Conto: Os
ratos (fragmento)
“O Horácio prepara o cafezinho. Desde
que o governo suspendeu a verba pra o cafezinho, que este é custeado pelos
funcionários. Custa um tostão. Naziazeno não quer café. Já tomou um há pouco.
Ele se dirige para a sua carteira. Na
sala, pequena, trabalham mais dois: o primeiro escriturário e o datilógrafo.
Ambos muito quietos. O primeiro
escriturário confere contas. É um serviço que faz há muito tempo. Dispõe de
grande prática. Faz cálculos, usa tinta encarnada, bate muitos carimbos.
Depois, quando tem já um grupo de contas respeitável, ergue-se e repassa-as uma
a uma (com todas as suas ‘primeiras’, ‘segundas’ e ‘terceiras vias’ nos dedos –
que ele a cada passo molha nos lábios com um certo ruído. O datilógrafo, quando
não está ‘batendo’, lê um livro, aberto dentro da gavetinha ao lado.
Naziazeno interroga o datilógrafo:
— O diretor saiu?
O funcionário levanta os olhos do
livro, relanceia-os lentamente pela janela, pousa-os no escriturário:
— Está na Secretaria – responde este,
sem interromper a conferência das contas.
“— O Cipriano certamente foi buscá-lo.
Não tarda, estará aí” – conjetura mentalmente Naziazeno.
O
trabalho de Naziazeno é monótono: consiste em copiar num grande livro cheio de
‘grades’ certos papéis, em forma de faturas. É preciso antes submetê-los a uma
conferência, ver se as operações de cálculo estão certas. São ‘notas’ de
consumo de materiais, há sempre multiplicações e adições a fazer. O serviço,
porém, não exige pressa, não necessita ‘estar em dia’. – Naziazeno ‘leva um
atraso’ de uns bons dez meses.
Ele hoje não tem ‘assento’ pra um
serviço desses. É preciso classificar as notas, dispô-las por ordem cronológica
e pelas várias ‘verbas’, calcular; depois então ‘lançá-las’ com capricho,
‘puxar’ cuidadosamente as somas... Ele já se ‘refugiou’ nesse trabalho em
outras ocasiões. Era então uma simples contrariedade a esquecer... uma preterição...
injustiça ou grosseria dos homens... Mesmo assim, quando, nesses momentos, se surpreendia ‘entusiasmado’ nesse trabalho,
ordenado e sistemático como ‘um jogo de armar’, não era raro vir-lhe um
remorso, uma acusação contra si mesmo, contra esse espírito inferior de
esquecer prontamente, de ‘achar’ no ambiente aspectos compensadores, quadros
risonhos... Todos aqueles indivíduos que lhe pareciam realizar o tipo médio
normal eram obstinados, emperrados, não tinham, não, essa compreensão inteligente
e leviana das coisas...”
MACHADO, Dyonelio. Os ratos. 12ª ed.
São Paulo: Ática, 1992, p. 26-7.
Profª Macambira
Entendendo o conto:
01 – UnB-DF, adaptada. De
acordo com o texto acima, julgue os seguintes itens:
(F) Pelo texto apresentado, infere-se
que a obra da qual ele foi retirado é um romance rural; cujo cenário é o da
zona rural.
(V) Muitas das aspas utilizadas no
texto revelam a intenção do narrador de ironizar a atividade pelo uso do jargão
burocrático ou de destacar um segundo sentido para as expressões utilizadas.
(V) O último parágrafo do texto
revela um conceito de trabalho como momento de evasão (= fuga) dos problemas
individuais.
(F) O texto é construído pelo foco de
um narrador onisciente, que penetra na mente da personagem, decifrando-lhe
pensamentos, lembranças, sentimentos e sensações.
02 – Este fragmento
literário acima foi retirado de um romance. O que é um romance?
Narrativa longa
com apenas um núcleo.
03 – Defina os
protagonistas, a partir do excerto lido.
Horácio –
apresentação indireta, plano, indivíduo. Naziazeno – apresentação direta,
esférico, indivíduo.
04 – Leia essa crítica ao
livro:
Comentários sobre a obra: Angústia.
Esta é a palavra que perfaz todo o romance, contado por um narrador observador
que oferece ao leitor, também, os pensamentos da personagem. Em uma entrevista
concedida ao jornal Movimento (24/11/1975), Dyonélio Machado fala sobre a
angústia, principalmente, infantil: “Se
nos prolongássemos às angústias infantis, não chegaríamos à idade adulta”;
sendo assim, pode-se encontrar na infância um possível “berço” das angústias,
muitas vezes inexplicáveis, que se acometem nos adultos.
Esse excerto provoca angústia?
De que tipo? Descreva-a.
Sim, do tipo que
incomoda a pessoa em questões de ser, de existir, de seu trabalho e de toda a
sua vida.
05 – Determine em físico / cronológico
ou psicológico os seguintes elementos narrativos presentes nesse excerto:
a) Espaço = Físico.
b) Tempo = Psicológico.
06 – Releia: Ele hoje não
tem ‘assento’ pra um serviço desses. O termo sublinhado pode ser
substituído, sem prejuízo para a frase, por:
a) cadeira.
b) lugar.
c) paciência.
d) tempo.
07 – Assinale o item que caracteriza
corretamente fábula:
a) narrativa curta
fantasiosa, geralmente com moral no fim da história.
b) narrativa curta de
caráter realista flagrando o cotidiano.
c) narrativa curta
fantasiosa, trabalha as dificuldades humanas e soluções irreais.
d) narrativa curta, de
caráter ficcional, embora bastante verossímil.
08 – Assinale corretamente o
item que caracteriza o conto de fadas:
a) narrativa curta
fantasiosa, geralmente com moral no fim da história.
b) narrativa curta de
caráter realista flagrando o cotidiano.
c) narrativa curta
fantasiosa, trabalha as dificuldades humanas e soluções, às vezes, irreais.
d) narrativa curta, de
caráter ficcional, embora bastante verossímil.
09 – O enredo pode ser
resumido no seguinte item:
a) há uma confabulação
política entre as personagens.
b) o cotidiano angustiado e
insosso das personagens.
c) há uma disputa
declarada e em alto e bom som entre as personagens.
d) N.D.A.
10 – O narrador é:
a) narrador-protagonista.
b) narrador-onisciente.
c) narrador-personagem.
d) narrador-coprotagonista.
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