sábado, 17 de fevereiro de 2018

CRÔNICA: A CONSULTA - DOMINGOS PELLEGRINI - COM GABARITO

           CRÔNICA: A CONSULTA 
                                 Domingos Pellegrini


  Doutor: Bom dia. (Examina rapidamente a ficha de Coitado, que uma      secretária trouxe) Coitado de Tal – confere, seu Coitado?
        Coitado: Sou eu mesmo, doutor.
        Doutor: Quarenta e dois anos, casado, rua 1º de Maio – confere?
        Coitado: Confere, doutor, sou eu mesmo.
        Doutor: Porque tem muito Coitado de Tal no fichário, pode confundir.
        Coitado: Mas por falar em coitado, doutor, eu vim aqui porque…
      Doutor: O senhor pode ficar à vontade. (Faz Coitado sentar ao lado de uma máquina registradora) Muito bem, vamos com isso – o que é que o senhor sente, seu Coitado?
      Coitado: Bom, doutor, eu sinto que estou morrendo.
     Doutor: (Vai anotando na ficha) Muito bem, então o senhor sente que está morrendo. Todo dia, seu Coitado?
        Coitado: Todo dia, doutor. Tem dia que eu acho até que já morri, de tanta dor e fraqueza.
        Doutor: (Anotando) Acha que já morreu, muito bem. O senhor precisa ver um médico da cabeça, seu Coitado, um psiquiatra. Vou dar o endereço de um para o senhor. (Aciona a manivela da caixa registradora, tira um cartão da gaveta) O senhor entregue a ele este cartão, diga que fui eu quem mandei.
        Coitado: Muito obrigado, doutor – mas o senhor acha que o caso é na cabeça?
        Doutor: Não se incomode, seu Coitado, que o senhor já morreu. Mas me diga: e a urina?
        Coitado: Pois é, doutor, a urina…
        Doutor: Era o que eu pensava – vou indicar pro senhor um especialista em urina, um urologista. (Retira mais um cartão da registradora, entrega a Coitado) E as tonturas, seu Coitado?
        Coitado: Que tontura, doutor?
        Doutor: O senhor não disse que sente umas tonturas?
        Coitado: Deve ter sido outro coitado, eu não, doutor.
        Doutor: O senhor não deve esconder nada do médico, eu estou aqui para ajudar o senhor.
        Coitado: Pois é, doutor, mas…
    Doutor: Se o senhor me sonega alguma informação eu não posso estruturar o quadro clínico simplesmente porque foi solapada a anamnese, e o levantamento sindromático é base do quadro clínico. Toda a moderna medicina está pautada no relacionamento médico-paciente, entre os quais a confiança é fundamental.
        Coitado: O senhor tem razão, doutor, eu… eu não sabia que estava tão ruim.
        Doutor: Então só me responda sim ou não, por favor.
        Coitado: Tá certo, doutor, mas é que com tanta pergunta eu fico até meio tonto…
        Doutor: Ah! Que tipo de tontura, seu Coitado?
        Coitado: O senhor quem sabe, ué, doutor.
        Doutor: Não, não sei, seu Coitado, isto requer um especialista – vou indicar para o senhor um ótimo neurologista. (Retira um cartão da registradora, entrega a Coitado) E o apetite vai bem?
        Coitado: O meu, doutor? Nem me fale…
      Doutor: Não vou falar nada mesmo, seu Coitado, quem vai falar é um especialista – vou indicar um ótimo apetitista para o senhor. (Outro cartão)
        Coitado: Muito obrigado, doutor, mas o que eu sinto mesmo…
   Doutor: Com um bom tratamento o senhor não vai sentir mais nada. (Rapidamente levanta a camisa de Coitado e lhe ausculta as costas com o estetoscópio) Respire fundo. (Entra a enfermeira)
        Enfermeira: Telefone da clínica, doutor.
     Doutor: (Transfere o estetoscópio para o peito de Coitado) O senhor segura isto aqui no peito, assim, e vai respirando fundo. (O doutor sai. Coitado fica segurando o estetoscópio no peito e respirando fundo. Depois de algum tempo, o doutor volta, retira o estetoscópio)
        Doutor: Muito bem, seu Coitado. (Anota na ficha) Abra a boca e os olhos bem abertos. (Examina boca e olhos ao mesmo tempo) Deita. (Faz Coitado deitar rapidamente, lhe enfia o termômetro na boca, enquanto lhe apalpa a barriga e lhe dá pancadinhas com os dedos e marteladas nos joelhos) Sente alguma coisa, seu Coitado? Dói aqui? O que é que o senhor sente quando aperto aqui? E me diga uma coisa: o senhor bebe muito?
        Coitado: Eu…
        Doutor: Então o senhor controla a bebida, seu Coitado, controla para seu próprio bem. Pode levantar.
        Enfermeira: (Entrando rapidamente de novo) Estão chamando da clínica, doutor.
        Doutor: Vou receitar uns medicamentos (vai escrevendo a receita), mas o senhor não deve deixar de seguir as outras orientações.
        Coitado: Mas, doutor, eu queria saber…
       Doutor: O senhor não se incomode que isso vai passar, na vida tudo passa. O senhor volte aqui me trazendo um relatório de cada um dos especialistas que indiquei, e mais resultados de raio-x e dos outros exames que eles pedirem, de sangue, de urina, de fezes, eletroencefalograma, etc.
        Coitado: Mas até lá eu posso estar morto, doutor…!
        Doutor: O senhor já morreu demais, seu Coitado.

                                                                            Domingos Pellegrini.

     Entendendo o texto:
     Após a leitura do texto teatral, responda a estas questões:
    01 – Que diferença há entre doutor e médico?
      Doutor – aquele que se formou numa universidade e recebeu a mais alta graduação após haver defendido uma tese (doutorado).
      Médico – aquele que estudou qualquer área da medicina e a exerce.

  02 – Nas frases abaixo foi usada a palavra “simpatia” com significados    diferentes. Dê o significado da palavra usada em cada frase.
a)   simpatia dessa mulher me faz esquecer que ela é muito feia.
Atitude amável no trato com as pessoas, tendência instintiva de aceitação entre as pessoas.

b)   Tomara que dê certo a simpatia que ela ensinou.
Ritual para prevenir ou curar enfermidades ou atrair objeto de desejo.

  03 – No texto teatral, há dois instrumentos médicos: estetoscópio e termômetro. Para serve cada um deles?
      Estetoscópio – serve para ampliar e ouvir sons internos do corpo humano como batidas do coração e a entrada e saída do ar nos pulmões.
      Termômetro – serve para medir a temperatura interno do corpo humano.

 04 – O paciente não entendeu a fala do médico e supôs que, pelo palavreado, estivesse muito mal. Como você daria essa mesma explicação de modo que o paciente entendesse?
      Resposta pessoal. A resposta mais óbvia é que se empregaria linguagem menos técnica e mais acessível à compreensão do paciente.

  05 – A medicina atual é altamente especializada e, por isso, muita gente se  atrapalha na escolha de médico. Complete as lacunas com a palavra correta  da especialidade médica a que se refere a frase:
   a) Eu tive uns problemas de urina e fui a um Urologista.
  b) Minha prima teve umas complicações próprias de mulher e procurou um   ginecologista.
  c) Meu sobrinho teve uns problemas nos pulmões e consultou um pneumologista.
  d) Eu estou com uns problemas de vista. Vou ao oftalmologista.
  e) Estou com meu coração batendo muito depressa e sempre me dá falta de  ar. Que você aconselha? Vá a um cardiologista.
 f) Estou com problemas de falta de dinheiro. O que eu faço? Ora, vá… (trabalhar!)

  06 – Podemos afirmar que o paciente procurou o médico tão logo percebeu sintomas de doença? Explique.
      Não. Porque o seu Coitado afirmou que sentia que estava morrendo e todo dia sentia dor e fraqueza, sinal que esses sintomas já aconteciam a algum tempo.

07 – Dando ao paciente o nome de Coitado de Tal, o autor pretendeu:
      a. (   ) demonstrar que as tentativas de cura fora da medicina maltratam as pessoas.
      b. (X) fazê-lo representar qualquer pessoa, sem lhe atribuir individualidade.
      c. (  ) evitar que o nome coincidisse com o de qualquer outra pessoa e a melindrasse.
      d. (   ) deixar claro que todos os doentes são iguais e merecem tratamentos iguais.

08– Que especialistas o médico indicou ao paciente?
      Um psiquiatra, um urologista, um neurologista, um apetitista.

09 – O Coitado de Tal disse: “eu não sabia que estava tão ruim”. O que o fez pensar assim?
      A linguagem muito técnica usada pelo médico, a qual o paciente não entendia. A explicação muito longa e confusa levou o paciente a achar que estava muito doente.

  10 – A enfermeira interrompeu a consulta duas vezes para anunciar chamado da clínica. O modo de agir do médico nas duas ocasiões insinua que ele:
a. (X) resolvia os casos de sua clínica por telefone, em horário de atendimento aos pacientes.
b. (   ) dava prioridade a quem o procurava pessoalmente.
c. (   ) considerava inoportunos os telefonemas da clínica.
d. (   ) se preocupava muito mais com sua clínica particular.

  11 – A caixa registradora é um elemento estranho a um consultório médico. Por que o autor a incluiu no cenário?
      Para indicar que a prioridade do médico era financeira e não a saúde dos pacientes.

  12 – Na sua opinião, a medicina é um comércio ou apenas há médicos que fazem da medicina um comércio? Explique.
      Resposta pessoal. Qualquer que seja a resposta, deverá apresentar argumentos plausíveis à afirmação, isto é, situações que comprovam a afirmação.





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