quinta-feira, 10 de março de 2022

CRÔNICA: FUTEBOL DE MENINO - ARMANDO NOGUEIRA - COM GABARITO

 Crônica: Futebol de menino

               Armando Nogueira

        Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto.

        E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: “Eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe”. Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.

        Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro joga sem camisa.

        Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.

        Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quica no meio-fio, para de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho.

        Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: “Copa Rio-Oficial”, “FIFA – Especial”. Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!), jamais seria barrada em recepção do Itamaraty.

        No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.

        Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.

        Nova saída.

        Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.

        O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.

        Em cada gomo o coração de uma criança.

Bola na rede. Rio de Janeiro, José Olympio, s.d.

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 221-223.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Pelada: jogo de bola entre crianças ou amadores.

·        Gandula: apanhador de bola (quando ela sai do campo).

·        Afeto: carinho, sentimento amoroso.

·        De estalo: de repente.

·        Vaquinha: coleta de dinheiro.

·        Condecorações: medalhas oferecidas como recompensa.

·        Confundir: trocar a identidade, misturar.

·        Hexagonais: de seis ângulos.

·        Quicar: pular.

·        Zarolha: estonteada.

02 – Encontre no texto palavras relacionadas com o futebol.

      Pelada, bola, jogo na linha, no gol, jogo, se escalando, time, camisa, Maracanã, título, Gérson, pés, gandula, quica, FIFA, racha, gomo, bico, sem-pulo, craque, empatou, saída, campo, traves.

03 – Dê palavras cognatas, que pertençam à mesma família destas:

a)   Velho: velhice, envelhecer, velhote.

b)   Universo: universal, universalmente, universalidade.

c)   Confundir: confusão, confundido, confuso.

d)   Tempo: temporal, temperatura, tempestade.

e)   Bola: bolada, boleiro, bolaço.

04 – Existem muitas expressões com a palavra bola. Vamos ver se você conhece o significado de todas que mencionamos:

a)   Dar bola: dar confiança, dar atenção.

b)   Estar com a bola cheia: sentir-se prestigiado.

c)   Pisar na bola: cometer um engano, “dar um mancada”.

d)   Trocar as bolas: enganar-se.

e)   Ruim de bola: amalucado.

05 – O texto apresenta acontecimentos em dois momentos. Quais são eles?

      O primeiro momento é a pracinha sem a pelada. No segundo momento narra-se o jogo dos meninos no mesmo lugar.

06 – Qual a posição do narrador em relação ao acontecimento principal do texto?

      O narrador não participa do jogo. Ele apenas assiste ao acontecimento.

07 – Qual é o conflito presente no texto?

      É o conflito entre o “espantalho-gente” e os meninos jogadores de futebol.

08 – No conflito apresentado pelo texto, a quem se dirige a simpatia do narrador? Justifique sua resposta.

      A simpatia do narrador fica com os meninos do futebol. Basta observar a linguagem emotiva com que faz a narração e a atenção que dá ao jogo.

09 – Como a bola aparece no texto?

      A bola aparece como uma coisa viva, um bichinho. Ela tem qualidades humanas e até sangra.

10 – Resuma o texto.

      O narrador fala de uma pracinha onde, na véspera, acontecera uma pelada sensacional, mas que agora está vazia e sem graça. Um velho acabara com o jogo ao furar a bola com um canivete, deixando as crianças desoladas.

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