Crônica: DA OLIVETTI AO TORPEDO
Vai fazer 30 Natais que eu ganhei meu
presente mais inesquecível. Não, não foi uma bicicleta. Foi uma máquina de
escrever portátil Olivetti, modelo Lettera 22, verdinha. Vinha com uma tampa de
plástico, que ao ser encaixada se transformava numa maleta. Mal abri o
brinquedo, já fui pedindo; “Quero fazer o curso”
Alguém aí pode explicar o que leva uma criança de 10 anos a pedir um curso de
datilografia para seus pais? Hoje em dia é evidente que eu seria encaminhado a
um bom psicólogo infantil – mas naquele tempo meu pai me inscreveu num curso e
pronto. Lá pelo fim do curso, fazia fácil 200 toques por minuto.
Na 8ª série, tive a felicidade de entrar para um colégio cujo currículo
incluía... datilografia. Na aula inaugural, o professor pediu que todos os
alunos batessem seus nomes à máquina, deixei que começasse; um “tlec” sem
convicção, um “tlec” solitário ali, outro “tlec” solitário acolá. Então
respirei fundo. E mandei ver: ratatatatatatatata! Todas as cabeças da sala se
voltaram ao mesmo tempo na minha direção. Nunca mais viverei outro momento tão
glorioso.
Nunca mais mesmo. Depois de reinar por mais de 100 anos, o teclado – que foi
inventado em 1880, não pela Olivetti, mas pela Remington – está com os dias
contados. A máquina de escrever das crianças de 10 anos deste século não é nem
mesmo o computador: é o celular. Crianças e adolescentes passam horas travando
diálogos por escrito, como se estivessem jogando videogame.
Você já tentou escrever um “torpedo” no celular? Eu tentei. Na semana passada,
para ser mais preciso. As 26 letras do alfabeto se escondem em apenas nove
teclazinhas. Levei cinco minutos para digitar quatro palavrinhas – e estou até
agora tentando achar onde fica o ponto de interrogação. Se você souber de algum
curso de datilografia-em-telefone, por favor me avise.
Os celulares possuem poucas teclas porque na verdade quem escreve neles não tem
lá muito amor pelas letrinhas. Tudo é abreviado. As vogais somem. Os acentos
vão para o beleléu. Além de aprender a digitar, você tem de reaprender a
escrever.
De nada adianta ter evoluído das Olivettis e Remingtons para os PCs e Macs
se a gente não consegue agora a se adaptar ao celular. Caso tudo o que os
fabricantes prometem acabe um dia se realizando, o celular vai tomar o lugar do
computador, da máquina fotográfica, do cartão de crédito, Da carteira de
identidade e da chave de casa. Isso claro, para quem aprender a mexer nele. Se
eu não consigo achar nem o ponto de interrogação, como eu vou descobrir a
função que abre o portão da garagem?
(Ricardo Freire.
Revista Época, Globo, 24/11/2003)
Entendendo a crônica:
01 – A crônica aborda
um tema atual: os avanços da tecnologia.
a)
Que informação você desconhecia e descobriu
com a leitura do texto?
O teclado que foi inventado em 1880 pela Remington.
b)
Qual o ponto de vista apontado no texto em
relação aos avanços tecnológicos?
Que o celular vai tomar o lugar do computador, da máquina
fotográfica, do cartão de crédito, da carteira de identidade e da chave de
casa.
c)
Na sua opinião, com que finalidade se
atribuiu um tom humorístico aos fatos narrados no texto?
Para que o texto ficasse mais interessante ao ser lido.
02 – O narrador-personagem
inicia o texto referindo-se a fatos de sua infância.
a)
A que ele se refere como "presente
inesquecível"?
Uma máquina de escrever portátil Olivetti, modelo lettera 22,
verdinha.
b)
Quantos anos ele tinha e qual
sua reação ao receber o presente?
Ele tinha 10 anos, e sua reação foi pedir um curso de Datilografia
para seus pais.
03 – Ao iniciar o curso, o
narrador-personagem rapidamente aprende a usar as teclas da máquina de
escrever.
a)
Que expressões empregadas evidenciam essa
agilidade?
“Totalmente caxias, eu jamais olhava para as teclas.”
“Lá pelo fim do curso, fazia fácil 200 toques por minutos.”
b)
Ele gostou muito de teclar a
máquina. Que frase comprova esse sentimento do cronista?
Foi amor ao primeiro asdfgçkjh.
04 – A crônica também
apresenta um momento glorioso vivenciado pelo narrador-personagem na 8ª
série.
a)
Como ele se destaca dos seus colegas?
Pelo fato de ser o único a saber datilografar rapidamente.
b)
Que recursos linguísticos são empregados para
ressaltar a sonoridade das teclas? O que eles sugerem ao leitor?
Onomatopeia, sugere o barulho do teclado.
05 – De acordo com a
crônica, a máquina de escrever do momento é o celular.
a)
O narrador-personagem se inclui no público
usuário dessa máquina? A que tipo de público especificamente ele se refere?
Não. Ele se refere aos jovens.
b)
Como ele se sente diante dessa "máquina
de escrever"?
Se sente indignado, levando cinco minutos para digitar quatro
palavras.
06 – Na crônica são
apresentados alguns argumentos que servem para justificar o ponto de vista do
narrador-personagem sobre o uso do celular.
a)
Que argumento é utilizado para justificar a
dificuldade em digitar as teclas do celular?
“As 26 letras do alfabeto se escondem em apenas nove teclazinhas.
Levei cinco minutos para digitar quatro palavras – e estou até agora tentando
achar onde fica o ponto de interrogação.”
b)
Ao explicar por que o celular possuiu poucas
teclas, o narrador faz uma crítica implícita. O que ou quem é criticado? Por
quê?
Ele critica as crianças que trocam uma máquina de datilografia por
um celular. “As 26 letras do alfabeto se escondem em apenas nove teclazinhas.”
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