ARTIGO DE OPINIÃO: Vaga reservada
A política de cotas está em pleno
funcionamento no Brasil - mais de 40 universidades já reservam vagas para
alunos negros. Agora só falta o país responder duas perguntas: precisamos
disso? E dá certo?
O
argumento pró-cotas
Veja os números do último censo: 5,8
milhões de brasileiros com mais de 25 anos tinham curso superior completo.
Desses, 82,8% eram brancos. Juntos, negros e pardos somavam 14,3% – apesar de
representarem 47,3% da população. Agora pense por alguns milésimos de segundo:
qual desses grupos colocará mais gente no mercado de trabalho e,
principalmente, nos empregos que pagam os melhores salários? Você nem precisa
somar à equação o preconceito dos empregadores para concluir que os brancos
levam vantagem [...]
Claro que melhorar a qualidade do
sistema de ensino público básico e fundamental, permitindo que os mais pobres
frequentem escolas tão boas quanto as dos ricos, é o melhor caminho para
promover a igualdade. Mas até quando as classes mais baixas, onde se encontra a
maioria dos afrodescendentes, vão esperar que o governo invista a sério na
qualidade das escolas? [...] “Mesmo que o ensino público melhorasse [...], os
estudantes negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos
alunos brancos”, escreve o antropólogo Kabengele Munanga no livro Educação e
Ações Afirmativas.
“Fingir que a miscigenação eliminou as
raças é uma forma de racismo”, afirma o senador Cristovam Buarque. Quando a
elite for branca e negra, o racismo acaba”, acredita o senador. E, apesar de
admitir que a política de cotas prejudicará alguns brancos, obrigados a ceder
seu lugar a estudantes com nota inferior, Buarque afirma que é preciso cometer
injustiças pontuais para corrigir uma enorme injustiça histórica. [...]
Que dívida é essa? Quando nossa
economia era baseada no açúcar e no ouro, eram os negros que geravam boa parte
da riqueza nacional. Em troca dos bens que produziram, receberam chicotadas. A
Lei Áurea, de 1888, deu aos escravos a liberdade, mas nenhuma oportunidade de
vida. Não vieram juntas compensações financeiras, programas de absorção pela
sociedade ou um incentivo para que os escravos fossem educados e treinados para
trabalhar como assalariados. As distorções sociais que esses equívocos
provocaram não foram resolvidas até hoje.
O
argumento anticotas
Para poder se beneficiar das cotas, é
preciso fazer uma escolha: ou se é branco ou se é negro. Essa proposta de
divisão explícita dos brasileiros em duas categorias é o primeiro ponto a tirar
do sério os opositores das cotas. Questiona-se a criação de um sistema que
subverte um pilar da democracia: a ideia de que todos somos iguais perante a
lei. A antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ diz que para ela, o efeito dessa “produção
artificial de etnias e raças” é o fim da identidade nacional. Deixamos de ser
cidadãos do Brasil para nos tornar brasileiros negros ou brasileiros brancos.
“É o caminho para a difusão do ódio racial no Brasil”, afirma o sociólogo
Demétrio Magnoli.
Outra distorção, na opinião dos
críticos da política de cotas, é a supressão do mérito como critério de
recompensa. Uma organização meritocrática é aquela que dá as melhores
oportunidades a quem demonstrar mais habilidade e talento. Ao derrubar essa
ideia, mesmo com a boa intenção de criar uma sociedade em que mais pessoas
tenham acesso à meritocracia, as cotas podem estigmatizar quem é beneficiado
por elas [...].
Há ainda o temor de ver a qualidade do
ensino piorar com a entrada de alunos que não tiveram as melhores notas no
vestibular. Para esses críticos, as funções primordiais da universidade pública
são a formação de alto nível e a pesquisa, não a prestação de um auxílio social
ao país. “Quando as universidades admitem alunos por critérios não acadêmicos,
há um risco real de que elas se transformem em grandes escolões de baixa
qualidade”, diz Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE.
Por fim, o time anticotas não tem
dúvidas de que o caráter temporário é uma farsa. A maioria dos países que as
adotam acaba por prorrogá-las. Qual político quer se expor à impopularidade de
suspender um benefício? Ao contrário, as cotas costumam ser ampliadas para
beneficiar outros grupos em desvantagem. [...] O motivo? Cotas não custam nada
ao governo. E ainda dão aos políticos a chance de se gabarem por promover o
avanço racial. Quem não quer uma mamata dessas?
Mauro Tracco. Revista
Superinteressante, maio 2007.
Entendendo o texto:
01 – Nos textos de Mauro
Tracco, a tese deve ser construída pelo leitor a partir do encadeamento das
informações fornecidas nos três textos. Assinale a opção que está de acordo com
a proposta da tese da reportagem.
a) A política de cotas está
em pleno funcionamento no Brasil e todos são favoráveis.
b) Há um intenso
debate entre os favoráveis e os contrários à reserva de vagas para negros em
universidades brasileiras.
c) A cota social é a única
maneira de corrigir uma enorme injustiça histórica.
d) A elite brasileira não
deveria ser tão multirracial quanto seu povo.
e) A desigualdade racial
acabará em pouquíssimo tempo, pois o Brasil já está investindo em escolas de
base com qualidade e igual para todos.
02 – Para defender a
política de cotas que está em pleno funcionamento no Brasil, reservando vagas
para alunos negros, que argumentos com base em dados estatísticos são
utilizados pelo autor no trecho pró-cotas?
Os dados
estatísticos utilizados na argumentação pró-cotas: “Veja os números do último
censo: 5,8 milhões de brasileiros com mais de 25 anos tinham curso superior
completo. Desses, 82,8% eram brancos. Juntos, negros e pardos somavam 14,3% –
apesar de representarem 47,3% da população. [...]”
03 – Assinale a opção onde
ocorre a relação INCORRETA entre o conectivo destacado e a ideia expressa por
ele.
a) Mesmo que o ensino público
melhorasse [...], os estudantes negros levariam cerca de 32 anos para atingir o
atual nível dos alunos brancos. (Comparativa)
b) É preciso cometer
injustiças pontuais a fim de corrigir
uma enorme injustiça histórica. (Finalidade)
c) Quando as universidades admitem alunos por critérios não
acadêmicos, há um risco real de que elas se transformem em grandes escolões de
baixa qualidade. (Tempo)
d) A Lei Áurea, de 1888, deu
aos escravos a liberdade, mas
nenhuma oportunidade de vida. (Oposição)
e) Se for negro, pode se beneficiar das cotas. (Condição).
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