História: O navegador solitário
Família Schurmann
Estávamos atracados na marina de Rodney
Bay, Santa Lúcia. O ano era 1987. Chovia muito, ainda assim ouvirmos barulho de
velas: era um pequeno barco chegando. David e Wilhelm ajudaram o recém-chegado
nas manobras. Uma vez atracado, o navegador solitário perguntou se viviam a
bordo. Com a resposta positiva, perguntou se não podiam dar uma olhada no seu
barco, enquanto ia em terra providenciar os documentos. Curiosos, os meninos
perguntaram de onde vinha.
-- Das Falklands – respondeu. – Vocês
sabem onde fica?
-- Sim, nós somos do Brasil –
explicaram as crianças.
--
Ah, sim? Já estive lá. Comi feijoada com farinha e até ganhei uma figa!
Wilhelm deixou David conversando com o
homem e veio nos contar do navegador que mal chegara das Falklands e já ia
partir para Nova York. Esperamos que terminasse o trâmite dos seus papéis e o
convidamos para um café. A conversa tornou-se longa e agradável, quando nos
contou sua história.
Chamava-se James Hatefield, era inglês.
Desde pequeno adorava o mar, e sempre sonhou em navegar pelo mundo. Mas, quando
tinha apenas dezesseis anos, teve sérios problemas cardíacos e precisou ser
operado. Aos 28 anos, foi submetido a outras seis operações cardíacas. Os
médicos não lhe deram muitas chances de sobrevivência, uns poucos meses que
deveriam ser bem aproveitados.
Assim, no pouco tempo de vida que tinha,
resolvera realizar seu sonho: velejar pelo mundo, em contato com a natureza e
com o mar. Já tinham se passado três anos, ele agora estava com 31, e
continuava mais vivo do que antes.
Saiu da Inglaterra em 1984 com um
pequeno veleiro de 24 pés, o Cornisch Crabbes, com bolina e calado de apenas
setenta centímetros. Levou 101 dias para chegar ao Rio, outros 42 até Cape Town
e mais 63 até Perth. Deu a volta pelo sul do continente australiano e foi até
Auckland. De Auckland seguiu rumo ao cabo Horn. Estava no meio do caminho, no
paralelo 45°, quando ouviu um terrível barulho de colisão. Subiu ai convés e
não viu nada, só a escuridão ao seu redor. No interior, a água já alcançava os
paneiros. Mas o instinto de sobrevivência falou mais alto. Procurou ver o que
tinha acontecido, descobriu ter perdido o leme. Tirou água do barco com balde e
com a bomba de porão. Contatou seus amigos radioamadores que acompanhavam sua
rota e lançou seu pedido de socorro.
-- Imagine – dizia ele – se meu médico
me visse daquele jeito, balde na mão, trabalhando sem parar, mal alimentado,
quase sem descanso, tentando me salvar. Eu que, de acordo com seus
prognósticos, já deveria ter morrido!
Depois de seis dias e um trabalho
insano, os amigos radioamadores conseguiram encontrar um cargueiro que navegava
mais ou menos próximo e ele foi resgatado. O veleiro, infelizmente, naufragou.
-- Quase morri do coração! – falou
emocionado. – Não de doença, mas de tristeza!
O
cargueiro deixou-o na Nova Zelândia. No Hospital do Coração, souberam de sua
desventura e se interessaram por ele. Cotizaram-se e deram-lhe um novo veleiro,
de 29 pés, batizado com o nome de British Heart. As pessoas e empresas que
colaboraram na construção do novo barco tiveram seus nomes registrados na borda
do veleiro. Ganhou velas, mastros, roupa, equipamentos, alimentos. Em troca, um
compromisso: velejar ao redor da Nova Zelândia, fazendo palestras em escolas,
clínicas e hospitais, arrecadando fundos para o Hospital do Coração.
-- Não sei como agradecer a este povo
tão hospitaleiro, que me deu carinho e me alimentou por todo este tempo – dizia
emocionado. Confessou também ter sido difícil a despedida, pois era grande a
emoção dos amigos ao vê-lo partir.
De Wellington fez o percurso até o cabo
Horn em 42 dias, numa média de 133 milhas diárias, enfrentando muito mar e
correntes. Passou pelas ilhas Falklands e depois, sem escalas, velejou
diretamente para o Caribe, em Santa Lúcia.
Permaneceu ao nosso lado apenas dois dias,
tempo necessário para abastecer, lavar a roupa, trocar montanhas de livros com
outros barcos ancorados e seguir direto até Nova York. Perguntamos-lhe por que
não ficava mais um pouco.
-- Oh, não – respondeu. – Gosto do que
faço, estou bem e sou feliz. E o meu coração pertence ao mar!
Diário de uma
aventura, Dez anos no mar. Record, 1995. p. 143-145.
Fonte: Português –
Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder
Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 207-210.
Entendendo a história:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Atracado: preso ao cais do porto.
·
Marina: lugar onde se guardam os barcos.
·
Trâmite: procedimento para conseguir algo.
·
Cardíacas: do coração.
·
Bolina: peça de veleiro, cabo que puxa vela.
·
Calado: parte do barco que fica sob a linha d’água.
·
Colisão: choque, trombada.
·
Convés: assoalho do barco.
·
Posseiro: bancada à ré dos pequenos barcos, destinada aos passageiros.
·
Prognósticos: previsões.
·
Cotizaram-se: reuniram-se para contribuir para uma despesa comum.
·
Insano: que faz mal à saúde.
02 – Observe a importância
de algumas pequenas palavras, como a do exemplo abaixo, e explique em seu
caderno que ideias elas acrescentam às frases.
“Já
tinham se passado três anos, ele agora estava com 31, e continuava mais vivo do
que antes”. O uso do já
estabelece o pressuposto de que o tempo presente estava além do esperado.
a) Chovia muito, ainda assim ouvimos barulho de velas...
O uso de ainda indica que, como chovia, era de se esperar que não se
ouvisse nada.
b) Mal chegara das Falklands e já ia partir para Nova York.
O pressuposto era de que ele ia partir antes do que se esperava.
c) Assim, no pouco tempo de vida que tinha, resolvera realizar seu sonho.
A palavra assim estabelece uma relação de continuidade entre esse
momento e o vivido anteriormente.
d) No interior, a água já alcançava os paneiros.
Acrescenta uma circunstância de tempo: nesse momento, então.
03 – Qual é o significado da
frase: “Quase morri do coração!
– falou emocionado. – Não de doença, mas de tristeza!”?
Fiquei muito
triste. O coração aqui é utilizado como o centro dos sentimentos, das emoções e
não como órgão do corpo simplesmente
04 – Em que circunstâncias
de tempo e espaço os Schurmann encontraram James Hatefield?
Eles encontraram
com o navegador solitário em Rodney Bay, Santa Lúcia, em 1987.
05 – Quais são as
características pessoais de James Hatefield?
É um inglês que
teve dos dezesseis aos vinte e oito anos sérios problemas cardíacos.
06 – Por que James começou a
viajar?
Ele foi
praticamente desenganado pelos médicos e resolveu aproveitar o pouco tempo de
vida que lhe restava realizando um sonho: navegar pelo mundo.
07 – Como o inglês escapou
do naufrágio do Cornisch Crabbes?
Durante seis dias James retirou água do
barco e pediu ajuda aos amigos radioamadores que acompanhavam sua rota. Um
cargueiro mais ou menos próximo o resgatou.
08 – Como James foi recebido
na Nova Zelândia?
Foi muito bem
recebido. Cuidaram da saúde dele e deram-lhe um novo barco bem equipado.
09 – Por meio de suas
atitudes o inglês revelou algumas qualidades interiores. Quais são elas?
Justifique suas afirmações.
Ele é
inteligente, pois sabe se orientar no mar. Ama o mar e tem muita coragem. É um
homem que está de bem com a vida. “Gosto do que faço, estou bem e sou feliz.”
10 – O que há de
extraordinário na história de James Hatefield?
Ele foi
considerado sem saúde, deram-lhe pouco tempo de vida. Depois disso, viveu três
anos no mar, navegando, solitário, enfrentando um trabalho insano. Com isso,
seu problema cardíaco desapareceu.
11 – Por que o navegador
inglês ficou apenas dois dias em terra?
Porque ele ama estar no mar.
12 – Respondendo a estas
perguntas, você estará resumindo o texto:
·
Quem? James
Hatefield.
·
O quê? Navega
solitário no mar.
·
Onde? Pelo mundo.
·
Por quê? Deram-lhe
pouco tempo de vida devido a problemas cardíacos.
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