TEXTO:
HERÓIS DO NOSSO TEMPO
(Rachel
de Queiroz)
Além
dos erros, enganos e recados, aí está a TV possibilitando a comunicação
A gente costuma falar mal da televisão e, na verdade, temos
muito motivo para isso. Ao mesmo tempo há que reconhecer os méritos óbvios
desse insuperável veículo de comunicação, há o milagre eletrônico que ele
representa.
Mas há outros méritos de que se fala pouco e, no entanto, estão
sempre visíveis e diários. Por exemplo, o acesso à informação e à comunicação,
aberto a qualquer tipo de pessoa, por mais humilde que seja, por mais distante
que viva. Note-se, especialmente depois que se inauguraram esses programas de
consulta popular, em que o repórter sai pela rua, interpelando o transeunte a respeito
de qualquer problema da comunidade. Chega a haver muita gente que, não apenas
não se esquiva, mas até sai ansiosa à procura da moça do microfone, para dar o
seu recado a respeito do que ela quer ou teme, do que sofre, do que precisa, do
que a atormenta ou revolta. O libertador desabafo. Isso só a TV pode
fazer.
É a comunicação direta e indireta — ao vivo — entre a pessoa da
rua ou da favela, ou da enchente, ou da seca, ou da selva amazônica e o resto
da população. Gente até então sepultada no anonimato, que se diria inviolável
e, de repente, aparece à luz do sol, para dezenas de milhões de brasileiros
seus irmãos e mostra a sua face, diz que está viva, que tem um coração no peito
batendo igual ao teu, que da sua boca podem sair palavras de sabedoria,
importantes pedidos de socorro e — por que não? — até brados de revolta.
Esse, um dos triunfos da TV: dar imagem e voz aos que
ninguém pensava que tinham rosto ou soubessem falar. Essas meninas, esses
rapazes que, com seu microfone e a sua câmera, saem pelos cafundós do sertão ou
pelas selvas de pedra das cidades, são mesmo os heróis do nosso tempo. Passou a
fase pioneira em que o repórter fazia as suas entradas por mata e rio apenas
como esportista aventureiro. Hoje, eles têm sua função social, dirigem- -se a
um ponto específico, informando acerca de cada circunstância específica. Com a
atual expansão das redes nacionais de TV, mal acontece um fato social
importante — calamidade ou descoberta de ouro — há sempre uma equipe deles
próximo ao local, onde é necessária para o indispensável testemunho.
Outro mérito da moderna TV: a democratização do acesso à
comunicação, através de certos programas de auditório, especialmente as
chamadas “mesas-redondas”. Numa mesma mesa-redonda podem estar presentes, ombro
a ombro, o alfa e ômega da sociedade. Num programa sobre higiene sanitária
comparecem tanto o cientista de renome internacional quanto o representante dos
lixeiros, debatendo os problemas de sua especialidade. Uma princesa e uma
favelada, uma estrela de teatro e um figurante, todos com direitos à
intervenção e ao debate.
Perdoem-se, portanto, à TV os seus grandes e vários pecados, por
amor do muito que ela também pode fazer. Aquela câmera que fotografa em ângulo
escandaloso os remelexos da sambista pode ser a mesma câmera que, ao lado dos
bombeiros, se afunda pelas crateras dos desmoronamentos e dá a identidade das
vítimas e pede com urgência socorro.
Ah, meninas e rapazes que, às vezes, nos impacientam um pouco
quando disparam aquela ingênua, infalível e impiedosa pergunta: “Como é que
você se sente vendo seu filho assassinado, ou seu barraco em chamas, ou seu pai
sequestrado, ou sua mãe sumida debaixo dos escombros?”
Eles não perguntam por mal. São tão jovens que nunca passaram por
experiência assim terrível; e querem realmente saber o que acontece com outro
ser humano, atingido pela desgraça, daquela forma esmagadora.
(O Estado de São Paulo, São Paulo, 15 mar. 1988).
Vocabulário:
- alfa –
primeira letra do alfabeto grego
- anonimato –
desconhecido
- cafundó –
lugar distante
- escombro –
ruína, destroço
- esquivar-se –
escapar, livrar-se
- interpelar –
perguntar, questionar
- mérito –
valor, importância
- ômega –
última letra do alfabeto grego.
Entendendo
o texto:
01 – O texto
menciona algumas pessoas e destaca-as como “heróis do nosso tempo”. Estas
pessoas são:
A – (X)
os câmeras e os repórteres.
B – ( ) os apresentadores de tevê.
C – ( ) os esportistas aventureiros.
D – ( ) as vítimas dos desabamentos.
E – ( ) os transeuntes em geral.
02 – As opções
abaixo apresentam diferentes méritos da televisão, exceto:
A – ( ) Permite que a informação chegue a diferentes lugares independentemente
da distância.
B – ( ) Leva ao debate assuntos específicos e de interesse da sociedade em
geral.
C – ( ) Torna o acesso à comunicação mais democrático.
D – (X)
Conta apenas com profissionais bastante experientes em suas transmissões.
E – ( ) Transmite os acontecimentos em tempo real.
03 –
Indique o vocábulo cuja acentuação gráfica pode ser justificada tanto pela
regra dos proparoxítonos quanto pela regra dos hiatos:
A – ( ) óbvios
B – (X)
veículo
C – ( ) visíveis
D – ( ) heróis
E – ( ) específico
Que tipo de texto é esse?
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