sábado, 17 de fevereiro de 2018

CRÔNICA: HISTÓRIA DE BEM-TE-VI - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

CRÔNICA: HISTÓRIA DE BEM-TE-VI 
                      CECÍLIA MEIRELES


        Com estas florestas de arranha-céus que vão crescendo, muita gente pensa que passarinho é coisa de jardim zoológico; e outros até acham que seja apenas antiguidade de museu. Certamente chegaremos lá; mas por enquanto ainda existem bairros afortunados onde haja uma casa, casa que tenha um quintal que tenha uma árvore.  Bom será que essa árvore seja a mangueira.
        Pois nesse vasto palácio verde podem morar muitos passarinhos.
        Os velhos cronistas desta terra encantaram-se com canindés e araras, tuins e sabiás, maracanãs e “querejuás todos azuis de cor finíssima…”. Nós esquecemos tudo: quando um poeta fala num pássaro, o leitor pensa que é literatura…
        Mas há um passarinho chamado bem-te-vi. Creio que ele está para acabar.
        E é pena, pois com esse nome que tem – e que é a sua própria voz – devia estar em todas as repartições e outros lugares, numa elegante gaiola, para no momento oportuno anunciar a sua presença. Seria um sobressalto providencial e sob forma tão inocente e agradável que ninguém se aborrecia.
        O que me leva a crer no desaparecimento do bem-te-vi são as mudanças que começo a observar na sua voz. O ano passado, aqui nas mangueiras dos meus simpáticos vizinhos, apareceu um bem-te-vi caprichoso, muito moderno, que se recusava a articular as três sílabas tradicionais do seu nome, limitando-se a gritar: “…te-vi! …te-vi!”, com a maior irreverência gramatical. Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras, achei natural que também os passarinhos estivessem contagiados pelo novo estilo humano.
        Logo a seguir, o mesmo passarinho, ou seu filho ou seu irmão – como posso saber, com a folhagem cerrada da mangueira? – animou-se a uma audácia maior.
        Não quis saber das duas sílabas, e começou a gritar daqui, dali, invisível e brincalhão: “…Vi! …Vi! …Vi!”, o que me pareceu divertido, nesta era do twist.
        O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol – que se há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? Talvez tenha sido atacado por esses crioulos fortes que agora saem do mato de repente e disparam sem razão nenhuma no primeiro indivíduo que encontram.
        Mas hoje ouvi um bem-te-vi cantar. E cantava asim; “Bem-bem-bem-bem… te-vi!” Pensei: ‘É uma nova escola poética que se eleva da mangueira! …” Depois, o passarinho mudou. E fez: “Bem-te-te-te … vi!” Tornei a refletir: “Deve estar estudando a sua cartilha… Estará soletrando…”. E o passarinho: “Bem-bem-bem … te-te-te … vi-vi-vi!”
        Os ornitólogos devem saber se isso é caso comum ou raro. Eu jamais tinha ouvido uma coisa assim! Mas as crianças, que sabem mais do que eu, e vão diretas aos assuntos, ouviram, pensaram e disseram: “Que engraçado! Um bem-te-vi gago!”
        (É: talvez não seja mesmo exotismo, mas apenas gagueira…!)

                                                           (Cecília Meireles)


Vocabulário:
Ornitólogo – aquele que estuda as aves
Querejuá – nome de pássaro de plumas de cores vivas e variadas, comum na região litorânea da Bahia e Rio de Janeiro. Também conhecido como cotinga, catingá, crejoá, quereiná e quiruá.
Twist – dança de origem americana, da década de 1960.
Team – palavra da língua inglesa traduzida em português como “time”, isto é, grupo esportivo.

Entendendo o texto:
Após a leitura do texto, responda às questões abaixo:
A – Marque a alternativa que substitui a expressão que está em destaque nas frases:
01 – Muita gente acha que passarinho seja apenas antiguidade de museu.
a.(   ) coisa que não existe mais             b.(   ) coisa inútil
c.(X) coisa muita antiga                          d.(   ) coisa já esquecida.

02 – O canto do bem-te-vi seria um sobressalto providencial em todas as repartições.
a.(   ) um grande susto                            
b.(   ) uma surpresa agradável
c.(   ) um aviso atrasado                         
d.(X) um acontecimento inesperado e agradável.

03 – Um bem-te-vi caprichoso se recusava articular seu nome completo.
a.(   ) dizer        b.(X) pronunciar      c.(   ) cantar         d.(   ) explicar.

04 – O passarinho limita-se a gritar: “…te-vi! …”
a.(   ) começa a                      b.(   ) contenta-se com             
c.(   ) excede-se em               d.(X) restringe-se a.

05 – O bem-te-vi gritava com a maior irreverência gramatical.
a.(X) desrespeito                   b.(   ) prudência       
c.(   ) correção                       d.(   ) despreocupação.

06 – O bem-te-vi devia estar em todas as repartições para no momento oportuno anunciar sua presença.
a.(   ) marcado                           b.(X) favorável     
c.(   ) impróprio                          d.(   ) previsto.
07 – Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras achei natural seu comportamento.
a.(X) revoltadas               b.(   ) precipitadas      
c.(   ) descuidadas            d.(   ) impacientes.

B – Assinale a alternativa adequada para completar as frases seguintes, de acordo com o texto:
01 – No texto, o fato é narrado sobretudo com:
a.(   ) ironia                        b.(   ) tristeza     
c.(X) bom humor               d.(   ) saudosismo.

02 – No primeiro parágrafo do texto, diz-se que a relação entre o homem e a natureza será:
a.(X) cada vez menos frequente            
b.(   ) sempre importante
c.(   ) um privilégio para poucos              
d.(   ) coisa esquecida e desnecessária.

03 - Em repartições públicas, canto do bem-te-vi seria uma agradável surpresa porque:
a.(   ) alegraria os funcionários no trabalho
b.(X) lembraria a natureza num local caracteristicamente urbano
c.(   ) distrairia funcionários e visitantes
d.(   ) despertaria a curiosidade das pessoas da cidade.

04 – O fato interessante que o texto mostra a respeito do passarinho é:
a.(   ) seu aparecimento no quintal dos vizinhos
b.(   ) sua viagem com um time de futebol
c.(X) a mudança observada no seu canto
d.(   ) a mudança nas cores de suas penas.

05 – O canto “…te-vi! …te-vi! …” seria uma irreverência gramatical porque:
a.(   ) o verbo deve concordar com o sujeito
b.(X) não se deve começar uma frase com pronome pessoal oblique
c.(   ) deve-se pronunciar corretamente as palavras
d.(   ) deve-se iniciar frases sempre com maiúsculas.

C – Assinale mais de uma alternativa de acordo com o texto:
06 - O texto sugere várias causas para o comportamento do bem-te-vi, entre elas:
a.(   ) o bem-te-vi estava cansado
b.(X) estava soletrando sua cartilha
c.(   ) estava brincando
d.(X) o passarinho era gago
e.(X) estava fazendo poesia nova
f.(   ) era um passarinho preguiçoso.

D – Para você pensar e tirar suas conclusões.
01 – O texto fala sobre a probabilidade de haver passarinhos nas repartições públicas. É possível isso acontecer atualmente?
(   ) sim    (X) não       Por quê?
      Resposta pessoal.  Por lei brasileira é proibido ter em domicílio doméstico ou ter enjaulado animais silvestres. Se a lei proíbe tê-los em casa, nas repartições públicas é ainda mais impossível de tê-los. Lembrando também que o habitat natural dos animais silvestres é a mata, onde devem ficar livres para ir e vir. Aliás, o direito de ir e vir dos brasileiros é também aplicado aos animais silvestres que vivem no Brasil.




2 comentários:

  1. Eu apreciava muito Cecília Meireles, mas quando li o texto " Bem te vi " na íntegra, caíram minhas lágrimas com um texto extremamente racista.

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  2. pareceu divertido, nesta era do twist.
    O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol – que se há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? Talvez tenha sido atacado por esses crioulos fortes que agora saem do mato de repente e disparam sem razão

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