Crônica: PAREM DE MATAR CACHORROS!
Fabrício Carpinejar
Ou a memória é um retrovisor que não tem
como arrancar
Na BR-116, é certo que encontrarei
engarrafamento e cachorro morto. A cada animalzinho estirado na mureta, tapo os
olhos de meu filho Vicente – não é uma boa recordação para se levar à escola
logo de manhã.
Mas fui notando que teria que deixá-lo
vendado o trajeto inteiro. No intervalo de 10 quilômetros, avistava um novo
corpo já despossuído de alma e Deus, inchado e anônimo, sem a gentileza de cruz
e o amparo da coleira.
Cachorro atropelado na Grande Porto
Alegre é tão frequente quanto as capivaras abatidas na BR-471.
Procurava desvendar como o cão atingiu
o miolo da estrada. Na minha idealização, o bicho esquecera o caminho de volta
e não contara com sorte ao cruzar a mão dupla. Por uma série de tristes
casualidades, fora jogado na loucura assassina de um autorama.
Não me passava maldade pela cabeça. Sei
o quanto um cachorro costuma cheirar caminhos e se distrair com facilidade.
Até que descobri que existe um nazismo
canino. Cachorros são abandonados na rodovia pelos próprios donos. Aquilo que
vejo todo o dia não representa acidentes, é, sim, resultado de uma matança
deliberada.
Famílias compram ou recebem de presente
um cãozinho, acham que é barbada cuidar, enfrentam uma semana de experiência,
gastam demais com ração e higiene, e decidem sacrificar o hóspede. Sem tempo a
perder, desaparecem com as provas de uma existência. E ainda raciocinam que não
é um assassinato, que Palmira Gobbi é apenas o nome de uma avenida. Fingem
acreditar que não cometeram mal nenhum, largaram o pequeno à mera provação do
destino.
O motivo é sempre gratuito. Matam o cão
para prevenir incômodos. Ou porque ele adoeceu ou envelheceu. Ou porque o
remédio e o veterinário são caros ou porque o abrigo é longe e não podem se
atrasar para o trabalho.
Que mundo é este? Pela janela, eliminam
uma vida com a leviandade de alguém que arremessa longe uma bagana de cigarro,
uma embalagem de picolé, um saco de salgadinho. Absolutamente crentes na
impunidade.
Quem faz isso não merece perdão. Não
merece explicação. Não merece defesa. É um crime premeditado. A mais implacável
execução que conheço, antecedida de lenta tortura emocional.
Repare na insensibilidade: o dono mente
ao seu cachorro que irão passear, para desová-lo no corredor da morte. Calcule
o terror do bichinho quando não entende o castigo, e corre uivando,
desesperado, atrás de um carro que nunca será mais o seu.
Cansei de esconder os olhos de meu
filho.
Fabrício Carpinejar
Entendendo a crônica:
01 – O texto é construído
com base nas informações que o cronista colhe nos lugares que percorre
cotidianamente. De acordo com isso responda:
a)
Qual fato desencadeou os acontecimentos
narrados na crônica?
O fato de todo dia o autor ter que por uma venda nos olhos de seu
filho, no trajeto da escola porque sempre havia cachorro atropelado na rua.
b)
Em que parágrafo o autor menciona o
acontecimento que derivou esta crônica?
No sexto parágrafo.
c)
Descreva o lugar onde ocorreu o fato.
Na BR – 116, na Grande Porto Alegre e na rua Palmira Gobbi.
02 – Em que pessoa verbal o
narrador conta o fato?
O fato é contado
em 1ª pessoa do singular.
03 – Quem são os personagens
do fato narrado?
O autor, seu
filho e os cachorros atropelados.
04 – Quais características
pertinentes ao gênero crônica podemos encontrar neste texto?
Personagens –
narrador – um fato – ações – clímax – desfecho – espaço.
05 – No texto estudado
predomina a ação ou a reflexão? Comente.
A ação, pois o
cronista nos revela um crime premeditado de cães em plena rodovia pelos
próprios donos, sem sequer direito de se salvarem.
06 – Existe uma relação
entre a situação vivida pelas personagens da crônica e a de nosso dia-a-dia?
Justifique.
Sim, infelizmente
deparamos com pessoas insensíveis que praticam tamanha atrocidades.
07 – Qual o desfecho da
crônica?
O autor diz que
cansou de esconder os olhos de seu filho desta dura realidade.