CRÔNICA: A CONSULTA
Domingos Pellegrini
Coitado: Sou eu mesmo,
doutor.
Doutor: Quarenta e
dois anos, casado, rua 1º de Maio – confere?
Coitado: Confere, doutor,
sou eu mesmo.
Doutor: Porque tem muito
Coitado de Tal no fichário, pode confundir.
Coitado: Mas por falar em
coitado, doutor, eu vim aqui porque…
Doutor: O senhor pode ficar
à vontade. (Faz Coitado sentar ao lado de uma máquina registradora) Muito
bem, vamos com isso – o que é que o senhor sente, seu Coitado?
Coitado: Bom, doutor, eu
sinto que estou morrendo.
Doutor: (Vai anotando na
ficha) Muito bem, então o senhor sente que está morrendo. Todo dia,
seu Coitado?
Coitado: Todo dia, doutor.
Tem dia que eu acho até que já morri, de tanta dor e fraqueza.
Doutor: (Anotando) Acha que já
morreu, muito bem. O senhor precisa ver um médico da cabeça, seu Coitado, um
psiquiatra. Vou dar o endereço de um para o senhor. (Aciona a manivela da
caixa registradora, tira um cartão da gaveta) O senhor entregue a ele
este cartão, diga que fui eu quem mandei.
Coitado: Muito obrigado,
doutor – mas o senhor acha que o caso é na cabeça?
Doutor: Não se incomode,
seu Coitado, que o senhor já morreu. Mas me diga: e a urina?
Coitado: Pois é, doutor, a
urina…
Doutor: Era o que eu
pensava – vou indicar pro senhor um especialista em urina, um urologista. (Retira
mais um cartão da registradora, entrega a Coitado) E as tonturas, seu
Coitado?
Coitado: Que tontura,
doutor?
Doutor: O senhor não disse
que sente umas tonturas?
Coitado: Deve ter sido outro
coitado, eu não, doutor.
Doutor: O senhor não deve
esconder nada do médico, eu estou aqui para ajudar o senhor.
Coitado: Pois é, doutor,
mas…
Doutor: Se o senhor me
sonega alguma informação eu não posso estruturar o quadro clínico simplesmente porque
foi solapada a anamnese, e o levantamento sindromático é base do quadro
clínico. Toda a moderna medicina está pautada no relacionamento
médico-paciente, entre os quais a confiança é fundamental.
Coitado: O senhor tem
razão, doutor, eu… eu não sabia que estava tão ruim.
Doutor: Então só me
responda sim ou não, por favor.
Coitado: Tá certo, doutor,
mas é que com tanta pergunta eu fico até meio tonto…
Doutor: Ah! Que tipo de
tontura, seu Coitado?
Coitado: O senhor quem sabe,
ué, doutor.
Doutor: Não, não sei, seu
Coitado, isto requer um especialista – vou indicar para o senhor um ótimo
neurologista. (Retira um cartão da registradora, entrega a Coitado) E
o apetite vai bem?
Coitado: O meu, doutor? Nem
me fale…
Doutor: Não vou falar nada
mesmo, seu Coitado, quem vai falar é um especialista – vou indicar um ótimo
apetitista para o senhor. (Outro cartão)
Coitado: Muito obrigado,
doutor, mas o que eu sinto mesmo…
Doutor: Com um bom tratamento
o senhor não vai sentir mais nada. (Rapidamente levanta a camisa de
Coitado e lhe ausculta as costas com o estetoscópio) Respire fundo. (Entra
a enfermeira)
Enfermeira: Telefone da
clínica, doutor.
Doutor: (Transfere o
estetoscópio para o peito de Coitado) O senhor segura isto aqui no
peito, assim, e vai respirando fundo. (O doutor sai. Coitado fica segurando
o estetoscópio no peito e respirando fundo. Depois de algum tempo, o doutor
volta, retira o estetoscópio)
Doutor: Muito bem, seu
Coitado. (Anota na ficha) Abra a boca e os olhos bem abertos. (Examina
boca e olhos ao mesmo tempo) Deita. (Faz Coitado deitar
rapidamente, lhe enfia o termômetro na boca, enquanto lhe apalpa a barriga e
lhe dá pancadinhas com os dedos e marteladas nos joelhos) Sente alguma
coisa, seu Coitado? Dói aqui? O que é que o senhor sente quando aperto aqui? E
me diga uma coisa: o senhor bebe muito?
Coitado: Eu…
Doutor: Então o senhor
controla a bebida, seu Coitado, controla para seu próprio bem. Pode levantar.
Enfermeira: (Entrando
rapidamente de novo) Estão chamando da clínica, doutor.
Doutor: Vou receitar uns
medicamentos (vai escrevendo a receita), mas o senhor não deve
deixar de seguir as outras orientações.
Coitado: Mas, doutor, eu
queria saber…
Doutor: O senhor não se
incomode que isso vai passar, na vida tudo passa. O senhor volte aqui me
trazendo um relatório de cada um dos especialistas que indiquei, e mais
resultados de raio-x e dos outros exames que eles pedirem, de sangue, de urina,
de fezes, eletroencefalograma, etc.
Coitado: Mas até lá eu posso
estar morto, doutor…!
Doutor: O senhor já morreu
demais, seu Coitado.
Domingos Pellegrini.
Entendendo o texto:
Após a leitura do texto teatral, responda a estas questões:
01 – Que diferença há entre doutor e médico?
Doutor – aquele que se formou numa
universidade e recebeu a mais alta graduação após haver defendido uma tese
(doutorado).
Médico – aquele que estudou qualquer área
da medicina e a exerce.
02 – Nas frases abaixo foi usada a palavra “simpatia” com significados diferentes. Dê o significado da palavra usada em cada frase.
a) A simpatia dessa
mulher me faz esquecer que ela é muito feia.
Atitude amável no trato
com as pessoas, tendência instintiva de aceitação entre as pessoas.
b) Tomara que dê certo
a simpatia que ela ensinou.
Ritual para prevenir ou
curar enfermidades ou atrair objeto de desejo.
03 – No texto teatral, há dois instrumentos médicos: estetoscópio e
termômetro. Para serve cada um deles?
Estetoscópio – serve para ampliar e ouvir
sons internos do corpo humano como batidas do coração e a entrada e saída do ar
nos pulmões.
Termômetro – serve para medir a
temperatura interno do corpo humano.
04 – O paciente não entendeu a fala do médico e supôs que, pelo
palavreado, estivesse muito mal. Como você daria essa mesma explicação de modo
que o paciente entendesse?
Resposta pessoal. A resposta mais óbvia é
que se empregaria linguagem menos técnica e mais acessível à compreensão do
paciente.
05 – A medicina atual é altamente especializada e, por isso, muita gente
se atrapalha na escolha de médico. Complete as lacunas com a palavra correta da
especialidade médica a que se refere a frase:
a) Eu tive uns problemas de urina e fui a um Urologista.
b) Minha prima teve umas complicações próprias de mulher e procurou um ginecologista.
c) Meu sobrinho teve uns problemas nos pulmões e consultou um pneumologista.
d) Eu estou com uns problemas de vista. Vou ao oftalmologista.
e) Estou com meu coração batendo muito depressa e sempre me dá
falta de ar. Que você aconselha? Vá a um cardiologista.
f) Estou com problemas de falta de dinheiro. O que eu faço? Ora, vá… (trabalhar!)
06 – Podemos afirmar que o paciente procurou o médico tão logo percebeu
sintomas de doença? Explique.
Não. Porque o seu Coitado afirmou que
sentia que estava morrendo e todo dia sentia dor e fraqueza, sinal que esses sintomas
já aconteciam a algum tempo.
07 – Dando ao paciente o nome de Coitado de Tal, o autor pretendeu:
a. ( )
demonstrar que as tentativas de cura fora da medicina maltratam as pessoas.
b. (X) fazê-lo
representar qualquer pessoa, sem lhe atribuir individualidade.
c. ( ) evitar que o nome
coincidisse com o de qualquer outra pessoa e a melindrasse.
d. ( ) deixar claro que
todos os doentes são iguais e merecem tratamentos iguais.
08– Que especialistas o médico indicou ao paciente?
Um psiquiatra, um urologista, um
neurologista, um apetitista.
09 – O Coitado de Tal disse: “eu não sabia que estava tão ruim”. O que o
fez pensar assim?
A linguagem muito técnica usada pelo
médico, a qual o paciente não entendia. A explicação muito longa e confusa
levou o paciente a achar que estava muito doente.
10 – A enfermeira interrompeu a consulta duas vezes para anunciar
chamado da clínica. O modo de agir do médico nas duas ocasiões insinua que ele:
a.
(X) resolvia os casos de sua clínica por telefone, em horário de atendimento
aos pacientes.
b. ( ) dava prioridade a quem o procurava pessoalmente.
c. ( ) considerava inoportunos os telefonemas da clínica.
d. ( ) se preocupava muito mais com sua clínica particular.
11 – A caixa registradora é um elemento estranho a um consultório
médico. Por que o autor a incluiu no cenário?
Para indicar que a prioridade do médico
era financeira e não a saúde dos pacientes.
12 – Na sua opinião, a medicina é um comércio ou apenas há médicos que
fazem da medicina um comércio? Explique.
Resposta pessoal.
Qualquer que seja a resposta, deverá apresentar argumentos plausíveis à
afirmação, isto é, situações que comprovam a afirmação.
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