ROMANCE: Lucíola
(fragmento)
José Alencar
Apenas o
médico saiu, ela olhou-me tristemente:
-- Era o primeiro! Mas o tato das
entranhas maternas, sejam elas virgens ainda, não engana. Nosso filho, Paulo, o
teu, porque ele era mais teu do que meu, já não existe.
À noite declarou-se a febre; uma febre
intensa que a fez delirar. Foi então que conheci quanto eu vivia no seu
pensamento: ela não disse no delírio uma só palavra que não se referisse a mim e
alguma circunstância de nossa vida mútua, desde o primeiro dia em que nos
encontramos.
Pela manhã, depois de um sono curto e
agitado, achei-a mais tranquila:
— Tu me
prometes, Paulo, casar com Ana!
— Não tratemos disso agora, minha
amiga! Quando ficares boa, tudo o que tu quiseres eu farei para a tua
felicidade.
— Mas essa
promessa me daria tanto alívio agora!
— Escuta, Maria, esse casamento nos
tornaria infelizes a ti, à tua irmã, e a mim, que não poderia amá-la, mesmo por
causa dessa semelhança! Tu viverias sempre entre mim e ela!
— Pois bem, promete-me que se ela não
for tua mulher, lhe servirás de pai.
— Juro-te!
Beijou-me
as mãos:
— Ela vai
ter tanta necessidade de um pai!
Os
acessos da febre repetiram-se durante três dias, e sempre mais graves. Uma
tarde em que o médico apresentou a Lúcia um remédio:
— Para que
é isso? perguntou ela com brandura.
— Para
aliviá-la do seu incômodo. Logo que lançar o aborto, ficará inteiramente boa.
— Lançar! ...
Expelir meu filho de mim?
E o copo que Lúcia sustentava na mão
trêmula, impelido com violência, voou pelo aposento e espedaçou-se de encontro
à parede.
— Iremos juntos! ... Murmurou descaindo
inerte sobre as almofadas do leito. Sua mãe lhe servirá de túmulo.
De joelhos à cabeceira eu suplicava-lhe
que bebesse o remédio que a devia salvar.
— Queres acompanhar teu filho, Maria, e
abandonar-me só neste mundo. Vive por mim!
— Se eu pudesse viver, haveria forças
que me separassem de ti? Haveria sacrifício que eu não fizesse para comprar
mais alguns dias da minha felicidade? Mas Deus não quis. Sinto que a vida me
foge!
A instâncias minhas bebeu finalmente o
remédio, que nenhum efeito produziu. A febre lavrava com intensidade: eu já não
tinha esperanças.
— O remédio de que eu preciso é o da
religião. Quero confessar-me, Paulo.
Lúcia tomou os sacramentos com uma
resignação angélica; e abraçando a irmã, disse-lhe:
— Perdes uma irmã, Ana; fica-te um pai.
Ama-o por ele, por ti e por mim.
O dia se passou na cruel agonia que só
compreendem aqueles que, ajoelhados à borda de um leito, viram finar-se
gradualmente uma vida querida.”
Jose
de Alencar
Entendendo o texto:
Entendendo o texto:
01 – UEGO Assinale V, para as afirmações verdadeiras, e F, para as falsas:
(F) Em “– Pois bem, promete-me que se ela não for tua mulher, lhe servirás de pai.”
Neste período, evidencia-se um desrespeito às convenções gramaticais quanto ao uso
do pronome oblíquo “lhe”, exemplificando assim um caso de próclise, que também
ilustra a oralidade ou a espontaneidade da fala.
(V) É artifício da produção de textos
o uso das reticências. Nesse texto em foco, elas foram usadas por duas vezes
indicando então que o narrador imprime ao enredo a hesitação, a surpresa e
estupefação da personagem ante a situação nova com que se defronta.
(V) O texto apresentado enquadra-se como narrativo-descritivo.
(F) Nos trechos: “– Queres acompanhar teu filho, Maria, e
abandonar-me só neste mundo. Vive por mim!” e em: “O dia se passou, na cruel agonia que só compreendem aqueles...”, a
palavra “só” tem equivalente função morfológica (= classe de palavra) em
ambas as situações.
02 – Este fragmento
literário acima foi retirado de um romance. O que é um romance?
Narrativa longa com apenas um núcleo.
03 – Defina os protagonistas.
·
Lúcia = apresentação direta,
esférica, indivíduo.
·
Paulo = apresentação indireta,
esférica, indivíduo.
04 – Defina o narrador e o espaço:
Narrador-observador; espaço físico (quarto de Lúcia).
05 – Leia esta crítica ao livro:
“Lucíola
é um romance urbano, em que Alencar transforma a cortesã em heroína, esta
purifica sua alma com o amor de Paulo. Ela não se permite amar, por seu corpo
ser sujo e vergonhoso, e ao fim da vida, quando admite seu amor, declara-se
pertencente à Paulo. É a submissão do amor romântico, onde a castidade é
valorizada.”
Você concorda com essa
firmação: JUSTIFIQUE a sua resposta.
Sugestão: Sim.
Porque ela prefere morrer a matar o fruto do amor dela e de Paulo.
06 – Releia: “E o copo que Lúcia sustentava na mão
trêmula, impelido com violência, voou pelo aposento e espedaçou-se de encontro
à parede.” O termo sublinhado pode ser substituído, sem prejuízo para a
frase, por:
a) empurrado.
b) largado.
c) jogado.
d) destruído.
07 – Assinale o item que
caracteriza corretamente as narrativas curtas:
a) conto, crônica, romance.
b) conto, crônica, fábula.
c) lenda, fábula, saga.
d) romance, saga, novela.
08 – Assinale o item que
caracteriza corretamente as narrativas longas:
a) conto, crônica, romance.
b) conto, crônica, fábula.
c) lenda, fábula, saga.
d) romance, saga, novela.
09 – O enredo desse trecho aproxima-se mais do item:
a) Tendo sua ilusão desfeita
de que conseguiria casar seu amigo com sua amiga, Lúcia morre de desgosto.
b) Não podendo
casar com Paulo, Lúcia tentara casá-lo com sua irmã.
c) A heroína, Lúcia,
abandona todos na miséria ao morrer com seu filho.
d) Paulo não deseja que
Lúcia tenha o filho, por isso pede que ela tome o remédio que a fará abortar.
10 – São personagens secundárias deste trecho em estudo:
a) Paulo e Ana.
b) Paulo e o médico.
c) Ana e o médico.
d) Paulo e Lúcia.
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