Crônica: Blusão da moda
Flavio José Cardozo. Uns papéis que voam
São Paulo, FTD, 2003
Há cores por todos os lados e um clima
de muita generosidade na vitrina, os preços das ofertas fazem graciosos
malabarismos.
Vejo um blusão de lã e me agrado dele.
Sim, a cor me cai no gosto, o talhe não é dos piores, o preço está convidativo.
Para quem precisa de um blusão de lã e sabe que ainda tem um pouco de inverno
pela frente, é de aproveitar.
Entro. Quem me atende é o próprio dono
da loja, um cidadão que já vi, creio eu, em mais de uma história d'As mil
e uma noites. Um cidadão cortês, prestativo, interessadíssimo no minha
humilde pessoa. Digo-lhe que gostei do blusão assim e assim que está na vitrina
e ele vai, olha qual é, vem, procura na prateleira um semelhante, não encontra.
O que justamente está de amostra é o último.
Fico torcendo para que o número seja o
meu, 46.Faz tempo que ando procurando um blusão daquele tipo, daquela cor,
daquele preço. Decepção é 50.Quando vou dizer "que pena, é muito
grande", o homem já está me tirando o casaco e me vestindo o blusão. Digo
não ainda, é enorme, mas ele não me dá ouvidos.
-- Viu? Olha aí!
Estou olhando, é monstruoso. Sobra pano
nos ombros, nas mangas, nas costas, por todo lado. Eu me sinto
numa casamata. Mas o persistente comerciante tem a coragem muito síria de
dizer que aquilo está bom.
-- Está bom demais: é blusão pra mim e
meus quatro filhos ... – digo, com um risinho.
Ele não quer saber de piadas. Manda que
eu aproveite a oportunidade, pois um blusão daqueles, na verdade, anda custando
o dobro. Não me escuta, prefere me ensinar que hoje um blusão decente se usa
assim mais folgado, é da moda. Como todo respeito, só
um palhacinho de circo usaria um mais justo. Depois, a tendência da
lã é sempre escolher um pouco.
Resisto,
digo que vou pensar. Consigo, as duras penas, sair.
Entro noutra loja, olho, olho, não
tenho sorte. Entro em mais outra, olho, olho, nada parecido com o blusão do meu
gosto. Tento uma terceira, a mesma coisa. Desisto.
Volto ao blusão que já seria meu se
fosse 46.Vou pensando: não ficou tão grande, ficou? Não entendo nada de moda,
mas parece que já ouvi mesmo minha mulher dizer que roupa agora se usa um pouco
mais solta. Será que não ando um pouco antiquado?
Chego e verifico que o blusão está sendo
visto por um freguês e sinto-me como que passado para trás. É um blusão bonito
mesmo, o danado. O novo pretendente é um animal de grande, deve vestir 54, e
ouço-o dizer "que pena, é muito pequeno", mas o turco não lhe dá
ouvidos, diz que hoje um blusão decente se usa assim mais justo, senão o cara, com
todo respeito, fica parecendo um palhacinho de circo. Depois, a
tendência da lã é sempre a de esticar claro.
Saio resignadamente sem blusão, vou
embora ler um pouco das minh'As mil e uma noites.
Novo Diálogo, Língua Portuguesa, 6ª
série, Eliana Beltrão e Tereza Gordilho, FTD
Entendendo a crônica:
01 – A crônica, geralmente,
trata de fatos do cotidiano das pessoas. Nessa crônica, o narrador conta, em 1ª
pessoa, a tentativa de comprar um blusão numa loja.
a)
A quem o narrador-personagem se dirige ao
entrar na loja?
Ele se dirige ao preço do Blusão.
b)
O que acontece quando o narrador pede para
ver o blusão?
O seu atendente procura um blusão 46 e encontra um 50.
02 – No terceiro parágrafo,
o narrador-personagem descreve o dono da loja e a si mesmo.
a)
Especifique os adjetivos que se referem:
Ao
dono da loja: Cortês, prestativo, interessado no
narrador.
Ao narrador-personagem: Humilde pessoa.
b)
O que o narrador evidencia com essa maneira
de construir a descrição?
Nos atendentes das
lojas, sempre simpáticos e prestativos.
03 – O narrador-personagem,
no quarto parágrafo, torce para que o blusão, de que tanto gostou, caiba
nele...
a)
Que ação do dono da loja surpreende o
narrador?
Mesmo o narrador falando que o blusão ficaria enorme o gerente tira
o casaco do cliente vestindo o blusão.
b)
Por que, nesse parágrafo, foram empregadas
aspas em “que pena, é muito grande”?
Porque é uma citação do “narrador-cliente”.
04 – A crônica pode explorar
a crítica, o humor, a ironia.
a)
Copie a(s) frase(s) que, de acordo com o
texto, apresenta(m) um tom irônico.
“Vejo
um blusão de lã e me agrado dele.”
“Fico
torcendo para que o número seja o meu [...].”
“Um
cidadão cortês, prestativo, interessantíssimo na minha humilde pessoa.”
“_ Está bom demais: é blusão pra mim e meus quatro filhos...”
b)
Explique o que dá o tom de ironia às frases
escolhidas por você.
O blusão está tão grande que caberia mais pessoas magríssimas com
ele.
05 – O narrador-personagem
emprega diferentes termos para referir-se ao dono da loja.
a)
Faça uma lista desses termos na ordem em que
eles aparecem na crônica.
Cortês, prestativo, possui coragem Síria, persistente.
b)
Com base nesses termos, o que fica
subentendido sobre o que o narrador-personagem sente em relação ao dono da
loja?
Que é um bom vendedor, insistente e prestativo.
06 – Releia o trecho do
terceiro parágrafo, que descreve como age o comerciante ao saber do interesse
do narrador pelo blusão exposto na vitrine.
a)
Como age o comerciante nesse momento?
Ele age como querendo vender o mais depressa possível o blusão.
b)
Que recursos linguísticos empregados nesse
trecho ajudam o leitor a construir a imagem descrita?
A enumeração de adjetivos usando a vírgula.
07 – Com base no desfecho da
crônica, responda: O que é possível concluir sobre o comportamento do vendedor,
personagem do texto, em relação ao consumidor?
Vendedor: insistente.
Personagem: implicante.
Consumidor: sempre levado pela “lábia” do
vendedor.
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