RELATO DE MEMÓRIA: ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS
ZÉLIA GATTAI
Naqueles tempos, a vida em
São Paulo era tranquila. Poderia ser ainda mais, não fosse a invasão cada vez
maior dos automóveis importados, circulando pelas ruas da cidade; grossos
tubos, situados nas laterais externas dos carros, desprendiam, em violentas
explosões, gases e fumaça escura. Estridentes fonfons de buzinas, assustando os
distraídos, abriam passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em suas
desabaladas carreiras, infringiam as regras de trânsito, muitas vezes chegando
ao abuso de alcançar mais de 20 quilômetros à hora, velocidade permitida
somente nas estradas. Fora esse detalhe, o do trânsito, a cidade crescia
mansamente. Não havia surgido ainda a febre dos edifícios altos; nem mesmo o
“Prédio Martinelli” – arranha-céu pioneiro em São Paulo, se não me engano do
Brasil – fora ainda construído. Não existia rádio, e televisão, nem em sonhos.
Não se curtia som em aparelhos de alta fidelidade. Ouvia-se música em
gramofones de tromba e manivela. Havia tempo para tudo, ninguém se afobava,
ninguém andava depressa. Não se abreviavam com siglas os nomes completos das
pessoas e das coisas em geral. Para que isso? Por que o uso de siglas? Podia-se
dizer e ler tranquilamente tudo, por mais longo que fosse o nome por extenso –
sem criar equívocos – e ainda sobrava tempo para ênfase, se necessário fosse.
Os divertimentos,
existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos como a nossa,
eram poucos. Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram
outros; as mais mínimas coisas, os menores acontecimentos, tomavam corpo,
adquiriam enorme importância. Nossa vida simples era rica, alegre e sadia. A
imaginação voando solta, transformando tudo em festa, nenhuma barreira a
impedir meus sonhos, o riso aberto e franco. Os divertimentos, como já disse,
eram poucos, porém suficientes para encher o nosso mundo.
GATTAI, Zélia. Anarquistas
graças a Deus. Rio de Janeiro: Record, 1986. p. 23.
Leia o texto para responder às questões de 1 a 4:
1.No relato de memória extraído do
livro Anarquista graças a Deus, a autora faz algumas
comparações entre o passado e o presente. Dos trechos transcritos a seguir,
assinale o que não está fazendo uma comparação entre passado e presente:
a) (X) “Poderia ser ainda mais,
não fosse a invasão cada vez maior dos automóveis importados”.
b) ( ) “Não se curtia
som em aparelhos de alta fidelidade. Ouvia-se música em gramofones de tromba e
manivela.”
c) ( ) “Os valores
daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram outros”.
d) ( ) “Havia
tempo para tudo, ninguém se afobava, ninguém andava com pressa.”
2. Para que o leitor
construa uma imagem do passado rememorado pela autora, ela usa termos que
qualificam e caracterizam algumas passagens de suas memórias. Assinale a
alternativa em que os termos destacados não são caracterizadores:
a) ( ) “Nossa vida
simples era rica, alegre e sadia.”
b) ( ) “o riso aberto e franco”.
c) ( ) “abriam
passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em
suas desabaladas carreiras”.
d) (X) “Havia tempo para tudo, ninguém se afobava”.
3. Assinale o trecho
no qual a presença da voz do narrador, interrompendo o relato, expressa um
recurso de interação entre autor e leitor:
a) ( ) “Não havia
surgido a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli”.
b) (X) “Para que isso? Para que o uso de siglas?”
c) ( ) “Os
divertimentos, existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos
como a nossa, eram poucos.”
d) ( ) “Nossa
vida simples era rica, alegre e sadia.”
4. Assinale
a alternativa que expressa as marcas temporais que identificam um passado
distante:
a) ( ) “Havia tempo
para tudo” e “Não havia surgido ainda”;
b) ( ) “ninguém se
afobava” e “sobrava tempo para ênfase”;
c) ( ) “Fora esse
detalhe” e “ainda sobrava tempo para ênfase”;
d) (X) “Naqueles tempos” e “daqueles idos”.
Me ajudou muito obrigada
ResponderExcluirvlw
ResponderExcluirnem precisei pensar na resposta
ResponderExcluirMuito obg ajudou muito ❤️❤️
ResponderExcluirMuito obrigada ajudou bastante mesmo 😊😊😊
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