CRÔNICA: SOU O QUE SOU
Antonio Prata
De repente, aquela
garota ficou com uns quilinhos a mais e, por isso, se nega a sair com os amigos
enquanto não emagrecer. Já um desses amigos, que é apaixonado por ela, sente-se
cada vez mais feio e isolado porque o rosto se encheu de espinhas e o nariz não
para de crescer. Cada um em seu canto, os dois têm um sonho em comum: ser o que
não são. Ela gostaria de ser a Gisele Bundchen, e ele, o Rodrigo Santoro. Como
seria se eles fossem eles mesmos?
O autor, numa crise de
autoestima (e de autocrítica) – quem não passa por isso?
Tá bom, eu admito. Não
adianta negar, fingir é inútil, de nada vale lutar contra os fatos. Uma hora na
vida a gente tem que assumir, se contentar com o que tem, olhar diante do
espelho e aceitar o que ele nos devolve: sou fofo mesmo, e daí?
Se pudesse escolher, eu
não seria. Queria ser um cara irresistível, musculoso, alto, desses que fazem
as mulheres suspirarem quando passam e cochicharem, vermelhinhas: “Nossa, que
homem!” Eu as esnobaria, as trataria mal. E elas sempre voltariam aos meus
braços, claro.
Infelizmente, a natureza não
me deu os traços, os bíceps, a altura, a voz e outros requisitos necessários
para me candidatar a um cargo de Rodrigo Santoro, de Du Moscovis ou Clint
Eastwood na juventude. (Sim, meninas, aquele “tiozinho” de A menina de Ouro foi
um dos maiores galãs de faroeste.) Não bastassem as deficiências genéticas, uma
boa educação acabou de vez com a possibilidade de uma personalidade canalha,
uma postura cafajeste ou, mínimo, uma arrogância esnobe.
Assim sendo, tive desde cedo
que apelar para técnicas mais complexas de persuasão, como a gentileza, o bom
papo, as piadas e outras compensações. E não tardou, tendo trilhado com esforço
esse caminho, para começar a ouvir os primeiros: “Ai, você é muito fofo”!
No começo eu achava.
Reclamava, soltava uns palavrões, dava uma ou duas cusparadas no chão, fechava
a cara. Digamos que, diante da possibilidade de ser visto como ursinho de
pelúcia, eu afastava quaisquer equívocos apertando a opção “Conan, o Bárbaro”
do meu batcinto. Nesses momentos eu preferia ser visto como um tijolo, uma
alface ou uma lista telefônica a ser visto como um (argh!) fofo.
Aos poucos, no entanto, fui
vendo que ser fofo não era o fim do caminho. Não seria necessário entrar numa
clínica de recuperação (FA, Fofos Anônimos) ou numa academia de ginástica.
Havia mulheres que valorizavam um bom “fofo”. Havia até aquelas que, pasmem!
Queriam namorar um “fofo”. Já faz alguns anos que estou “trabalhando” esse meu
lado, aprendendo a ser fofo e não ter vergonha disso. Hoje, como vocês estão
vendo, posso falar em público sobre isso, sem ficar vermelho. Não se iludam, se
pudesse escolher, nascia de novo com 1,85 m, jaqueta de couro, barba por fazer,
bronzeado e com voz de dublador de protagonista em filme de ação. Mas a opção,
infelizmente, não existe. O que me resta é não só aceitar a (ai, que horror)
“fofura” em mim supostamente contida, como, mais ainda, tentar acentuá-la. Como
neste texto aqui, em que exponho minhas fraquezas, frustrações e angústias a
todas vocês. Modéstia e orgulho à parte, não é uma atitude fofa?
Antônio Prata. Capricho, No 966.
Entendendo o texto:
01 – O subtítulo do texto faz referência a uma “crise de autoestima (e
de autocrítica)” do autor.
a) Quando escreveu o texto, o autor estava com a autoestima alta ou
baixa? Por quê?
Professor: Abra a discussão com a classe.
Sugestão: Sob certo ponto de vista, estava baixa, porque ele admite que é e vai
continuar sendo “fofo”, embora não seja essa sua opção. Por outro lado, consegue
tirar proveito da “fofura”, o que mostra que a autoestima dele não está tão
baixa.
b) Em que consiste a autocrítica que ele faz no texto?
Em valorizar os aspectos positivos da
fofura e, ao mesmo tempo, fazer uma confissão a respeito dos reais motivos que
o levaram a trilhar o caminho da fofura.
02 – No 1º parágrafo, o autor admite que é fofo.
a) Em que sentido ele emprega essa palavra nesse contexto?
Com o sentido de gordo, obeso.
b) Apesar de admitir que é fofo, ele convive bem com a ideia de ser
assim? Comprove sua resposta com palavras do texto.
Não, pois chega a afirmar, no 2º
parágrafo: “Se pudesse escolher, eu não seria [fofo]”.
03 – No 2º e no 3º parágrafos, o autor revela o perfil de homem que
reconhece ser ideal para agradar às garotas: forte, bonitão, esnobe e um pouco
“canalha”.
a) Levante hipóteses: Qual é a origem desse modelo de homem ideal?
A televisão, os filmes e as propagandas.
b) De acordo com o 3º parágrafo, por que o autor não corresponde às
exigências físicas desse perfil?
Por razões genéticas, ou seja, não nasceu
com tipo físico para ser um galã.
c) E por que seria incapaz de ter uma postura “canalha” com as
mulheres?
Porque teve uma boa educação e não
conseguiria ser esnobe e canalha com as mulheres.
04 – No 4º parágrafo, o narrador cita algumas técnicas que usa para
persuadir as garotas, como a gentileza, o bom papo, as piadas, etc. Graças a
elas, começou a ouvir: “Ai, você é muito fofo!”.
a) Levante hipóteses: Por que ele considera essas técnicas “mais
complexas”?
Porque elas exigem um empenho maior da
pessoa, que tem de se esforçar para agradar. Professor: Aproveite para
contrapor as duas “técnicas”: por oposição, depreende-se que, para o autor, ter
beleza física equivalente a uma “técnica simples”, ou seja, não é preciso fazer
nenhum esforço.
b) Em que sentido a palavra fofo é empregada nesse
novo contexto?
Com o sentido de pessoa cativante,
simpática, encantadora, educada, inteligente, engraçada, etc.
c) Por que então o autor reclamava, xingava, etc.?
Porque essa palavra o fazia lembrar-se de
suas características físicas.
d) Como você entende o trecho “eu afastava quaisquer equívocos
apertando a opção Conan, o Bárbaro do meu batcinto”?
Ele dá a entender que, como num passe de
mágica, deixava sua postura simpática e transformava-se num ser grosseiro,
quase medieval.
05 – No último parágrafo, o autor diz estar “trabalhando” o seu lado
“fofo” há anos. Por isso, não só aceita sua fofura, mas também a acentua ainda
mais.
a) Se o autor está “trabalhando” seu lado “fofo”, por que então diz
“Não se iludam” e afirma que, se pudesse escolher, nasceria de novo com 1,85 m,
jaqueta de couro, barba por fazer, etc.?
Ele assume sua fofura, mas não a aceita
completamente, ou aceita por condição, não por opção. Para ele, ainda que
aceite, seria muito mais fácil ter nascido galã.
b) Para ele, escrever o texto lido é uma forma de acentuar seu lado
“fofo”. Explique por quê.
Porque,
ao escrever sobre sua própria fofura, ele não procura disfarça-la. Ao
contrário, ao transformá-la no tema de um texto publicado numa revista, ele a
acentua e, além disso, torna-se uma pessoa conhecida e considerada “bem
resolvida” com sua fofura.
06 – É muito comum em nossa língua a expressão modéstia à parte.
Na última frase do texto, entretanto, o autor diz: “Modéstia e orgulho à parte,
não é uma atitude fofa”?
a) Que novo sentido traz essa alteração?
Ao introduzir a palavra orgulho na
expressão modéstia à parte, o autor revela que está orgulhoso por ter tido a
coragem de falar publicamente de sua fofura; e essa coragem, assim como a
humildade, revela-se como mais uma qualidade dele.
b) Com que sentido foi empregada a palavra fofa nessa
frase?
Entre outras possibilidades, com o
sentido de “corajosa, inteligente, prudente, esperta”.
c) Entre a frase final do texto e o título, houve uma mudança?
Sim, o título sugere que ele quer fugir
da fofura, ao passo que a frase final sempre sugere que ele a assume.
d) O subtítulo sugere que o texto foi escrito numa “rise de
autoestima”. Na sua opinião, o autor conseguiu sair dessa crise? Justifique sua
resposta.
Sim, por sua autoestima melhorou, já que
termina falando em “modéstia” e “orgulho” e consegue extrair vantagens de sua
condição de fofo.
Nota 10 em
ResponderExcluirmt obgd
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