sexta-feira, 25 de março de 2022

NOTÍCIA: COMO NOS TORNAMOS VICIADOS EM REPASSAR NOTÍCIAS SEM LER - EMILIANO URBIM E JAN NIKLAS - O GLOBO - COM GABARITO

 Notícia: Como nos tornamos viciados em repassar notícias sem ler

Emiliano Urbim e Jan Niklas

 Ânsia por recompensa, falta de atenção e outros maus hábitos contemporâneos fazem qualquer informação ser compartilhada sem critério

        Rio – A notícia cai no seu colo, e é tão espantosa, atraente ou revoltante que não dá para ficar indiferente. Se a história chega por alguém “confiável”, aí não tem jeito mesmo. Curtir e compartilhar, é só começar. Tente imaginar, porém, que aquilo pode ser mentira. Fake news, fofoca, futrica, manipulação, equívoco. No trânsito livre da internet, ninguém mais duvida do perigo que isso representa. A mentira — é preciso reconhecer — agora tem perna longa. E você pode ser um dos responsáveis por aumentar ou reduzir o alcance dela.

        Ano passado, numa pequena cidade mexicana, histórias sobre crianças sequestradas começaram a se espalhar rapidamente por WhatsApp. Quem lia passava adiante. Indignada, uma multidão saiu em busca dos culpados. Dois homens inocentes acabaram queimados vivos. A informação era fácil de checar — não havia queixas formais contra eles nem registros de crianças sequestradas. Ainda assim, os linchadores não se deram ao trabalho de buscar a verdade.

        O exemplo acima é extremo, claro. Nem toda mentira que se ajuda a espalhar com um simples clique vai resultar na morte de alguém. Algumas podem “apenas” revelar intimidades que os envolvidos queriam preservar. Ou queimar o filme de empresas e pessoas, acusando-as de erros que elas não cometeram e intenções que não tiveram.

        [...]

        De onde vem isso, afinal?

        Graças a um coquetel de maus hábitos, que vão de falta de foco a carência crônica, passar conteúdo adiante sem critérios tornou-se comum. Tão comum que virou objeto de estudo de comunicação, psicologia e neurociência.

        Para o coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, Arthur Ituassu, a polarização dos tempos atuais intensifica essa afobação. Para o pesquisador, um tipo de compartilhamento bastante comum hoje em dia é o que ele chama de “compartilhamento político”.

        Para Ituassu, no plano da ação (e não da discussão) política, não importa o quanto a informação é falsa ou verdadeira, mas sim o quanto ela reforça “minha” posição. É um comportamento que, nos anos 1960, pesquisadores americanos batizaram de “confirmation bias”, o chamado “viés de confirmação”.

        “Para compartilhar, preciso que a informação esteja em concordância com minha posição política. Canso de avisar pessoas que estão compartilhando algo que não é verdadeiro, mas isso não faz diferença. Elas continuam compartilhando informações falsas.”, diz Arthur Ituassu, professor da PUC-Rio.

        Segundo o pesquisador, quanto mais aguerridos somos em uma posição política, maior a chance de compartilharmos notícias falsas. Dessa forma, torna-se cada vez mais importante pensar em medidas de educação em mídias digitais:

        — Isso aumenta a possibilidade de se conter a disseminação de notícias falsas, mas também de termos cidadãos melhores.

        Outra explicação para a ânsia de compartilhar está na própria dinâmica do universo digital. Segundo o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, nas redes há um valor pressuposto de participação. Estar on-line é uma experiência em que qualquer gesto, seja curtir, opinar ou encaminhar, adquire uma dimensão valorativa.

        — Há uma gratificação narcísica, quando recebemos de volta uma confirmação da identidade que almejamos reproduzir, em gosto musical, culinário, político, ético. As redes aumentam nosso “eu”.

        Isso leva a outro fator decisivo para entender nosso comportamento nas redes: desde Freud, analisa-se a psicologia das massas. A diferença é que agora se analisa uma massa digital.

        Ao compartilhar, tornamo-nos mais impulsivos porque o conteúdo perde a importância. Não interessa produzir uma reflexão, mas aumentar a coesão do “nós” — uma certa identidade coletiva da qual fazemos parte.

        — Isso gera uma degradação da comunicação, favorável à veiculação de preconceitos. Vou sempre procurar confirmar o que sinto e penso — diz Dunker, citando o tal viés de confirmação. — O que nunca diria solitariamente, mas no estado de massa digital me autorizo. Fico valente.

        [...]

        Ano passado, uma pesquisa da BBC chamada “Beyond fake news” apontou traços por trás do ato de encaminhar notícias. Segundo o estudo, muita gente superestima sua capacidade de filtrar papo furado. Ler é difícil, repassar é fácil: além do incentivo para ser o primeiro a enviar (qualquer) informação, se a notícia for tocante, a emoção supera a razão e lá vem mensagem.

        No Departamento de Cérebro e Ciências Cognitivas do Massachusetts, Institute of Technology (MIT), Earl Miller também estuda o popular “dedo nervoso” — e culpa as redes sociais. Segundo o neurocientista, elas nos deixam viciados em recompensas, reduzem nossa capacidade de atenção e ativam nosso instinto de manada — o efeito “Maria vai com as outras”.

        — Some tudo isso e você tem 2,5 bilhões de encaminhadores crônicos em potencial — resume Miller.

        Atualizando a antiga placa de trânsito, fica a dica: na dúvida, não repasse.

URBIM, Emiliano; NIKLAS, Jan. Como nos tornamos viciados em repassar notícias sem ler.  O Globo, 6 abr. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/como-nos-tornamos-viciados-em-repassar-noticias-sem-ler-23578257. Acesso em: 3 nov. 2019.

Fonte: Da escola para o mundo – Projetos Integradores – volume único – Ensino médio – 1ª Edição, São Paulo, 2020, editora Ática. p. 86-8.

Entendendo a notícia:

01 – Por que, segundo o texto, a tentação de compartilhar seria tão grande que não conseguiria ser detida mesmo em meio a desconfianças a respeito da veracidade do fato?

      Como as notícias chegam rapidamente, muitas vezes vindas de conhecidos, pessoas em que se confia, e o fato noticiado se revela espantoso, atraente ou revoltante, o leitor não consegue ficr indiferente e acaba cedendo à tentação e à facilidade de compartilhá-lo rapidamente, sem checar sua veracidade.

02 – Por que, segundo o texto, a mentira agora teria “perna longa”?

      Há um ditado que diz que “mentira tem perna curta”, pois poderia ser desmascarada antes de alcançar um grande número de pessoas. Hoje, entretanto, com a velocidade de circulação de informação nas mídias digitais, mesmo que a mentira possa ser desmascarada com facilidade, ela ainda assim tende a alcançar um público enorme em razão da ânsia pelo compartilhamento imediato; portanto, teria “perna longa”.     

03 – Em que consistiria o “compartilhamento político”, segundo o pesquisador Arthur Ituassu? Converse com os colegas: Vocês já fizeram esse tipo de compartilhamento? Já pensaram nas consequências que ele pode ter?

      No compartilhamento político, não importaria quanto a informação é falsa ou verdadeira, mas sim quanto ela reforça a posição política assumida por quem a compartilha. É fundamental que os estudantes reconheçam e repensem suas próprias praticas ao longo deste projeto, que prevê a educação midiática e navegação pela rede de modo cidadão e responsável.

04 – Converse com os colegas: A quem interessa o compartilhamento de notícias falsas? Registre no caderno algumas das ideias que surgirem.

      O esperado é que os estudantes indiquem que grupos políticos, pessoas interessadas em difamar inimigos, pessoas que possam lucrar com a desinformação, por exemplo, são alguns dos grupos interessados na divulgação das chamadas fake News.

05 – Por que medidas educativas seriam necessárias para refrear o compartilhamento de notícias falsas? Converse com um colega.

      Com posicionamentos cada vez mais aguerridos e polarizados, torna-se necessário educar para estimular a reflexão crítica sobre posturas pessoais e a consequente transformação de atitudes, o que pode contribuir para a formação de cidadãos mais responsáveis e de uma sociedade com menos desinformação.

06 – Você consegue algumas atitudes que pode ter para combater as chamadas fake News? Leia um pouco sobre elas na sequência e, depois, escolha um dessas ações para pesquisar. 

      Incentive os estudantes a discutir o tema e se aprofundar nele. Medidas educativas como essas fazem toda a diferença para instrumentalizar os estudantes no uso responsável das redes. Chame a atenção deles tanto para o perigo das fake News, como apontado no texto apresentado, quanto para o risco de serem manipulados por sites de buscas e redes sociais.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário