quinta-feira, 8 de novembro de 2018

ARTIGO DE OPINIÃO: VAGA RESERVADA - MAURO TRACCO - COM GABARITO

ARTIGO DE OPINIÃO: Vaga reservada

        A política de cotas está em pleno funcionamento no Brasil - mais de 40 universidades já reservam vagas para alunos negros. Agora só falta o país responder duas perguntas: precisamos disso? E dá certo?

        O argumento pró-cotas

        Veja os números do último censo: 5,8 milhões de brasileiros com mais de 25 anos tinham curso superior completo. Desses, 82,8% eram brancos. Juntos, negros e pardos somavam 14,3% – apesar de representarem 47,3% da população. Agora pense por alguns milésimos de segundo: qual desses grupos colocará mais gente no mercado de trabalho e, principalmente, nos empregos que pagam os melhores salários? Você nem precisa somar à equação o preconceito dos empregadores para concluir que os brancos levam vantagem [...]
        Claro que melhorar a qualidade do sistema de ensino público básico e fundamental, permitindo que os mais pobres frequentem escolas tão boas quanto as dos ricos, é o melhor caminho para promover a igualdade. Mas até quando as classes mais baixas, onde se encontra a maioria dos afrodescendentes, vão esperar que o governo invista a sério na qualidade das escolas? [...] “Mesmo que o ensino público melhorasse [...], os estudantes negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos alunos brancos”, escreve o antropólogo Kabengele Munanga no livro Educação e Ações Afirmativas.
        “Fingir que a miscigenação eliminou as raças é uma forma de racismo”, afirma o senador Cristovam Buarque. Quando a elite for branca e negra, o racismo acaba”, acredita o senador. E, apesar de admitir que a política de cotas prejudicará alguns brancos, obrigados a ceder seu lugar a estudantes com nota inferior, Buarque afirma que é preciso cometer injustiças pontuais para corrigir uma enorme injustiça histórica. [...]
        Que dívida é essa? Quando nossa economia era baseada no açúcar e no ouro, eram os negros que geravam boa parte da riqueza nacional. Em troca dos bens que produziram, receberam chicotadas. A Lei Áurea, de 1888, deu aos escravos a liberdade, mas nenhuma oportunidade de vida. Não vieram juntas compensações financeiras, programas de absorção pela sociedade ou um incentivo para que os escravos fossem educados e treinados para trabalhar como assalariados. As distorções sociais que esses equívocos provocaram não foram resolvidas até hoje.

        O argumento anticotas

        Para poder se beneficiar das cotas, é preciso fazer uma escolha: ou se é branco ou se é negro. Essa proposta de divisão explícita dos brasileiros em duas categorias é o primeiro ponto a tirar do sério os opositores das cotas. Questiona-se a criação de um sistema que subverte um pilar da democracia: a ideia de que todos somos iguais perante a lei. A antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ diz que para ela, o efeito dessa “produção artificial de etnias e raças” é o fim da identidade nacional. Deixamos de ser cidadãos do Brasil para nos tornar brasileiros negros ou brasileiros brancos. “É o caminho para a difusão do ódio racial no Brasil”, afirma o sociólogo Demétrio Magnoli.
        Outra distorção, na opinião dos críticos da política de cotas, é a supressão do mérito como critério de recompensa. Uma organização meritocrática é aquela que dá as melhores oportunidades a quem demonstrar mais habilidade e talento. Ao derrubar essa ideia, mesmo com a boa intenção de criar uma sociedade em que mais pessoas tenham acesso à meritocracia, as cotas podem estigmatizar quem é beneficiado por elas [...].
        Há ainda o temor de ver a qualidade do ensino piorar com a entrada de alunos que não tiveram as melhores notas no vestibular. Para esses críticos, as funções primordiais da universidade pública são a formação de alto nível e a pesquisa, não a prestação de um auxílio social ao país. “Quando as universidades admitem alunos por critérios não acadêmicos, há um risco real de que elas se transformem em grandes escolões de baixa qualidade”, diz Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE.
        Por fim, o time anticotas não tem dúvidas de que o caráter temporário é uma farsa. A maioria dos países que as adotam acaba por prorrogá-las. Qual político quer se expor à impopularidade de suspender um benefício? Ao contrário, as cotas costumam ser ampliadas para beneficiar outros grupos em desvantagem. [...] O motivo? Cotas não custam nada ao governo. E ainda dão aos políticos a chance de se gabarem por promover o avanço racial. Quem não quer uma mamata dessas?

                       Mauro Tracco. Revista Superinteressante, maio 2007.

Entendendo o texto:
01 – Nos textos de Mauro Tracco, a tese deve ser construída pelo leitor a partir do encadeamento das informações fornecidas nos três textos. Assinale a opção que está de acordo com a proposta da tese da reportagem.
a) A política de cotas está em pleno funcionamento no Brasil e todos são favoráveis.
b) Há um intenso debate entre os favoráveis e os contrários à reserva de vagas para negros em universidades brasileiras.
c) A cota social é a única maneira de corrigir uma enorme injustiça histórica.
d) A elite brasileira não deveria ser tão multirracial quanto seu povo.
e) A desigualdade racial acabará em pouquíssimo tempo, pois o Brasil já está investindo em escolas de base com qualidade e igual para todos.

02 – Para defender a política de cotas que está em pleno funcionamento no Brasil, reservando vagas para alunos negros, que argumentos com base em dados estatísticos são utilizados pelo autor no trecho pró-cotas?
      Os dados estatísticos utilizados na argumentação pró-cotas: “Veja os números do último censo: 5,8 milhões de brasileiros com mais de 25 anos tinham curso superior completo. Desses, 82,8% eram brancos. Juntos, negros e pardos somavam 14,3% – apesar de representarem 47,3% da população. [...]”

03 – Assinale a opção onde ocorre a relação INCORRETA entre o conectivo destacado e a ideia expressa por ele.
a) Mesmo que o ensino público melhorasse [...], os estudantes negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos alunos brancos. (Comparativa)
b) É preciso cometer injustiças pontuais a fim de corrigir uma enorme injustiça histórica. (Finalidade)
c) Quando as universidades admitem alunos por critérios não acadêmicos, há um risco real de que elas se transformem em grandes escolões de baixa qualidade. (Tempo)
d) A Lei Áurea, de 1888, deu aos escravos a liberdade, mas nenhuma oportunidade de vida. (Oposição)
e) Se for negro, pode se beneficiar das cotas. (Condição).


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