Herói na contemporaneidade
Quando eu era criança, passava todo o tempo desenhando super-heróis.
Recorro ao historiador de mitologia Joseph Campbell, que diferenciava as duas
figuras públicas: o herói (figura pública antiga) e a celebridade (a figura
pública moderna). Enquanto a celebridade se populariza por viver para si mesma,
o herói assim se tornava por viver servindo sua comunidade. Todo super-herói
deve atravessar alguma via crucis. Gandhi, líder pacifista indiano, disse que,
quanto maior nosso sacrifício, maior será nossa conquista. Como Hércules, como
Batman.
Toda história em quadrinhos traz em si alguma coisa de industrial e marginal,
ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Os filmes de super-herói, ainda que
transpondo essa cultura para a grande e famigerada indústria, realizam uma
outra façanha, que provavelmente sem eles não ocorreria: a formação de novas
mitologias reafirmando os mesmos ideais heroicos da Antiguidade para o homem
moderno. O cineasta italiano Fellini afirmou uma vez que Stan Lee, o criador da
editora Marvel e de diversos heróis populares, era o Homero dos quadrinhos.
Toda boa história de super-herói é uma história de exclusão social. Homem-Aranha é um nerd, Hulk é um monstro amaldiçoado, Demolidor é um deficiente, os X-Men são indivíduos excepcionais, Batman é um órfão, Super-Homem é um alienígena expatriado. São todos símbolos da solidão, da sobrevivência e da abnegação humana.
Não se ama um herói pelos seus poderes, mas pela sua dor. Nossos olhos podem
até se voltar a eles por suas habilidades fantásticas, mas é na humanidade que
eles crescem dentro do gosto popular. Os super-heróis que não sofrem ou
simplesmente trabalham para o sistema vigente tendem a se tornar meio bobos,
como o Tocha-Humana ou o Capitão América.
Hulk e Homem-Aranha são seres que criticam a inconsequência da ciência, com sua
energia atômica e suas experiências genéticas. Os X-Men nos advertem para a
educação inclusiva. Super-Homem é aquele que mais se aproxima de Jesus Cristo,
e por isso talvez seja o mais popular de todos, em seu sacrifício solitário em
defesa dos seres humanos, mas também tem algo de Aquiles, com seu calcanhar que
é a kriptonita. Humano e super-herói, como Gandhi.
Não houve nenhuma literatura que tenha me marcado mais do que essas histórias
em quadrinhos. Eu raramente as leio hoje em dia, mas quando assisto a bons
filmes de super-heróis eu lembro que todos temos um lado ingênuo e bom, que
pode ser capaz de suportar a dor da solidão por um princípio.
CHUÍ, Fernando. Adaptado de http://fernandochui.blogspot.com
1) (Uerj / 2009–Exame de
Qualificação) A argumentação se estrutura por meio de diferentes mecanismos
discursivos. No quarto parágrafo, o mecanismo empregado consiste na
apresentação de:
(A) opinião apoiada em exemplos
(B) alegação partilhada por muitos
(C) construção caracterizada como
dialética
(D) definição baseada em elementos válidos
No quarto parágrafo, o autor defende sua opinião de que “toda boa
história de super-herói é uma história de exclusão social”. Para isso, usa
exemplos de super-heróis que são excluídos sociais, como Homem-Aranha, Hulk,
Batman e os X-Men.
2) (Uerj / 2009 – Exame
de Qualificação) A utilização de testemunhos autorizados, como o de Fellini, é
uma conhecida estratégia retórica. O uso dessa estratégia produz, no texto, o
efeito de:
(A) oposição entre estilos
diversificados
(B) exemplificação de opiniões variadas
(C) delimitação de um contraponto
temporal
(D) confirmação dos posicionamentos do
autor
O argumento de autoridade, como o enunciado da questão afirma, é uma
conhecida estratégia argumentativa. Ele dá credibilidade à tese defendida, ao
fazer com que o texto se apoie em um testemunho de alguém com autoridade para
emitir opiniões em uma determinada área do conhecimento. Ao trazer para o seu
texto a afirmação de um cineasta sobre um criador de histórias em quadrinhos
(“Stan Lee era o Homero dos quadrinhos”), o autor confirma aquilo
que é também a sua opinião: “Os filmes de super-herói (...) realizam uma outra
façanha (...): a formação de novas mitologias reafirmando os mesmos ideais
heroicos da Antiguidade para o homem moderno”.
Texto para a questão 3
O mundo para todos
Durante debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava
da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que
esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez
que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma
resposta minha.
De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização
da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse
patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da
degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua
internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a
Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser
internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo
inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a
Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no
direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu
preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da
Humanidade.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser
internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos,
ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a
Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias
dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras
sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os
grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada
museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano.
Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural
amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um
país. Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro
de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido
internacionalizado.
Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum
do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer
por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York,
como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan
deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres,
Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua
história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos
de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até
porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma
destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas
florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos
EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo
em troca da dívida.
Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha
possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as,
todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece
cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia.
Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da
Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que
morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização
do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a
Amazônia seja nossa. Só nossa.
BUARQUE, Cristovam. O Globo,
23/10/2000.
3) (Uerj / 2003 – Exame
de Qualificação) Cristovam Buarque, ao revelar os interesses ocultos na defesa
da internacionalização da Amazônia, utiliza um recurso argumentativo conhecido
como “redução ao absurdo”. Esse recurso consiste na aceitação inicial de uma
proposição para dela extrair decorrências absurdas ou inaceitáveis. O trecho
que melhor exemplifica o uso deste recurso, em relação à proposta de
internacionalização, é:
(A) “Não podemos deixar que as reservas
financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.”
(B) “Cada museu do mundo é guardião das
mais belas peças produzidas pelo gênio humano.”
(C) “Não se pode deixar que esse
patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e
destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.”
(D) “Se os EUA querem internacionalizar a
Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos
todos os arsenais nucleares dos EUA.”
Ao longo de seu texto, Cristovam Buarque, utiliza diversas vezes a
redução ao absurdo como estratégia argumentativa, quando afirma que deveriam
internacionalizar, assim como querem fazer com a Amazônia, vários outros
patrimônios, como as reservas de petróleo, o capital financeiro, os grandes
museus do mundo, Nova York, os arsenais nucleares e as crianças pobres do
planeta. Ao fazer isso, ele explica o motivo pelo qual deveríamos
internacionalizar esses itens. Nas três primeiras alternativas o que temos são
essas justificativas, a única que apresenta a redução ao absurdo é a D, em que
primeiro há aceitação inicial de uma proposição (“Se os EUA querem
internacionalizar a Amazônia”) e, depois, a extração de decorrências absurdas
ou inaceitáveis (“internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA”).
Sobre Métodos de Raciocínio
Texto para a questão 4
A pátria
“Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a
tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois
que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis
do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não.
Lembrou-se das suas cousas de tupi, do folclore, das suas tentativas
agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!
O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à
loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela
não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu
patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura
de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar
prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série,
melhor, um encadeamento de decepções.
A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no
silêncio do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a
política que julgava existir, havia. A que existia de fato, era a do Tenente
Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati.
E, bem pensando, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser a Pátria? Não teria
levado toda a sua vida norteado por uma ilusão, por uma ideia a menos, sem
base, sem apoio, por um Deus ou uma Deusa cujo império se esvaía? Não sabia que
essa ideia nascera da amplificação da crendice dos povos greco-romanos de que
os ancestrais mortos continuariam a viver como sombras e era preciso
alimentá-las para que eles não perseguissem os descendentes? Lembrou-se do seu
Fustel de Coulanges... Lembrou-se de que essa noção nada é para os Menenanã,
para tantas pessoas... Pareceu-lhe que essa ideia como que fora explorada pelos
conquistadores por instantes sabedores das nossas subserviências psicológicas,
no intuito de servir às suas próprias ambições...
Reviu a história; viu as mutilações, os acréscimos em todos os países
históricos e perguntou de si para si: como um homem que vivesse quatro séculos,
sendo francês, inglês, italiano, alemão, podia sentir a Pátria?
Uma hora, para o francês, o Franco-Condado era terra dos seus avós, outra não
era; num dado momento, a Alsácia não era, depois era e afinal não vinha a ser.
Nós mesmos não tivemos a Cisplatina e não a perdemos; e, porventura, sentimos
que haja lá manes dos nossos avós e por isso sofremos qualquer mágoa?
Certamente era uma noção sem consistência racional e precisava ser revista.”
BARRETO, Lima. Triste fim
de Policarpo Quaresma. São Paulo: Brasiliense, 1986.
4) (Uerj / 2001 – Exame
de Qualificação) O personagem Policarpo Quaresma, no trecho acima, se encontra
preso, prestes a ser executado pelo exército de Floriano Peixoto, por ter
escrito uma carta ao presidente protestando contra o assassinato de
prisioneiros. Antes de ser executado, ele reflete sobre a noção de pátria. Nos
dois primeiros parágrafos, ele parte de suas próprias experiências, o que
configura o seguinte método de raciocínio:
(A) indutivo, pensando do particular para
o geral
(B) dedutivo, pensando do abstrato para
o concreto
(C) dialético, pensando a partir das
suas contradições
(D) sofismático, pensando do geral para
o particular
No momento de reflexão sobre a pátria, o personagem começa pelas suas
experiências particulares (“Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe
absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades (...) Lembrou-se das
suas cousas de Tupi, de Folclore, das suas tentativas agrícolas...”) e, em
seguida, chega a uma ideia geral sobre o Brasil (“E, quando o seu patriotismo
se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa
gente? (...) A pátria que quisera ter era um mito...”) Usa, portanto, o método
indutivo, caracterizado pela passagem do particular para o geral.
Texto para a questão 5
O problema não é a escassez de recursos
Assessor da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Libânio diz que
o levantamento sobre as condições de vida no Rio demonstra que a relação da
instituição com o Brasil se dará cada vez mais no campo da informação e menos
no de recursos financeiros.
O
GLOBO: Por que o Rio foi escolhido para ter o primeiro Relatório de
Desenvolvimento Humano de uma cidade?
JOSÉ CARLOS LIBÂNIO: Primeiro, pela oferta de recursos intelectuais, que
permitiu não só a criação de novos indicadores, como também desagregá-los. O
Brasil foi o primeiro país a ter um índice para todas as cidades. Com a
experiência, resolvemos enfrentar o desafio de fazer o mesmo em nível local. O
Rio foi escolhido porque se destaca no imaginário nacional e mundial. Era
preciso identificar suas peculiaridades e talentos para planejar o seu futuro.
Em
que situação de desenvolvimento humano o Rio se encontra?
LIBÂNIO: Olhamos para a vida carioca por diversos prismas e aparece uma cidade
inusitada. Está entre as quatro capitais com melhores condições de vida. Mas,
se comparada a outras capitais, sofre uma intensa desproporção de renda. Em
termos de desigualdades, está em 11º. Fica claro que a dificuldade da cidade é
a repartição dos recursos. A Zona Sul, por exemplo, tem renda per capita cinco
vezes maior do que a Zona Norte.
Os
problemas do Rio atingem a todos da mesma maneira?
LIBÂNIO: A vantagem do relatório é justamente olhar a informação desagregada,
fechando o zoom do microscópio, para identificar onde a cidade está bem e onde
não está. Médias, normalmente, mais escondem do que revelam. Não podemos supor,
por exemplo, que todas as áreas pobres da cidade têm as mesmas condições de
saneamento e acesso à água.
Como
a ONU espera que o relatório seja aproveitado?
LIBÂNIO: O Brasil está se graduando junto à ONU e ao Banco Mundial. Isso
significa que virão menos recursos a fundo perdido destes dois organismos. Vai
ser preciso que haja mobilização da sociedade, porque vemos que o problema não
é a escassez de recursos. A tendência é de que a ONU mande mais recursos para
África e Ásia. Para o Brasil, os recursos serão mandados em ordem decrescente.
O país poderá continuar contando com a ONU, mas a colaboração para o
desenvolvimento se dará cada vez mais no campo da informação e menos da
mobilização dos recursos financeiros.
LIBÂNIO, José Carlos. O Globo, 24/03/2001.
5) (Uerj/Uenf / Sade /
2003 - Exame de Qualificação) Médias, normalmente, mais escondem do que
revelam. Não podemos supor, por exemplo, que todas as áreas pobres da
cidade têm as mesmas condições de saneamento e acesso à água.
O trecho transcrito acima critica um
uso específico do seguinte método de raciocínio:
(A) dedutivo
(B) dialético
(C) indutivo
(D) silogístico
O cálculo de médias está associado ao raciocínio indutivo porque parte
de diversos casos particulares para se chegar a um número geral, que valerá
para toda uma realidade. Por exemplo: imagine que, no boletim escolar, João
tirou 10 em português, 8 em história, 8 em estudos sociais, 2 em matemática e 2
em ciências; sua média geral será 6. Já Maria tirou 6 em todas as matérias, de
modo que sua média geral será também 6. Esse método em que as notas
particulares de cada disciplina geram uma média geral que englobará todas as
disciplinas “mais esconde do que revela” porque, pela média, parece que Maria e
João são o mesmo tipo de aluno, já que têm a mesmíssima média. Contudo, ao ver
as notas particulares, constatamos que João é muito bom em humanas e muito ruim
em exatas, ao passo que Maria não é excelente em nada, mas também não é péssima
em nada. A média, portanto, escondeu a grande diferença entre os desempenhos
dos dois alunos.
Sobre Coesão Referencial
Texto para a questão 6
A inteligência do herói estava muito perturbada. Acordou com os berros da
bicharia lá em baixo nas ruas, disparando entre as malocas temíveis. E aquele
diacho de sagüi-açu (...) não era sagüim não, chamava elevador e era uma
máquina. De-manhãzinha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas
sopros roncos esturros não eram nada disso não, eram mas cláxons campainhas
apitos buzinas e tudo era máquina. As onças pardas não eram onças pardas, se
chamavam fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram máquinas. Os
tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo, em vez eram caminhões
bondes autobondes anúncios-luminosos relógios faróis rádios motocicletas
telefones gorjetas postes chaminés... Eram máquinas e tudo na cidade era só
máquina! O herói aprendendo calado. De vez em quando estremecia. Voltava a
ficar imóvel escutando assuntando maquinando numa cisma assombrada. Tomou-o um
respeito cheio de inveja por essa deusa de deveras forçuda, Tupã famanado que
os filhos da mandioca chamavam de Máquina, mais cantadeira que a Mãe-d’água, em
bulhas de sarapantar.
Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser também imperador dos filhos da
mandioca. Mas as três cunhãs deram muitas risadas e falaram que isso de deuses
era gorda mentira antiga, que não tinha deus não e que com a máquina ninguém
não brinca porque ela mata. A máquina não era deus não, nem possuía os
distintivos femininos de que o herói gostava tanto. Era feita pelos homens. Se
mexia com eletricidade com fogo com água com vento com fumo, os homens
aproveitando as forças da natureza. Porém jacaré acreditou? nem o herói!
(...)
Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando nas
brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina. A Máquina era que
matava os homens porém os homens é que mandavam na Máquina... Constatou pasmo
que os filhos da mandioca eram donos sem mistério e sem força da máquina sem
mistério sem querer sem fastio, incapaz de explicar as infelicidades por si.
Estava nostálgico assim. Até que uma noite, suspenso no terraço dum arranha céu
com os manos, Macunaíma concluiu:
– Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta.
Há empate.
(...)
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói
sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986.
6) (Uerj/2009 – Exame de
Qualificação) Alguns vocábulos possuem a propriedade de retomar integralmente
uma idéia já apresentada antes. Essa propriedade é observada no vocábulo
grifado em:
(A) “Acordou com os berros da
bicharia lá em baixo”
(B) “Tomou-o um respeito
cheio de inveja”
(C) “Então resolveu ir
brincar com a Máquina”
(D) “Estava nostálgico assim.”
A nostalgia que toma conta de Macunaíma é expressa na constatação que o
herói faz acerca do tipo de relação existente entre a máquina e os homens. O
vocábulo "assim" faz referência a essa forma de expressar o estado
nostálgico. (Fonte: Revista Eletrônica do Vestibular).
Texto para a questão 7
As palavras e as coisas
Guimarães Rosa, possivelmente o maior escritor brasileiro depois de Machado de
Assis, dizia que seu sonho era escrever um dicionário.
Ignoro se Rosa gostava de futebol (até onde eu sei, nunca escreveu nada a
respeito), mas certamente ele se encantaria com a riqueza vocabular associada
ao esporte mais popular do mundo.
Poliglota, cultor dos neologismos formados a partir de diversos idiomas, o
autor de “Sagarana” devia se deliciar com as palavras de origem inglesa
aclimatadas ao português do Brasil por obra e graça do jogo da bola.
É certo que alguns desses termos ingleses caíram em de suso. É o caso de
“off-side” (substituído por “impedimento”), “hands” (“toque” ou “mão”),
“centerforward” (“centroavante”) etc.
Outros, entretanto, foram devidamente abrasileirados e incorporados de tal
maneira ao nosso idioma que raramente lembramos de sua origem: “chute” (versão
de “shoot”), “beque” (de “back”), “pênalti” (de “penalty”) etc., sem falar no
próprio “futebol” (“football”).
Há ainda as palavras inglesas que mantiveram uma vigência praticamente apenas
regional, como “córner”, ainda muito usada no Rio de Janeiro, mas substituída
no resto do país por “escanteio”, “tiro de canto” ou somente “canto”.
Rosa, se acompanhasse o futebol, se deliciaria com a variedade de metáforas
produzidas para dar conta do que acontece dentro das quatro linhas.
Há, por exemplo, o recurso a uma infinidade de objetos cujo formato ou
movimento lembra o de certas jogadas: carrinho, chapéu, bicicleta, janelinha
(expressão gaúcha para bola entre as pernas), ponte. Mas o ramo mais bonito, do
ponto de vista de um escritor, deve ser o das metáforas extraídas da natureza:
meia-lua, frango, peixinho, folha seca.
Ao criar uma jogada dessas – como Didi, que “inventou” a folha seca -, ou
executá-la com perfeição, um craque faz poesia pura, rivalizando com Deus e
nomeando as coisas como se estivesse no primeiro dia da Criação.
Guimarães Rosa, infelizmente, não produziu seu sonhado dicionário.
Nunca saberemos, portanto, se o homem que criou a saga fantástica de Riobaldo e
Diadorim sabia o significado, dentro do campo de futebol, de uma chaleira, um lençol,
um chaveirinho ou um corta-luz. (...)
COUTO, José Geraldo, Folha de São
Paulo, 17/07/02.
7) (Cederj/2007 –
Questões objetivas) Um dos recursos de coesão textual é o uso de vocábulos
sinônimos ou quase sinônimos, a fim de evitar a repetição literal de um termo.
No texto, ao utilizar essa estratégia, o autor substituiu a palavra “futebol”
por:
(A) esporte;
(B) jogo da bola;
(C) quatro linhas;
(D) campo de futebol;
(E) jogada.
Como todo o texto trata do assunto “futebol”, o autor substitui esta
palavra por outras para evitar repetição. Ele faz isso no segundo parágrafo com
a expressão “esporte mais popular do mundo” e no terceiro parágrafo com a
expressão “jogo da bola”.
Texto para a questão 8
Qual será o futuro das cidades?
As megacidades vão mudar de endereço no próximo milênio.
Na
periferia da globalização, as metrópoles subdesenvolvidas concentrarão não
apenas população, mas também miséria. Crescendo num ritmo veloz, dificilmente
conseguirão dar a tantas pessoas habitação, transportes e saneamento básico
adequados. Mas não serão as únicas a enfrentar esses problemas. Mesmo
metrópoles do topo da hierarquia global, como Nova York, já sofrem com
congestionamentos, poluição e violência.
Independentemente de tamanho ou localização, as cidades vão enfrentar ao menos
um desafio comum: o aumento da tensão urbana provocado pela crescente
desigualdade entre seus moradores. Não há mágica tecnológica à vista capaz de
resolver as dificuldades. Os urbanistas apontam o planejamento como antídoto
para o caos. Os governos precisam apostar em parcerias com a iniciativa privada
e a sociedade civil. Será necessário coordenar ações locais e iniciativas
conjuntas entre cidades de uma mesma região.
Caderno Especial, Folha de São Paulo,
p.1, 02/5/1999
8) (UFF/2000 – 2ª Etapa)
A coesão referencial pode ser realizada por meio de formas cujo lexema
(radical) forneça instrução de sentido que represente uma interpretação de
partes antecedentes do texto.
Exemplo: Imagina-se que, no futuro,
haverá aumento das tensões urbanas. Essa hipótese tem
preocupado os cientistas sociais.
Transcreva, do texto acima, apenas a
expressão que, na coesão referencial, exerce papel semelhante à do trecho
sublinhado no exemplo acima.
“...esses problemas...”
Depois de tratar de alguns
problemas enfrentados pelas metrópoles subdesenvolvidas, como a falta de
habitação, transporte e saneamento básico, o autor afirma que “esses problemas”
também serão enfrentados por grandes metrópoles, como Nova York. A expressão
“esses problemas” cumpre a mesma função da expressão “essa hipótese”, ao
retomar um elemento já citado antes.
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