadeiros princípios, a grande riqueza seria viver serenamente com pouco: o que é pouco nunca é escasso.” (Lucrécio, poeta latino, 98-55 a.C.)
(C) “O dinheiro que o instrumento da escravidão.” (Rousseau, filósofo francês, 1712-1778)
(D) “Que o ladrão e a ladra tenham a mão cortada; esta será a recompensa pelo que fizeram e a punição da parte de Deus; pois Deus é poderoso e sábio.” (Alcorão, livro sagrado islâmico, século VII)
(E) “Dizem que tudo o que é roubado tem mais valor.” (Tirso de Molina, dramaturgo espanhol, 1584-1648)
        


Nenhum comentário:

Postar um comentário