sexta-feira, 15 de setembro de 2017

RELATO DE MEMÓRIA: ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS - ZÉLIA GATTAI - COM GABARITO

RELATO DE MEMÓRIA: ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS
                                                       ZÉLIA GATTAI

        Naqueles tempos, a vida em São Paulo era tranquila. Poderia ser ainda mais, não fosse a invasão cada vez maior dos automóveis importados, circulando pelas ruas da cidade; grossos tubos, situados nas laterais externas dos carros, desprendiam, em violentas explosões, gases e fumaça escura. Estridentes fonfons de buzinas, assustando os distraídos, abriam passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em suas desabaladas carreiras, infringiam as regras de trânsito, muitas vezes chegando ao abuso de alcançar mais de 20 quilômetros à hora, velocidade permitida somente nas estradas. Fora esse detalhe, o do trânsito, a cidade crescia mansamente. Não havia surgido ainda a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli” – arranha-céu pioneiro em São Paulo, se não me engano do Brasil – fora ainda construído. Não existia rádio, e televisão, nem em sonhos. Não se curtia som em aparelhos de alta fidelidade. Ouvia-se música em gramofones de tromba e manivela. Havia tempo para tudo, ninguém se afobava, ninguém andava depressa. Não se abreviavam com siglas os nomes completos das pessoas e das coisas em geral. Para que isso? Por que o uso de siglas? Podia-se dizer e ler tranquilamente tudo, por mais longo que fosse o nome por extenso – sem criar equívocos – e ainda sobrava tempo para ênfase, se necessário fosse.
        Os divertimentos, existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos como a nossa, eram poucos. Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram outros; as mais mínimas coisas, os menores acontecimentos, tomavam corpo, adquiriam enorme importância. Nossa vida simples era rica, alegre e sadia. A imaginação voando solta, transformando tudo em festa, nenhuma barreira a impedir meus sonhos, o riso aberto e franco. Os divertimentos, como já disse, eram poucos, porém suficientes para encher o nosso mundo.

GATTAI, Zélia. Anarquistas graças a Deus. Rio de Janeiro: Record, 1986. p. 23.

 Leia o texto  para responder às questões de 1 a 4:

1.No relato de memória extraído do livro Anarquista graças a Deus, a autora faz algumas comparações entre o passado e o presente. Dos trechos transcritos a seguir, assinale o que não está fazendo uma comparação entre passado e presente:

a) (X“Poderia ser ainda mais, não fosse a invasão cada vez maior dos automóveis importados”.
b) (  ) “Não se curtia som em aparelhos de alta fidelidade. Ouvia-se música em gramofones de tromba e manivela.”
c) (  ) “Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram outros”.
d) (  )  “Havia tempo para tudo, ninguém se afobava, ninguém andava com pressa.”

2.   Para que o leitor construa uma imagem do passado rememorado pela autora, ela usa termos que qualificam e caracterizam algumas passagens de suas memórias. Assinale a alternativa em que os termos destacados não são caracterizadores:

a) (  ) “Nossa vida simples era ricaalegre e sadia.”
b) (  ) “o riso aberto e franco”.
c) (  ) “abriam passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em suas desabaladas carreiras”.
d) (X) “Havia tempo para tudo, ninguém se afobava”.

3.   Assinale o trecho no qual a presença da voz do narrador, interrompendo o relato, expressa um recurso de interação entre autor e leitor:
a) (  ) “Não havia surgido a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli”.
b) (X) “Para que isso? Para que o uso de siglas?”
c) (  ) “Os divertimentos, existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos como a nossa, eram poucos.”
d) (  ) “Nossa vida simples era rica, alegre e sadia.”

4.   Assinale a alternativa que expressa as marcas temporais que identificam um passado distante:
a) (  ) “Havia tempo para tudo” e “Não havia surgido ainda”;
b) (  ) “ninguém se afobava” e “sobrava tempo para ênfase”;
c) (  ) “Fora esse detalhe” e “ainda sobrava tempo para ênfase”;
d) (X) “Naqueles tempos” e “daqueles idos”.

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