Conto: Caso
de secretária
Carlos Drummond de Andrade
Foi trombudo para o escritório. Era dia
de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima
alusão à data. As crianças também tinham se esquecido. Então era assim que a
família o tratava? Ele que vivia para os seus, que se arrebentava de trabalhar,
não merecer um beijo, uma palavra ao menos!
Mas, no escritório, havia flores à sua
espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia
muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. Era mais do que
uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até
então a considerara; era um coração amigo.
Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocoxô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver.
Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocoxô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver.
Durante o dia, a secretária redobrou de
atenções. Parecia querer consolá-lo, como se medisse toda a sua solidão moral,
o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis, e o ditado da correspondência
foi entremeado de suaves brincadeiras da parte dela.
--- “O senhor vai comemorar em casa ou
numa boate?”
Engasgado, confessou-lhe que em parte
nenhuma. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar
por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe.
--- “Se o senhor quisesse, podíamos
jantar juntos”, insinuou ela, discretamente.
E
não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida – o
pessoal lá em casa pouco está me ligando -, teria horas amenas, em companhia de
uma mulher que – reparava agora – era bem bonita.
Daí por diante o trabalho foi nervoso,
nunca mais que se fechava o escritório. Teve vontade de mandar todos embora,
para que todos comemorassem o seu aniversário, ele principalmente. Conteve-se
no prazer ansioso da espera.
– Onde você prefere ir? – perguntou, ao saírem.
– Se não se importa, vamos passar
primeiro no meu apartamento. Preciso trocar de roupa.
Ótimo, pensou ele; faz-se a inspeção
prévia do terreno e, quem sabe?
–
Mas antes quero um drinque, para animar – ela retificou. Foram ao drinque, ele
recuperou não só a alegria de viver e de
fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do braço.
fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do braço.
No apartamento, ela apontou-lhe o
banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele
poderia entrar no quarto, não precisava bater – e o sorriso dela, dizendo isto,
era uma promessa de felicidade.
Ele nem percebeu ao certo se estava se
arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram,
querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação.
Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. Lá dentro, sua mulher e
seus filhos, em coro com a secretária, esperavam-no atacando “Parabéns para
você”.
Carlos Drummond de
Andrade. Poesia e Prosa,
Rio de Janeiro, Nova
Aguilar, 1988.
Entendendo o conto:
01 – Considerando as
diferenças que existem entre o conto e a crônica, responda:
a)
A qual classificação lhe parece corresponder
o texto lido? Justifique.
O texto lido parece ser uma crônica, já que nele predomina a leveza,
ou seja, o descomprometimento com intenções que transcendam os fatos narrados.
b)
Que característica fundamental existente no
texto é comum tanto ao conto quanto à crônica?
O fato de se
tratar de uma narrativa curta.
02 – Transcreva o trecho do
texto em que reside o seu clímax, explicando a resposta escolhida.
Trata-se de parte
do último parágrafo: “Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se
desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar
quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da
roupa incômoda, abriu a porta do quarto”.
Este trecho pode ser considerado o clímax
do texto, na medida em que nele chega ao auge a expectativa do protagonista (e
do leitor) de que haja uma aventura entre ele (o protagonista) e a secretária.
03 – Considerando o enredo da narrativa, responda:
a)
Que história o leitor imagina que será
contada?
A história de um
adultério de um chefe de família com sua secretária.
b)
Que história, de fato, é contada?
A história da
surpresa que uma família faz a seu chefe, no dia de seu aniversário.
c)
Que elemento do enredo permite perceber a
diferença entre o que se diz em a e b, tornando interessante e envolvente a leitura
do texto.
Trata-se de seu desfecho inesperado.
04 – O título do texto sugere alguns sentidos. Quais?
Primeiro: “caso”
se refere a um episódio corriqueiro, cotidiano, narrado por uma “secretária”
(agente da ação central do texto);
Segundo: um caso (amoroso) vivido por uma
secretária (com o seu chefe).
05 – Sabemos que a principal
matéria-prima do texto narrativo é o fato, o acontecimento, razão pela qual
nele predominam os verbos de ação, os quais se combinam com elementos descritivos.
A partir de tais informações, aponte pelo menos uma frase narrativa e uma frase
descritiva nos dois parágrafos iniciais da história.
1º parágrafo:
Frase narrativa: “Foi trombudo para o escritório”.
Frase descritiva: “Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o
abraçara…”;
2º
parágrafo:
Frase narrativa: “Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a
mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária…”.
Frase descritiva: “Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e
eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração
amigo”.
06 – No trecho – “Pois então
uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada?
Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver” -,
que tipo de discurso predomina? Por quê?
O tipo de
discurso predominante no referido trecho é o indireto livre, pois nele há um
obscurecimento de fronteiras entre a voz do narrador e a do protagonista.
Texto perguntas e respostas!!!
ResponderExcluirQual o conflito ?
ResponderExcluirApresentaçao
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