Notícia: Como nos tornamos viciados em repassar notícias sem ler
Emiliano Urbim e Jan Niklas
Ânsia por recompensa, falta de atenção e outros maus hábitos contemporâneos fazem qualquer informação ser compartilhada sem critério
Rio – A notícia cai no seu colo, e é
tão espantosa, atraente ou revoltante que não dá para ficar indiferente. Se a
história chega por alguém “confiável”, aí não tem jeito mesmo. Curtir e
compartilhar, é só começar. Tente imaginar, porém, que aquilo pode ser mentira.
Fake news, fofoca, futrica, manipulação, equívoco. No trânsito livre da
internet, ninguém mais duvida do perigo que isso representa. A mentira — é
preciso reconhecer — agora tem perna longa. E você pode ser um dos responsáveis
por aumentar ou reduzir o alcance dela.
Ano passado, numa pequena cidade
mexicana, histórias sobre crianças sequestradas começaram a se espalhar
rapidamente por WhatsApp. Quem lia passava adiante. Indignada, uma multidão
saiu em busca dos culpados. Dois homens inocentes acabaram queimados vivos. A
informação era fácil de checar — não havia queixas formais contra eles nem
registros de crianças sequestradas. Ainda assim, os linchadores não se deram ao
trabalho de buscar a verdade.
O exemplo acima é extremo, claro. Nem
toda mentira que se ajuda a espalhar com um simples clique vai resultar na
morte de alguém. Algumas podem “apenas” revelar intimidades que os envolvidos
queriam preservar. Ou queimar o filme de empresas e pessoas, acusando-as de
erros que elas não cometeram e intenções que não tiveram.
[...]
De
onde vem isso, afinal?
Graças a um coquetel de maus hábitos,
que vão de falta de foco a carência crônica, passar conteúdo adiante sem
critérios tornou-se comum. Tão comum que virou objeto de estudo de comunicação,
psicologia e neurociência.
Para o coordenador do Grupo de Pesquisa
em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, Arthur Ituassu, a polarização
dos tempos atuais intensifica essa afobação. Para o pesquisador, um tipo de
compartilhamento bastante comum hoje em dia é o que ele chama de
“compartilhamento político”.
Para Ituassu, no plano da ação (e não
da discussão) política, não importa o quanto a informação é falsa ou
verdadeira, mas sim o quanto ela reforça “minha” posição. É um comportamento
que, nos anos 1960, pesquisadores americanos batizaram de “confirmation bias”,
o chamado “viés de confirmação”.
“Para compartilhar, preciso que a
informação esteja em concordância com minha posição política. Canso de avisar
pessoas que estão compartilhando algo que não é verdadeiro, mas isso não faz
diferença. Elas continuam compartilhando informações falsas.”, diz Arthur
Ituassu, professor da PUC-Rio.
Segundo o pesquisador, quanto mais
aguerridos somos em uma posição política, maior a chance de compartilharmos
notícias falsas. Dessa forma, torna-se cada vez mais importante pensar em
medidas de educação em mídias digitais:
— Isso aumenta a possibilidade de se
conter a disseminação de notícias falsas, mas também de termos cidadãos
melhores.
Outra explicação para a ânsia de
compartilhar está na própria dinâmica do universo digital. Segundo o
psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP, Christian
Dunker, nas redes há um valor pressuposto de participação. Estar on-line é uma
experiência em que qualquer gesto, seja curtir, opinar ou encaminhar, adquire
uma dimensão valorativa.
— Há uma gratificação narcísica, quando
recebemos de volta uma confirmação da identidade que almejamos reproduzir, em
gosto musical, culinário, político, ético. As redes aumentam nosso “eu”.
Isso leva a outro fator decisivo para
entender nosso comportamento nas redes: desde Freud, analisa-se a psicologia
das massas. A diferença é que agora se analisa uma massa digital.
Ao compartilhar, tornamo-nos mais
impulsivos porque o conteúdo perde a importância. Não interessa produzir uma
reflexão, mas aumentar a coesão do “nós” — uma certa identidade coletiva da
qual fazemos parte.
— Isso gera uma degradação da
comunicação, favorável à veiculação de preconceitos. Vou sempre procurar
confirmar o que sinto e penso — diz Dunker, citando o tal viés de confirmação.
— O que nunca diria solitariamente, mas no estado de massa digital me autorizo.
Fico valente.
[...]
Ano passado, uma pesquisa da BBC
chamada “Beyond fake news” apontou traços por trás do ato de encaminhar
notícias. Segundo o estudo, muita gente superestima sua capacidade de filtrar
papo furado. Ler é difícil, repassar é fácil: além do incentivo para ser o
primeiro a enviar (qualquer) informação, se a notícia for tocante, a emoção
supera a razão e lá vem mensagem.
No Departamento de Cérebro e Ciências
Cognitivas do Massachusetts, Institute of Technology (MIT), Earl Miller também
estuda o popular “dedo nervoso” — e culpa as redes sociais. Segundo o
neurocientista, elas nos deixam viciados em recompensas, reduzem nossa
capacidade de atenção e ativam nosso instinto de manada — o efeito “Maria vai
com as outras”.
— Some tudo isso e você tem 2,5 bilhões
de encaminhadores crônicos em potencial — resume Miller.
Atualizando a antiga placa de trânsito,
fica a dica: na dúvida, não repasse.
URBIM, Emiliano;
NIKLAS, Jan. Como nos tornamos viciados em repassar notícias sem ler. O Globo, 6 abr. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/como-nos-tornamos-viciados-em-repassar-noticias-sem-ler-23578257.
Acesso em: 3 nov. 2019.
Fonte: Da escola para
o mundo – Projetos Integradores – volume único – Ensino médio – 1ª Edição, São
Paulo, 2020, editora Ática. p. 86-8.
Entendendo a notícia:
01 – Por que, segundo o
texto, a tentação de compartilhar seria tão grande que não conseguiria ser
detida mesmo em meio a desconfianças a respeito da veracidade do fato?
Como as notícias chegam rapidamente,
muitas vezes vindas de conhecidos, pessoas em que se confia, e o fato noticiado
se revela espantoso, atraente ou revoltante, o leitor não consegue ficr
indiferente e acaba cedendo à tentação e à facilidade de compartilhá-lo
rapidamente, sem checar sua veracidade.
02 – Por que, segundo o
texto, a mentira agora teria “perna longa”?
Há um ditado que diz que “mentira tem
perna curta”, pois poderia ser desmascarada antes de alcançar um grande número
de pessoas. Hoje, entretanto, com a velocidade de circulação de informação nas
mídias digitais, mesmo que a mentira possa ser desmascarada com facilidade, ela
ainda assim tende a alcançar um público enorme em razão da ânsia pelo compartilhamento
imediato; portanto, teria “perna longa”.
03 – Em que consistiria o
“compartilhamento político”, segundo o pesquisador Arthur Ituassu? Converse com
os colegas: Vocês já fizeram esse tipo de compartilhamento? Já pensaram nas
consequências que ele pode ter?
No
compartilhamento político, não importaria quanto a informação é falsa ou
verdadeira, mas sim quanto ela reforça a posição política assumida por quem a
compartilha. É fundamental que os estudantes reconheçam e repensem suas
próprias praticas ao longo deste projeto, que prevê a educação midiática e
navegação pela rede de modo cidadão e responsável.
04 – Converse com os
colegas: A quem interessa o compartilhamento de notícias falsas? Registre no
caderno algumas das ideias que surgirem.
O
esperado é que os estudantes indiquem que grupos políticos, pessoas
interessadas em difamar inimigos, pessoas que possam lucrar com a
desinformação, por exemplo, são alguns dos grupos interessados na divulgação
das chamadas fake News.
05 – Por que medidas
educativas seriam necessárias para refrear o compartilhamento de notícias
falsas? Converse com um colega.
Com
posicionamentos cada vez mais aguerridos e polarizados, torna-se necessário
educar para estimular a reflexão crítica sobre posturas pessoais e a
consequente transformação de atitudes, o que pode contribuir para a formação de
cidadãos mais responsáveis e de uma sociedade com menos desinformação.
06 – Você consegue algumas
atitudes que pode ter para combater as chamadas fake News? Leia um pouco sobre
elas na sequência e, depois, escolha um dessas ações para pesquisar.
Incentive os estudantes a discutir o tema
e se aprofundar nele. Medidas educativas como essas fazem toda a diferença para
instrumentalizar os estudantes no uso responsável das redes. Chame a atenção
deles tanto para o perigo das fake News, como apontado no texto apresentado,
quanto para o risco de serem manipulados por sites de buscas e redes sociais.
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