ARTIGO DE OPINIÃO: RESPONSABILIDADE
PENAL - LINHA
DIVISÓRIA
Fixar uma idade a partir da qual o adolescente está em condições de responder
por crimes que venha a cometer é uma decisão que tem necessariamente uma grande
dose de arbitrariedade.
É natural que não se possa processar criminalmente uma criança de 5 anos, mas
que um rapaz de 19 anos que tenha cometido um crime deva cumprir pena; quanto a
isso, dificilmente haverá quem discorde. Entretanto, não se conhece um critério
definitivo para estabelecer que, por exemplo, quem completou 14 anos já está em
condições de assumir responsabilidade penal. Porque o discernimento, é
evidente, não surge magicamente, num determinado dia, e sim se forma
gradualmente.
Não existe, entretanto, alternativa razoável. É impossível evitar a
arbitrariedade, pois em algum ponto será preciso traçar a linha divisória,
exatamente como se faz para determinar em que idade se deve cumprir o serviço
militar ou votar, ou em que idade se pode tirar a carteira de motorista – e
todos sabem que um carro, em mãos irresponsáveis, pode se tornar uma arma
mortal.
Os 18 anos de idade para a responsabilidade penal, se algum dia foram justos,
hoje certamente são demais. Em países desenvolvidos, como a Inglaterra, Estados
Unidos França e outros, menores de 18 anos vão a julgamento, e por todos os
motivos uma política semelhante deveria ser adotada no Brasil. Não há como
supor que um rapaz de 16 anos seja incapaz de distinguir o que é ilícito ou de
prever as consequências de seus atos; de saber para que serve uma arma ou de
compreender a diferença entre o roubo e uma travessura.
Contra a ideia de diminuição da idade da responsabilidade penal costumam ser
apresentados argumentos aparentemente válidos, como o de que a cadeia é na
realidade uma escola do crime, ou de que os criminosos são sempre fruto da
sociedade em que vivem. Mas essas considerações, embora convincentes, são
irrelevantes. Fazem parte de uma discussão bem mais ampla, sobre a maneira mais
eficiente de combater a criminalidade e de fazer justiça, mas não tem aplicação
na questão da responsabilidade penal, pois dizem respeito a qualquer idade.
MENOR NA CADEIA?
O Congresso Nacional começa a discutir projeto que pretende alterar a idade da
responsabilidade penal.
Quando se pergunta ao auditório, em aulas ou conferências, com que idade o
menor deve ir para a cadeia pela prática de um crime, a quase unanimidade
responde: 16 anos. Alguns preferem os 14 ou até menos. Se escolhe alguém para
explicar o porquê, a resposta é infalível: “Se pode votar, pode ir para a
cadeia.” Esta resposta está dentro do raciocínio do “se sabe o que faz, deve
pagar pelo que fez”. No entanto, este argumento é o mais frágil de todos e por
duas razões.
O sistema não é baseado no “sabe o que está fazendo”, mas na idade,
independentemente da sabedoria. O critério da idade não é justo, nem
científico, porque, primeiro, um único dia determina uma diferença absoluta
quanto aos direitos e deveres; segundo, porque não existe ciência no mundo que
garanta que o discernimento de um ser humano começa ou acaba no dia de um
aniversário.
No entanto, embora imperfeito o sistema da idade é o único capaz de evitar
discriminação, porque é absolutamente universal. É por isso que mulher só casa
com 16, com autorização dos pais, e homem com 18 anos;
Com 16
anos até o analfabeto vota; mas o deputado mais votado do Brasil não pode ser
senador antes dos 35 anos; o mais hábil motorista não consegue a carteira antes
dos 18 anos; o mais sábio desembargador deixa de julgar no dia em que completa
70 anos. E o criminoso só vai para a cadeia com 18 anos. Em nenhum caso,
qualquer que seja a “sabedoria” da pessoa, ela adquire ou perde direitos se não
tiver essa idade, mesmo que haja uma diferença de um único dia. Afinal, a
consciência do certo e do errado todos tem, desde tenra idade.
A discussão tem que mudar de eixo. Deve-se indagar é se a cadeia é a solução
para a delinquência juvenil. A prisão e a gravidade de pena por si só não
resolvem.
Temos um exemplo histórico. A pena máxima para o traficante de drogas aumentou
de cinco para sete e para 15 anos e, agora, é crime hediondo; os maiores
criminosos estão em presídio de segurança máxima e o tráfico não diminuiu. Uma
boa lei para menores infratores impõe consequências dentro de um sistema de
justiça, muito mais eficazes que o puro e simples encarceramento.
Solução? Manter os 18 anos para a responsabilidade penal e um exame profundo do
Estatuto da Criança e do Adolescente, nove anos depois de sua vigência. Ele não
permite que um menor traficante, preso em flagrante com grande quantidade de
tóxicos e armas, seja internado; fixa prazos para as medidas socioeducativas,
impedindo a reeducação; e muitas outras imperfeições estão demonstrando que é
hora de ser avaliado. A cadeia, por si só, não é a solução.
Alyrio
Cavallieri é desembargador e ex-juiz de menores.
O
Globo, 18/04/1999.
1 – Por
que o autor intitulou o texto de Linha Divisória?
O estabelecimento de limite entre ser ou não responsável por atos praticados.
2 – O que
é definido como arbitrariedade no texto?
Julgamento pessoal.
3 –
Reescreva, com suas próprias palavras, o 1º parágrafo do texto, resumindo-o.
Resposta pessoal.
4 – De que
argumento o autor se utiliza, no 2º parágrafo, para comprovar a ideia veiculada
sobre a dificuldade de estabelecer-se um critério definitivo para que o
adolescente tenha condições de assumir responsabilidades?
Da falta de critério para julgar se um jovem está ou não em condições de
assumir responsabilidade sobre seus atos.
5 –
Reescreva, com suas próprias palavras, o 2º parágrafo, resumindo-o.
Resposta pessoal.
6 – No 3º
parágrafo, de que recurso lança mão o autor para sustentar o argumento
principal de seu texto?
A exemplificação.
7 – E no
4º parágrafo, qual o recurso?
A citação
exemplificativa.
8 – O
último parágrafo do texto contém argumentos e contra-argumento. Aponte-o.
Argumentos:
A cadeia é uma escola do crime e os criminosos são frutos da sociedade em que
vivem.
Contra-argumento:
A maneira mais eficiente de combater a criminalidade e de fazer justiça.
9 – No 2º
parágrafo de Menor na Cadeia, ocorre a frase “se sabe o que faz, deve pagar
pelo que fez”. Com que finalidade ela foi utilizada?
Servir
como argumento para quem defende a ideia de responsabilidade criminal para
jovens com 16 anos, ou menos, de idade.
10 – Cite
dois pontos de contato entre os textos, ou seja, pontos de vista com idêntica
base de sustentação.
Na discussão da “linha divisória” e na necessidade de rever-se o combate da
criminalidade em suas formas de atuação.
11 – E
você? Qual é o seu ponto de vista sobre o tema?
Resposta pessoal.
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