CONTO: O ESPETO
Fazia um frio de
rachar pedras.
Acendeu-se uma
grande fogueira e cada um tratou de chamuscar o seu pedaço de carne.
Eu saí a procurar um espeto para o meu
assadinho. A noite era muito escura, mas graças ao clarão da fogueira descobri
uma pequena reboleira de mato, ali perto. Aproximei-me e quando ia cortar um
galho qualquer, caiu-me ao chão a faca, abaixei-me para apanhá-la dentre as
ervas, e com tal sorte, que ao lado dela encontrei um pedaço de pau tal e qual
como eu queria: duma meia braça, grossinho, liso, e o que mais é, já com a
ponta feita.
Por certo que seria um espeto já pronto que
algum dos camaradas perdera; melhor para mim! E ainda bati com ele no chão
para limpá-lo duns capins secos, e terra que estava pegada.
Voltando,
atravessei o meu churrasco no meu espeto achado, e finquei-o na beirada do
fogo.
Vinha clareando o
dia.
Por toda a
parte branqueava a geada, alta de dois dedos, geada farinhenta, que é a mais
fria de todas. Estava eu um pouco arriado, conversando, quando um cabo, baiano,
que viera acender o cigarro numa brasa, gritou, olhando para o chão, admirado:
– Olha o assado com o espeto, cadete
Romualdo, que vai-se embora! …
Julguei que era
algum gaiato que pretendia furtar-me o churrasco; mas o baiano repetiu:
– Acuda, seu cadete, que o assado vai
de trote! …
Corri, e que vi? …
O churrasco, sim
senhor, borrifado de salmoura, já chiando na gordura, que ia andando pelo chão…
dava a ideia de um cágado sem pernas, mas de cabeça e cauda mui compridas! …
Acudiram então
outros rapazes, muitos, quase todos; e todos viram o churrasco arrastando-se,
fugindo da fogueira.
Então rompeu o
sol. Foi quando se pôde verificar a cousa: o espeto era uma cobra!
J. Simões Lopes Neto, Casos do Romualdo. Porto
Alegre, Editora Globo, 1973.
Vocabulário:
Reboleira – grupo de
arbustos
Meia braça – medida antiga
equivalente a 1 metro e dez centímetros (1,10 m)
Arriado – abaixado,
acocorado, agachado
Cabo – militar superior
ao soldado
Cadete – estudante
militar
Gaiato – brincalhão,
travesso
De trote – depressa, rapidamente.
Entendendo o texto:
01 – Romualdo é uma personagem criada
pelo escritor gaúcho J. Simões Lopes Neto. Sua especialidade é contar casos
diversos, sempre exagerando a verdade… Nesse texto, Romualdo aparece no tempo
da Guerra do Paraguai (entre 1865 e 1870), fazendo parte de um regimento. Que
posto ocupava Romualdo?
Cadete.
02 – Embora fizesse muito frio
naquela noite, Romualdo afastou-se da fogueira. Por quê?
Porque precisava providenciar um espeto.
03 – Romualdo ia cortar um galho para
fazer um espeto, mas não cortou. Por quê?
Porque,
ao pegar a faca que caíra, achou um pedaço de pau como queria.
04 – Quando o cabo baiano gritou
admirado que o assado com os espeto ia-se embora, Romualdo correu para perto da
fogueira. Que cena presenciou?
O assado já chiando na gordura ia andando
pelo chão, fugindo da fogueira.
05 – O acontecimento só se esclareceu
quando rompeu o dia. O que havia acontecido?
Como estava escuro, Romualdo encontrara
um pau, mas na verdade era uma cobra congelada e a usou como espeto. No calor
do fogo, ela descongelou-se e fugiu levando a carne que estava espetada no seu
corpo.
06– É característica de Romualdo
apresentar testemunhas dos casos que conta. Isso acontece nesse texto?
Explique.
Sim. Ele cita o testemunho de quase todos os companheiros.
ideias muito boas de como usar espetos artesanais em SP.
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