Crônica: A cidade e os bichos
Esforços para tornar menos dura a vida animal na metrópole
Ivan Ângelo
Na última crônica, falei da trágica dedicação de um cão a seu dono, e posso ter deixado a impressão de que a humanidade é ingrata, maltrata os animais, ou não paga amor com amor.
Não é isso. O que acontece é que o
ambiente urbano foi afastando aos poucos o homem dos alados, quadrúpedes e
bípedes, emplumados ou peludos, com os quais convivia. Sumiram não apenas do
convívio, mas de vista. Meninos nunca viram um frango vivo, só o conhecem como
um item das compras de supermercado; cabritos, cavalos, bois e burricos são
seres da televisão, como os ETs. Para muitas crianças, bichos como coelho, gato
e pica-pau são personagens falantes de desenho animado, geralmente histéricos,
cujo comportamento e caráter nada têm a ver com os apresentados pelos animais
de verdade.
Capivaras e garças recusam-se a ser
expulsas da cidade. Quando vim para São Paulo, descobriu-se uma enorme preguiça
no Parque Trianon. Jacarés apareceram no Tietê. Aves peregrinas, como o falcão
da Groenlândia, visitam a cidade. Bandos de jandaias fazem algazarra nas
árvores de frutas dos Jardins. Há tempos falei de um pássaro que não conhecia,
"cinza-esverdeado, pés e bico como os de um periquito, pequeno penacho
espetado na cabeça, como o de um pavão", que se instalou algumas vezes na
viga do 11º andar do prédio onde moro, para apreciar o pôr-do-sol junto comigo.
Sumiu, mas recentemente desfiz o mistério ao ver um igual numa loja de rações
da Vila Madalena: informaram-me que era uma calopsita, grande periquito nativo
da Austrália. Por que ela estaria voando solta pelo bairro de Perdizes?
Iguanas, cobras, furões, tartarugas
vão-se tornando bichos de estimação na cidade de carentes. O cão é o preferido,
e muitos são criados como pessoas da família, mas quem não pode ter um, por
alguma razão, recorre a animais silenciosos. Gatos domésticos vão rareando, não
se sabe por quê, e seus irmãos vadios encontram quem lhes dê iscas nos parques
da cidade.
Na metrópole atribulada existem muitos
exemplos de afeição desinteressada. Todos conhecem um. Tenho um amigo que cria
galinhas, poleiro cheio, e nunca teve coragem de comer nenhuma. Logo galinha,
bicho que não troca nada com ninguém, não tem cabeça para isso. Uma professora
de balé leva o cágado a passear na calçada, para tomar sol.
Um veterinário criava no jardim de
casa uns moluscos gigantescos, caracóis de quase 100 gramas. Foi ele quem
recebeu de bom grado os três micos que um conhecido jornalista costumava levar
emaranhados na própria cabeleira de estilo hippie, e dos quais desistiu quando
trocou de namorada. Esse doutor recebe em casa bichos acidentados, e deles
cuida pelo resto da vida. Quem vai querer um cachorro manco, um pássaro de asa
quebrada, um gato cego? Só ele.
E tem o caso da jovem gaúcha que, em
cena sensacional, parou o trânsito na saída do túnel da Nove de Julho para
salvar um cavalo que corria solto e apavorado de um lado para o outro, em meio
a buzinas e freadas. Ela estacionou o carro na calçada e correu atrás do
animal, para agarrá-lo; o cavalo mudava de rumo, quase infartando. A moça não
tinha com que segurá-lo, e os dois resvalavam nos carros na correria;
motoristas gritavam olé, outros aplaudiam. Um caminhoneiro estendeu-lhe um
pedaço de corda, com o qual ela improvisou um laço. Depois de quatro
tentativas, laçou o bicho. Palmas e buzinaço. Irritada, ela abanou as mãos,
pedindo silêncio. Conseguiu chegar perto do cavalo, falando com ele,
murmurando, acalmando-o, logo acariciando-o, depois tirou a blusa, jogou-a
sobre os olhos do animal e, só de sutiã, belíssima, conduziu-o docemente para a
calçada.
Ivan Ângelo.
Entendendo a crônica:
01 – O cronista inicia
explicando para o leitor os motivos que o levam a retomar o assunto da última
crônica.
a)
Qual é o assunto retomado pelo cronista?
Que o dia-a-dia nas cidades grandes o homem vai perdendo o contato
com a natureza.
b)
Qual o motivo de sua preocupação?
Sua preocupação é que o ambiente urbano vá afastando aos poucos o
homem dos animais.
02 – No segundo parágrafo, o
cronista expõe o seu ponto de vista sobre o assunto.
a)
O que ele defende?
Ele defende a afeição desinteressada dos homens para com os animais,
tanto os animais sadios ou não e o contato do homem com a natureza sem
maltratá-la.
b)
Que exemplos da realidade urbana são
empregados para confirmar o ponto de vista do cronista?
O seu amigo que cria galinhas sem comê-las, a professora de balé que
levava um cágado para passear, a gaúcha que salvou um cavalo na Avenida Nove de
Julho e o médico que recebe animais acidentados para cuidar o resto da vida.
03 – O cronista afirma que
determinados animais recusam-se a ser expulsos da cidade, mesmo quando o
ambiente lhes é desfavorável.
a)
Na sua opinião, o que causa a expulsão dos
animais dos grandes centros urbanos?
Em minha opinião o que causa a expulsão dos animais dos grandes
centros urbanos é que muitas pessoas não tem paciência para cuidar de animais,
principalmente aqueles que fazem barulhos.
b)
Quem pode ser o responsável pela ação de
expulsar os animais da cidade?
Nós mesmos.
c)
Segundo o cronista, quais as consequências
desse afastamento para as pessoas que vivem nas grandes cidades?
As consequências é que as pessoas perdem o contato com os animais,
não sabendo como são.
d)
Na sua opinião, estabeleça uma condição
para que seja possível uma boa integração entre os animais e os centros
urbanos.
Resposta pessoal do aluno.
04 – O que torna o desfecho
do texto surpreendente e original?
O que torna o
desfecho do texto assim, é que uma mulher quis salvar o coitado do cavalo que
estava no meio de carros, correndo risco de vida.
05 – O que a apresentação
desse fato permite concluir sobre a relação de algumas pessoas com os
animais?
Algumas cuidam
muito bem e amam os animais, já outras pessoas maltratam e ignoram os animais.
06 – Na sua opinião, qual a
importância de o cronista afirmar que no ambiente urbano há meninos que nunca
viram um frango vivo e só conhecem alguns animais como personagens de desenho
animado.
Mostra que as
pessoas não tão nem aí para os animais nem se quer viram um de verdade.
07 – A crônica foi publicada
no suplemento de uma revista que circula em um grande cetro urbano – a cidade
de São Paulo.
Considerando os leitores a
quem o texto é dirigido, você acha adequado o assunto tratado pelo cronista?
Sim, porque trata de uma realidade.
08 – O cronista expõe os
argumentos de forma subjetiva (pessoal) ou de forma objetiva (impessoal)?
De forma
subjetiva (pessoal).
09 – Que sentido você
atribui ao subtítulo da crônica (“Esforços para tornar menos dura a vida animal
na metrópole”)?
Que a vida dos
animais é muito difícil.
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