sábado, 9 de agosto de 2025

CRÔNICA: RUÍDOS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: RUÍDOS

             Luís Fernando Veríssimo

        A única linguagem verdadeiramente internacional é a linguagem do corpo. Não, não os gestos: os ruídos. A tosse, o espirro, o pum, o trombone de sovaco, você os conhece. Também é a única linguagem autêntica. Talvez por isso mesmo haja tanta preocupação em disfarçá-la, e desencorajar o seu uso em público. Desde pequenos aprendemos a reprimir, na medida do possível, as manifestações naturais do nosso corpo, e a nos sentirmos embaraçados quando não dá para controlar e o corpo se faz ouvir claramente, causando espanto e mal-estar. Ao mesmo tempo, aprendemos a nos expressar com palavras e frases – ou seja, a linguagem da dissimulação, da mentira e, ela sim, da ofensa – que, por mais bem pensadas e articuladas que sejam, não tem a honestidade de um bom arroto.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmt_1Jkwf9WlWu1N8clUca1eBBhxQMyI_qA_UmOJZ8Zt6kL_MSMfEOjiAAlzilqmYeOcOb0BW_t4iwb5RCU3bwJeXHdwoD8Drj2w9T0nUtCdhI0sOBRkYkROVUuwZQP1dK45fo3fARXvnwj4UbdTuZByCTN4kQRpXkggiDHrPp6DrmZ6iQWQvkzcQZ1rA/s320/Sinais-e-ruidos-e1717186397125.jpg


        Valorizamos a hipocrisia, condenamos a autenticidade. E o que é mais civilizado, a palavra, que discrimina e exclui, ou o ronco da barriga, que é igual para todos e que aproxima as pessoas, além de descontrair o ambiente? Uns podem ser mais ou menos espalhafatosos, mas todos os homens espirram da mesma maneira. Os puns também são iguais – respeitadas as variações de entonação, inflexão e duração –, independentemente de raça, cor, classe ou credo religioso. E ninguém tosse com sotaque, ou com mais correção gramatical do que seu vizinho.

        E sustento a tese de que, para conferências de paz ou qualquer negociação internacional, os países deveriam mandar os "mal-educados", no bom sentido. Pessoas que estabelecessem, de saída, sua humanidade comum, fazendo os ruídos que todos os homens e todas as mulheres (menos) fazem, em qualquer lugar do mundo. A primeira meia hora dos encontros poderia ser só de troca de ruídos do corpo, para criar o clima. Depois, o entendimento viria naturalmente. Mas não, quem é que mandam para essas reuniões? Diplomatas. Logo diplomatas, educadíssimos, incapazes de chuparem um dente na frente de quem quer que seja!

        Não admira que ainda exista tanta discórdia no mundo.

Luís Fernando Veríssimo. O Mundo é Bárbaro: e o que nós temos a ver com isso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 87-88.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 78.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o autor, qual é a única linguagem verdadeiramente internacional e autêntica?

A – A linguagem escrita, pois supera barreiras de sotaque e pronúncia.

B – A linguagem verbal, pois permite expressar pensamentos complexos.

C – A linguagem dos gestos, pois é compreendida globalmente.

D – Os ruídos do corpo, como a tosse e o espirro.

02 – Qual é a principal crítica do autor em relação à educação social?

A – Ela não ensina as pessoas a se expressarem bem com palavras.

B – Ela valoriza a hipocrisia e condena a autenticidade dos ruídos do corpo.

C – Ela não considera a importância dos gestos em público.

D – Ela não prepara as pessoas para reuniões internacionais.

03 – A que o autor se refere quando fala em 'linguagem da dissimulação'?

A – Às palavras e frases, que podem ser usadas para mentir e ofender.

B – Ao sotaque e à correção gramatical na fala.

C – Aos ruídos do corpo que as pessoas tentam esconder.

D – À linguagem corporal não intencional.

04 – Qual é a proposta inusitada do autor para as conferências de paz?

A – Que os diplomatas sejam substituídos por pessoas 'mal-educadas' para criar um clima de humanidade comum.

B – Que os encontros comecem com uma discussão sobre os ruídos que mais aproximam as pessoas.

C – Que todas as reuniões sejam feitas sem o uso de palavras, apenas com ruídos.

D – Que diplomatas sejam ensinados a fazer os ruídos do corpo para se comunicarem melhor.

05 – Por que o autor argumenta que 'não admira que ainda exista tanta discórdia no mundo'?

A – Porque as pessoas valorizam a linguagem verbal em detrimento da linguagem autêntica dos ruídos corporais.

B – Porque os ruídos do corpo nem sempre são iguais para todos.

C – Porque as pessoas são incapazes de se comunicar de forma clara.

D – Porque os diplomatas são as pessoas mais educadas do mundo.

 

 

 

 

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