segunda-feira, 25 de setembro de 2017

ARTIGO DE OPINIÃO: O IMPÉRIO DA VAIDADE - PAULO MOREIRA LEITE - COM GABARITO


O IMPÉRIO DA VAIDADE

        Em tempos de ditadura da beleza, o corpo é massacrado pela indústria e pelo comércio, que vivem da nossa insegurança, impotência e angústia.

        Você sabe por que a televisão, a publicidade, o cinema e os jornais defendem os músculos torneados, as vitaminas milagrosas, as modelos longilíneas e as academias de ginástica? Porque tudo isso dá dinheiro. Sabe por que ninguém dala do afeto e do respeito entre duas pessoas comuns, mesmo meio gordas, um pouco feias, que fazem piquenique na praia? Porque isso não dá dinheiro para os negociantes, mas dá prazer aos participantes.
        O prazer é físico, independentemente do físico que se tenha: namorar, tomar milk-shake, sentir o sol na pele, carregar o filho no colo, andar descalço, ficar em casa sem fazer nada. Os melhores prazeres são de graça – a conversa com o amigo, o cheiro do jasmim, a rua vazia de madrugada –, e a humanidade sempre gostou de conviver com eles. Comer uma feijoada com amigos, tomar caipirinha no sábado, também é uma grande pedida. Ter um momento de prazer é compensar muitos momentos de desprazer. Relaxar, descansar, despreocupar-se, desligar-se da competição, da áspera luta pela vida – isso é prazer.
        Mas vivemos num mundo onde relaxar e desligar-se se tornou um problema. O prazer gratuito, espontâneo, está cada vez mais difícil. O que importa, o que vale, é o prazer que se compra e se exibe, o que não deixa de ser aspecto da competição. Estamos submetidos a uma cultura atroz, que quer fazer-nos infelizes, ansiosos, neuróticos. As filhas precisam ser Xuxas, as namoradas precisam ser modelos que desfilam em Paris, os homens não podem assumir sua idade.
        Não vivemos a ditadura do corpo, mas seu contrário: um massacre da indústria e do comércio. Querem que sintamos culpa quando nossa silhueta dica um pouco mais gorda, não porque querem que sejamos mais saudáveis – mas porque, se não ficarmos angustiados, não faremos mais regimes, não compraremos mais produtos dietéticos, nem produtos de beleza, nem roupas e mais roupas. Precisam da nossa impotência, da nossa insegurança, da nossa angústia.
        O único valor coerente que essa cultura apresenta é o narcisismo. Vivemos voltados para dentro, à procura de mundos interiores (ou mesmo vidas anteriores). O esoterismo não acaba nunca – só muda da papa a cada Bienal do Livro –, assim como os cursos de autoconhecimento, auto realização e, especialmente, autopromoção. O narcisismo explica nossa ânsia pela fama e pela posição social. É hipocrisia dizer que entramos numa academia de ginástica porque estamos preocupados com a saúde. Se fosse assim, já teríamos arrumado uma solução para questões mais graves, como a poluição que arrebenta os pulmões, o barulho das grandes cidades, a falta de saneamento.
        Estamos preocupados em marcar a diferença, em afirmar uma hierarquia social, em ser distintos da massa. O cidadão que passa o dia à frente do espelho, medindo o bíceps e comparando o tórax com o do vizinho do lado, é uma pessoa movida por uma necessidade desesperada – precisa ser admirado para conseguir gostar de si próprio. A mulher que fez da luta contra os cabelos brancos e as rugas seu maior projeto de vida tornou-se a vítima preferencial de um massacre perpetrado pela indústria de cosméticos. Como foi demonstrado pela feminista americana Naomi Wolf, o segredo da indústria da boa forma é que as pessoas nunca ficam em boa forma: os métodos de rejuvenescimento não impedem o envelhecimento, 90% das pessoas que fazem regime voltam a engordar, e assim por diante. O que se vende não é um sonho, mas um fracasso, uma angústia, uma derrota.
        Estamos atrás de uma beleza frenética, de um padrão externo, fabricado, que não é neutro nem inocente. Ao longo dos séculos, a beleza sempre esteve associada ao ócio. As mulheres do Renascimento tinham aquelas formas porque isso mostrava que elas não trabalhavam. As belas personagens femininas do romantismo brasileiro sempre tinham a pele branca, alabastrina – qualquer tom mais moreno, como se sabe, já significava escravidão e trabalho. Beleza é luta de classes. Estamos na fase da beleza ostentatória, que faz questão de mostrar o dinheiro, o tempo livre para passar tardes em academias e mostra, afinal, quem nós somos: bonitos, ricos e dignos de ser admirados.
                                  Paulo Moreira Leite. Veja, 23 ago. 1995. p. 79.

1 – Ao ler o título do texto, quais eram suas expectativas?
      Resposta pessoal do aluno. Provavelmente o aluno levantará como hipótese o fato de que somos dominados pela vaidade.

2 – Ao terminar de ler o texto, elas se confirmaram? Por que o autor escolhe esse título? Que outro poderia ser dado ao texto?
      O aluno deverá perceber que, na vaidade, a preocupação exagerada com o corpo não é algo natural, mas criado pela mídia. Outros títulos possíveis: A indústria da beleza; O império dos interesses; O preço do prazer.

3 – O autor praticamente conversa com o leitor. Como ele consegue isso?
      Usa o pronome de tratamento você. Faz perguntas ao leitor, que ele mesmo vai respondendo.

4 – Se os melhores prazeres são de graça, como afirma o autor, qual o motivo de sua preocupação?
      O motivo de sua preocupação é que a mídia nos faz crer que é preciso pagar um preço pelos prazeres.

5 – Em “As filhas precisam ser Xuxas”, pode-se observar um dos exemplos citados pelo autor para ilustrar um aspecto negativo de nossa sociedade. Qual?
      A questão da competição: é preciso sempre ser melhor em alguma coisa, ou mais belo, ou mais atlético.

6 – De que recurso se vale o autor para incluir o leitor entre os que vivem sob a cultura atroz?
      Ele fala dos homens como chefes de família, de suas filas e namoradas.

7 – O autor nos caracteriza como “infelizes, ansiosos, neuróticos”. No parágrafo seguinte, ele amarra suas ideias associando a esses três adjetivos três substantivos. Quais são eles? Explique por que temos cada um desses sentimentos.
      Impotência: nada podemos contra a ação do tempo que age em nossos corpos.
      Insegurança: com a competição acirrada, nunca estamos seguros de nós mesmos.
      Angústia: sentimo-nos aflitos por não saber como reagir ao envelhecimento numa sociedade que só valoriza o jovem.

8 – Qual é a ditadura que nos oprime, afinal?
      A ditadura da indústria e do comércio da beleza, reforçada pela mídia.

9 – Por que o narcisismo é um valor coerente dentro dessa cultura atroz? Qual a relação entre o mito de Narciso e a situação descria pelo autor do texto?
      Cada um busca sua projeção, sua fama, seu sucesso de forma egoísta e individualista. Narciso apaixona-se pela própria imagem, refletida num lago. No texto, Paulo Moreira Leite afirma que, em nossa sociedade, estamos voltados apenas para nós mesmos, para nossa imagem, nossos desejos, querendo fama e posição social.

10 – Em que parágrafo o autor afirma que seria hipocrisia dizer que nossa preocupação com o corpo está relacionada à saúde? Analise o argumento que ele usa para provar isso. Ele foi convincente? Por quê?
      No parágrafo 5. Os argumentos do autor são irrefutáveis: realmente, uma preocupação com a saúde nos levaria à busca de soluções coletivas, como cuidar do meio ambiente ou promover a diminuição da desigualdade social.

11 – Costuma-se dizer que uma das maneiras de aceitarmos o corpo que temos é cuidar do aspecto emocional, uma vez que a auto estima nos ajuda a valorização do que somos e não do que aparentamos ser. Essa afirmação está de acordo ou em desacordo com o que afirma o autor de “O império da vaidade”? Aponte uma passagem do texto que justifique sua resposta.
       Essa afirmação está de acordo com o texto. O autor diz que as pessoas que são obcecadas pelo corpo precisam primeiro da admiração alheia para poder gostar de si mesmas.

12 – Em que se baseia o autor do texto para fazer esta afirmação: “O que se vende não é um sonho, mas um fracasso, uma angústia, uma derrota”.
      Sabe-se, de antemão, que os regimes não funcionam e os cosméticos não impedem o envelhecimento. Na verdade, trava-se uma luta vã.

13 – Segundo o autor, o padrão de beleza que nos impõem não é nem neutro nem inocente. Qual é o padrão imposto para o homem e para a mulher? Cie alguns exemplos. Qual seria o padrão de beleza do brasileiro atualmente? Você seria capaz de descrevê-lo?
      Os homens são jovens, altos, atléticos, de corpo bem torneado e bronzeado. As mulheres são claras, altas, loiras, preferencialmente, e magérrimas. Não temos um padrão de beleza do brasileiro, mas é bom lembrar que os jovens não são muito altos e as mulheres não são magras (têm quadris largos). Além disso, há predominância dos morenos (e mulatos e negros) sobre os loiros.

14 – Releia o último período do texto: o que o autor quis, de verdade, afirmar? Que recurso ele usou?
      O autor afirma que os padrões de beleza são impostos por determinada classe social, e só consegue se enquadrar neles quem tem dinheiro e tempo para adquiri-los e mostra-los. Ao dizer: “Beleza é luta de classes”, o autor emprega uma metáfora.

15 – Releia este período de “O império da vaidade”:
      “Porque isso não dá dinheiro para os negociantes, mas dá prazer aos participantes.” O que você nota? Entre as várias palavras que o autor poderia ter usado para expressar suas ideias, ele escolheu as duas em destaque. Por quê?
      Nota-se a semelhança de sons, que torna o texto mais agradável, mais ritmado.

16 – Que recurso o autor usou no trecho a seguir? (Observe a classe gramatical das palavras)
 “O prazer é físico, independentemente do físico que se tenha.”
      O autor usou a mesma palavra com significado diferentes. Ela aparece como adjetivo, no primeiro momento, significando material, corpóreo, ligado aos sentidos, e como substantivo no segundo, significando aspecto exterior, corpo, compleição. A proximidade das palavras criou uma espécie de trocadilho.

17 – Comente o emprego do adjetivo em destaque neste trecho: “desligar-se da competição, da áspera luta pela vida”.
      O adjetivo áspero está ligado ao tato (o que não é macio ou liso) e o autor o empregou num sentido abstrato: luta áspera significa luta dura.



2 comentários: