ARTIGO DE OPINIÃO: O
PARADOXO DA MISÉRIA
Ricardo Mendonça
O Brasil é o mais rico entre os países com maior número de pessoas miseráveis.
Isso torna inexplicável a pobreza extrema de 23 milhões de brasileiros, mas
mostra que o problema pode ser atacado com sucesso.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, os
miseráveis representavam, 25 anos atrás, alguma coisa em torno de 17% da
população. O índice mais recente divulgado pelo mesmo instituto informa que a
taxa de miséria está em 14,5%. Trata-se de uma queda muito pequena diante do
amadurecimento social, econômico e político registrado no período. Queda
proporcional, diga-se, pois em números absolutos o número de desamparados,
incapazes de sair de sua situação sem ajuda, aumentou. Eram cerca de 23 milhões
hoje.
Miséria é palavra de significado impreciso, como de resto a maior parte dos
termos que se referem à camada menos favorecida da sociedade. O que exatamente
quer dizer “pobreza” ou “indigência”? Como identificar um pobre? Como ter
certeza de que existem 14,5% de miseráveis, e não 10% ou 20%? Não haveria
subjetividade demais nessas estatísticas? Em geral, cada um percebe a miséria
por sua experiência pessoal, como definiu a americana Mollie Orshansky, uma das
maiores especialistas no assunto: “A pobreza, tal qual a beleza, está nos olhos
de quem a vê”. Para efeito estatístico, no entanto, os estudiosos chegaram a
uma definição quase matemática sobre o que são miséria e pobreza. Conseguiram
estabelecer duas grandes linhas. Uma delas é a linha de pobreza, abaixo da qual
estão as pessoas cuja renda não é suficiente para cobrir os custos mínimos de
manutenção da vida humana: alimentação, moradia, transporte e vestuário. Isso
num cenário em que educação e saúde são fornecidas de graça pelo governo. Outra
é a linha de miséria (ou de indigência), que determina quem não consegue ganhar
o bastante para garantir aquela que é a mais básica das necessidades: a
alimentação. No caso brasileiro, há 53 milhões de pessoas abaixo da linha de
pobreza. Destas, 30 milhões vivem entre a linha de pobreza e acima da linha de
miséria. Cerca de 23 milhões estariam na situação que se define como indigência
ou miséria.
Reforçando, para evitar confusão: a pobreza no Brasil é formada por dois
grandes grupos. Há 30 milhões de pessoas vivendo com extrema dificuldade, donas
de uma renda mensal per capita inferior a 80 reais. E há mais 23 milhões que
vivem ainda em pior situação, sobrevivendo de maneira primitiva. Não ganham
dinheiro bastante para comprar todos os dias alimentos em quantidade mínima
necessária à manutenção saudável de uma vida produtiva – ou seja, algo em torno
de 2000 calorias. [...] Esse é o chamado flagelo social. [...]
[...]
[...] Segunda o último estudo disponível sobre o assunto, realizado pelos
técnicos da Organização das Nações Unidas, existem 830 milhões de miseráveis no
planeta. [...]
Com seus 23 milhões de miseráveis, o Brasil representa 3% do problema mundial.
Pode parecer pouco. [...] Um mergulho qualitativo sobre a questão dá a devida
coloração à situação brasileira. Para isso, tome-se o ranking dos países com
renda per capita semelhante à brasileira. São eles México, Bulgária, Chile e
Costa Rica. Sabe qual tem taxa de pobreza equivalente à brasileira? Nenhum. O
pior deles, a Costa Rica, tem proporcionalmente pouco mais da metade do número
de pobres do Brasil. As comparações internacionais trabalham com a certeza de
que todos os países revelam dados confiáveis. Pode-se olhar a questão sob outro
prisma, mas nem por isso o quadro fica menos dramático.
Observe-se o ranking dos países segundo o porcentual da população vivendo
abaixo da linha de pobreza. Onde está o Brasil? Está ao lado de Botsuana,
República Dominicana, Mauritânia e Guiné. Ocorre que, entre nossos “colegas de
fome”, digamos assim, a renda per capita varia entre 15% e metade da renda
brasileira. Ou seja, não importa de que ângulo se olhe, o Brasil é hoje o país
mais rico do mundo com a maior taxa de pobreza. A isso se chama injustiça
social.
[...]
[...]
O Brasil aparece todos os anos nas listagens internacionais como um dos países
com maior concentração de renda do planeta. Significa dizer que, apesar de não
se tratar de uma nação pobre, perpetua-se um fosso gigantesco entre a base e o
topo da pirâmide. No país mais rico do mundo, os Estados Unidos, a diferença de
renda média entre os 20% mais pobre e os 20% mais ricos é de oito vezes. Na
Alemanha, ela é de seis vezes. Nas nações do Terceiro Mundo, a conta é mais
desigual, mas nada se compara ao Brasil. No Chile, a diferença é de dezoito
vezes e na Guatemala, de trinta. Pois bem: em solo pátrio, essa diferença é de
33 vezes. Numericamente, isso pode ser traduzido de outras formas: 1% da
população, a parcela mais rica, detém a mesma quantidade de recursos que os 50%
mais pobres. Outro modo de ver esse problema é tomando como base os 10% mais
ricos. Juntos, eles concentram metade da renda nacional.
Veja, n 3,23 jan. 2002, p. 82-93.
Entendendo
o texto:
01 –
Analise as observações que o jornalista faz sobre o índice miseráveis no
Brasil, na parte inicial do texto.
a) O
jornalista informa que o índice de miseráveis no Brasil era de aproximadamente
17% “25 anos atrás”; atrás de que ano?
Atrás de 2002, ano de publicação da
reportagem. O objetivo é levar o aluno a buscar o significado de referências
contextuais.
b) Segundo o
jornalista, a queda de 17% para 14,5% no índice de miseráveis no Brasil, no
período de 25 anos, foi “muito pequena”: pequena em relação a quê?
Pequena em relação ao desenvolvimento
social, econômico e político no mesmo período.
02 – O
jornalista discute o significado da palavra miséria.
a) Miséria
é “palavra de significado impreciso”; explique por quê.
Porque não tem um significado único,
exato, certo.
b) Explique a
frase: “A pobreza, tal qual a beleza, está nos olhos de quem a vê”.
O significado de pobreza e de beleza
varia de pessoa para pessoa; cada pessoa tem um conceito próprio de pobreza e
de beleza; o que é pobreza ou beleza para uma pessoa pode não ser para outra.
03 –
Referindo-se às estatísticas sobre número e porcentagem de miseráveis no
Brasil, o jornalismo pergunta:
“Não haveria subjetividade demais nessas estatísticas?”
a) Que
subjetividade poderia haver nas estatísticas?
Estarem fundamentadas num conceito
pessoal, subjetivo de miséria, de pobreza; apresentarem números dependentes de
uma definição pessoal, subjetiva de pessoas pobres ou miseráveis.
b) De que forma é
evitada a subjetividade nas estatísticas sobre a miséria e a pobreza?
Estabelecendo uma definição quase
matemática de miséria e pobreza.
04 – As
estatísticas estabelecem uma diferença entre miséria e pobreza; qual é a
diferença?
Pobreza é a situação de pessoas que não tem renda suficiente para garantir as
necessidades básicas de alimentação, moradia, transporte e vestuário; miséria é
a situação de quem não tem condições de garantir nem mesmo a alimentação.
05 – O
número de miseráveis no Brasil representa 3% do número de miseráveis que há no
mundo; segundo o jornalista, isso pode parecer pouco em quantidade, mas, em
qualidade, não é pouco.
Identifique
e escreva, em seu caderno, as frases que, entre as seguintes, expressam as
justificativas em que o jornalista fundamenta essa afirmação:
- Ter 3%
dos miseráveis do mundo significa ter 23 milhões de miseráveis, o que não pode
ser considerado pouco.
- Em
países em que a renda per capita é semelhante à brasileira, o número de pobres
é menor.
- há
países em que a taxa de pobreza é semelhante à brasileira, embora a renda per
capita seja menor.
- O fato
de haver um número muito grande de miseráveis no mundo não diminui a gravidade
do problema brasileiro.
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