sábado, 3 de fevereiro de 2018

FÁBULA: O HOMEM QUE INVENTOU A RODA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

FÁBULA: O HOMEM QUE INVENTOU A RODA
                   MOACYR SCLIAR

    Primeiro foram os operários menos especializados, depois os mais especializados, e por fim chegou a vez dos executivos: Helmuth Mayer foi despedido da fábrica de automóveis onde trabalhava. Tratava-se de um administrador competente e criativo, mas, como disse o diretor, era necessário provar que nem mesmo os altos escalões estavam imunes e assim mandaram-no embora. 

        Ao receber a notícia de sua demissão Helmuth Mayer não disse nada. Entrou em seu carro, ligou a máquina e tomou o rumo de casa...
        Tomou o rumo de casa, mas não chegou lá. No caminho aconteceu-lhe uma coisa muito estranha. Deteve-se numa esquina e de repente esqueceu que marcha tinha de engatar para arrancar. Pior: nem sabia para que servia a alavanca de câmbio, nem o volante, nada. Um caso de amnésia traumática, naturalmente, mas Helmuth Mayer não sabia que isso existia, ou se sabia, tinha esquecido também. Tinha esquecido tudo. Não se sentia mal por causa desta situação: um pouco esquisito, apenas. Mas alegre, como se tivesse bebido algo delicioso e inebriante. Buzinavam furiosamente atrás dele. Não deu importância aos vociferantes motoristas: abriu a porta do carro e saiu andando, sem destino. Lá pelas tantas deu-se conta de que carregava sua pasta de executivo; mas como tal objeto já não lhe significava nada, e era pesado, jogou-o fora. E também se desfez do paletó e da gravata, porque fazia calor.
        Caminhando sempre, chegou ao limite da cidade, embrenhou-se pelo mato e foi indo, até que já não avistava nenhum vestígio da civilização. Naquela noite, dormiu ao relento. No dia seguinte, livrou-se das roupas; sentia-se melhor sem elas. Teve fome; movido por puro instinto, comeu umas frutinhas, aliás muito gostosas. E movido por este instinto foi sobrevivendo. Nos dias que se seguiram aprenderia a pescar e a caçar e até a plantar alguma coisa. A família procurou-o desesperada, mobilizando polícia, amigos, detetives particulares. Não o encontrando, concluíram que se tinha suicidado e desistiram de procurá-lo. Com o tempo, todos acabaram por esquecê-lo.
        Helmuth, entretanto, vivia feliz. Ele não sabia que era feliz, porque tinha esquecido o significado desta palavra, de todas as palavras, mas era feliz. 
        Até que um dia fez uma roda.
        Isso mesmo: trabalhando com seu machado de pedra num tronco roliço, fez uma roda. Não sabia que aquilo se chamava roda, mas gostou da coisa porque rodava. Aí lhe ocorreu fazer um orifício na roda e colocar um eixo. Um pouco mais adiante já tinha as quatro rodas, estava pensando no chassi e no motor. E de repente se lembrava do nome das coisas: roda, chassi, motor.
        Foi então que começou a desconfiar que aquela coisa podia não dar certo. Mas agora ia adiante. Já que tinha começado ia adiante. E ficou pensando em quem botaria na rua quando tivesse sua fábrica de automóveis.
                                 
                                                                                     Moacyr Scliar             
                          Folha de S. Paulo, domingo, 4 de outubro de 1981

Entendendo o texto:
01 – Primeiro foram os operários menos especializados, depois os mais especializados, e por fim chegou a vez dos executivos: Helmuth Mayer foi despedido a fábrica de automóveis onde trabalhou. Tratava-se de um administrador competente e criativo, mas, como disse o diretor, era necessário provar que nem mesmo os altos escalões estavam imunes e assim mandaram-no embora.
        O tópico frasal é a ideia central do parágrafo. Podemos identificar o tipo do tópico frasal no texto como:
a)   Declaração inicial.
b)   Alusão / citação.
c)   Definição.
d)   Divisão.
e)   Interrogação.
02 – Por que a fábrica de automóveis demitiu vários funcionários, desde o menos especializado até o administrador?
      Provavelmente devido a recessão econômica, tiveram que frear a produção e reduzir pessoal.

03 – Segundo o texto Helmuth Mayer após receber a notícia de sua demissão sofreu o quê?
      Teve uma amnésia traumática.

04 – Lendo o texto podemos perceber que Helmuth Mayer sofreu um forte impacto com a notícia de sua demissão. No caso dele, a amnésia que sofreu trata-se apenas do esquecimento de um episódio?
      Não. Ele teve a perda de identidade. Isso pode durar desde algumas horas até anos. Nestes casos a pessoa pode até mesmo criar uma nova identidade, uma nova família.

05 – O que é amnésia?
      A conceituação mais clássica é aquela elaborada por Kopelman, que define a doença como um estado mental patológico no qual a memória e o aprendizado são afetados em proporção muito maior que as demais funções cognitivas, como percepção, atenção e linguagem.

06 – Você já viu ou conversou com uma pessoa em situação de rua e percebeu que o mesmo teve vínculos familiares que foram interrompidos?
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Em 2005, foram conceituadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social como os fatores intrínsecos à condição de rua e constam na Política Nacional para a população em situação de rua. Qual o número do decreto?
      Decreto n° 7053 de 2009.



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