Conto: Minha estação de mar
Domingos Pellegrini Jr.
Quando eu tinha 10 anos, o ano tinha
mais de quatro estações, e todas elas ficavam nas minhas mãos. A estação dos
piões deixava um anel caloso no fura-bolo, onde a fieira apertava, e um furo na
unha do dedão, onde o prego do pião girava até esquentar. A estação das búricas
marcava o nó do dedão, com um calo grosso, rachado igual terra seca. Logo
começava a estação das rolimãs, e as rachaduras desse calo enchiam de graxa,
ficavam ali entupidas até a estação das mangas. Então crescia na mão o limo das
mangueiras, uma placa visguenta. Depois, a mão fedia: na estação dos papagaios
eu vivia com alho no bolso; era só esfregar no dedo e segurar linha de papagaio
alheio, dali a pouco despencava com a linha roída.

Na estação do "bafo" a mão
criava calos nas bordas, e acabava com cheiro de pena queimada, de tanta
cuspida pra grudar as figurinhas. Depois a estação do "bete", a das
tampinhas, a dos saquinhos de areia, todas lavrando cortes, calos e cheiros nas
mãos, além do calo que uma caneta deixa no pai-de-todos quando tem que copiar,
na escola, duzentas vezes uma frase. Naquele tempo a escola era a única prisão
que eu conhecia. Mas o pai comprou um carro e, depois do passeio inaugural com
minha mão avisando de todas as placas e esquinas, ele anunciou na janta:
— Este ano vamos tirar um mês na praia.
Eu conhecia o mar como uma lagoa
grande, distante e sem graça nas figurinhas, onde aparecia às vezes verde e às
vezes azul. Agora íamos conhecer o mar em pessoa, ia começar uma nova estação
onde entravam todos — o pai, a mãe, Alice, eu e a Linalva, nossa empregada que
já vira o mar de passagem quando viera do Norte. A estação do mar me encheu a
cabeça. O pai começou a falar de ondas que rebentavam e a gente mergulhava
dentro. Eu não conseguia imaginar, mas comecei a achar ótimo. A mãe ia tirando
a mesa e, a cada vez que vinha da cozinha, lembrava os perigos do mar e dava
conselhos. Sim, o mar devia ser uma coisa ótima. E o pai avisou, bicando a
xícara quente de café: partida dali a três dias, todo mundo que se preparasse.
Não me preparei, mas me acordaram no
dia marcado, às cinco da madrugada, com tudo preparado para mim. Nem tive tempo
de perguntar por que levantar tão cedo se íamos passear; a mãe e o pai
distribuíam ordens. Eu devia levantar logo e me lavar, escovar os dentes e
trazer a escova. Devia comer pão com manteiga, café com leite, um ovo cozido e
uma banana, mesmo que não tivesse fome. Ninguém ia ficar parando na estrada pra
eu comer. E ninguém ia ficar parando antes de Ibiporã pra eu urinar, então fui
urinar e quase durmo de novo na privada. Mas ninguém ia ficar esperando a vida
inteira, bateram na porta, batiam portas de armários, fechavam malas, enchiam
sacolas. Coma logo isso que seu pai já levou as malas. Cadê a bolsa, alguém viu
a bolsa?
Você tem certeza de que esse carro aguenta?
Desliga esse rádio, moleque, rádio de carro só com o motor funcionando. Enfia
esta blusa que ainda é madrugada; não quero saber, enfia logo. Não vamos
esquecer de desligar a luz. Não seria melhor fechar também o registro da água?
Vai pro teu lugar, moleque, lá atrás, sim senhor. Tira o pé do banco, não abre
o vidro que dá dor de ouvido.
E assim partimos para o mar.
Dormi e acordei com o sol, as pernas
querendo esticar e uma zoeira no ouvido. Alice acordou logo e brigamos nem
lembro por quê, então ela passou para o banco da frente, junto da mãe, e eu
fiquei sem ter o que fazer. Passavam os mais compridos canaviais e cafezais do
mundo, comecei a empurrar os bancos da frente com os pés, mas não podia.
Comecei a tirar fiapos do cochinil, mas não podia. Examinei o cinzeiro por
dentro e por fora várias vezes, comi ovos cozidos e chupei laranjas,
descascadas pela Linalva porque eu podia me cortar com a faca. Quando lembrei
do rádio, a mãe falou logo que não suportava rádio em viagem, e o pai avisou
que não ia parar pra erguer a antena, de modo que chupei mais umas laranjas e
descobri que o tapete de borracha podia virar um megafone, mas não podia; de
modo que descasquei mais um ovo com todo cuidado pra não triscar a clara e comi
só a gema. Descobri tudo que não se pode fazer num carro. Ler chapas, por
exemplo.
Quando li a chapa do primeiro carro na
frente, a mãe aproveitou pra testar minha visão em comparação com a da Alice.
Depois de umas duas ou três chapas, achou que eu e a Alice enxergávamos a mesma
coisa na mesma distância, e que devíamos ter puxado os olhos do pai dela, que
já estava caduco sem nunca usar óculos. Continuei a ler as placas em voz alta,
repetindo a mesma placa enquanto o pai não podava o carro da frente, até que
falou que aquilo já tinha enchido e sugeriu que eu lesse uma vez cada placa, e
só. Não passou muito tempo e aquilo também encheu todo mundo, mas a Linalva
sugeriu que eu podia ler as placas mentalmente quantas vezes quisesse.
Mas isso logo me encheu.
Quando descobri que só podia ficar ali
sentado, também descobri que estava na segunda prisão da vida, com a mãe no
lugar da professora apontando as paisagens e outras coisas bonitas que o mundo
tem mas ninguém pára pra ver direito. O pai só foi parar quando a Alice
realmente se irmanou comigo pela primeira vez na vida. Ficamos os dois com uma
coceira que a mãe logo identificou como formiga na bunda ou foguinho no rabo.
Esticamos as pernas, urinamos e tomamos
guaraná num bar de posto de gasolina, o pai botou gasolina e voltamos à prisão.
Demônios devem rondar os postos de gasolina, porque naquela viagem a mãe
garantia que eu sempre ficava com o demônio no corpo depois que parávamos num
posto.
Quando a situação ficou infernal dentro
do carro tive que reconhecer: realmente o pai pararia para dar um jeito em mim
se eu continuasse encapetado. De maneira que resolvi comer mais um ovo, mas não
podia porque estava chegando a hora do almoço. Laranjas ainda podia, até que o
pai ficou cheio de abrir o vidro pra eu jogar fora os bagaços e as sementes, e
a mãe falou que eu não tinha tampa, parecia um buraco sem fundo e acabaram-se
as laranjas. Quando comecei a estalar a boca, o pai falou que a mãe devia fazer
alguma coisa porque aquilo era a coisa mais irritante do mundo, e ela falou que
estalando a boca pelo menos eu ficava quieto com o rosto, aí ele falou, que ela
sempre estava de acordo com qualquer coisa quando era pra contrariar uma opinião
dele, aí ela falou, ele falou, de repente estavam discutindo os hábitos e
defeitos um do outro, e depois não falaram mais até a hora de escolher onde
almoçar.
A mãe achava que devíamos entrar numa
cidade, mas o pai achava que um restaurante de beira de estrada seria ótimo.
Ela falou em higiene, perigo de uma intoxicação e talheres sujos, e ele falou
de preço e distância, gasolina e tempo perdido, e ela mandou que ele parasse
onde quisesse e fizesse o que quisesse porque ela já tinha mesmo perdido o
gosto de viajar e — aliás — nem sabia mesmo porque tinha vindo naquela viagem e
— quer saber duma coisa? — por ela, podiam voltar dali mesmo. Aí o pai também
falou — quer saber duma coisa você também? — e fez meia-volta. Eu senti que
nunca ia ver o mar.
O motor foi rodando enfezado naquele
silêncio, cada vez mais enfezado, até que o pai teve que brecar numa curva e o
carro dançou pra lá e pra cá. A mãe não abriu a boca mas todo mundo ficou
ouvindo o silêncio dela, tão pesado que o carro começou a andar devagar, tão
devagar que dava agonia. Até que o pai parou num posto de gasolina com
churrascaria. Como o posto era do outro lado da estrada, ele teve que fazer
outra meia-volta, de jeito que ficamos de novo na direção do mar.
O pai freou o carro e falou: essa
mulher não vê que onde tem muito carro parado é porque a comida é boa, mas eu
sei o que ela está querendo. Mas na verdade só tinha o nosso carro parado ali,
fora uns trinta caminhões, e a mãe falou com uma cara que o pai chama de cara
de mártir: descem vocês, meus filhos, vai com eles, Linalva, hoje vocês vão
comer comida de motorista de caminhão. Aí o pai falou: isso, meus filhos, vamos
que decerto o pai de vocês vai envenenar vocês. A Linalva saiu com a gente e a
mãe falou: cuidado, Linalva, olha bem essas carnes e não deixa eles nem
chegarem perto de maionese, fruta só lavada e água só mineral.
Comi carne com maionese com o pai
olhando agradecido, mas quando pedi um gole de cerveja ele não deixou. A
Linalva, depois que encheu o prato de ossos, começou a apertar as mãos e
suspirar de agonia, até que o pai falou pra ela levar uma coxa de frango, um
pão e um copo de leite pra mãe lá no carro. E completou que não existia comida
que a mãe mais gostava do que coxa com pão e leite. Falei que nunca tinha visto
a mãe comer coxa com pão e leite, e ele respondeu que foi antes deles casarem,
e que ela ia lembrar.
Realmente a mãe lembrou, porque o copo
voltou vazio e, quando voltamos pro carro, ela não estava mais com uma cara tão
perto da morte. E, como o carro já estava na direção do mar, o pai tocou em
frente e passamos pela mesma paisagem até o ponto de onde tínhamos voltado. A
mãe perguntou ao pai se ele tinha bebido, ele disse que só uma cervejinha, aí
começaram a falar de novo das paisagens, o pai perguntou se o frango estava
bom, a mãe disse que sim e eu aproveitei pra elogiar a maionese. Aí a mãe
azedou, virou a cabeça e ficou olhando a paisagem, passamos um túnel e ela
continuou olhando a paisagem dentro do túnel. Depois avisou que não ia mexer
uma palha se a gente ficasse com o intestino solto, e que eu podia cagar até as
tripas que ela não ia nem se incomodar.
O pai lembrou que eu tinha misturado
laranja e ovo na barriga a manhã inteira, comparou que maionese é mistura de
ovos com limão e portanto quase a mesma coisa, portanto eu já estava cheio de
maionese antes mesmo de almoçar. Mas a mãe não falou mais nada até que começou
a chover.
O diabo, como disse a Linalva, é que a
maionese começou a fazer efeito justamente quando o pai mandou fechar todos os
vidros por causa da chuva. A primeira vez em que o cheiro ficou preso junto com
a gente no carro, o pai perguntou quem foi, a mãe perguntou pra Alice se tinha
sido ela, depois pra mim, e concluiu logo que tinha sido eu, embora eu
lembrasse que a Linalva também tinha misturado ovos com laranja. De modo que
ficou sendo eu mesmo e no começo foi até engraçado, o pai disse que eu parecia
usina de cana, que mastiga o doce mas deixa o ar azedo, e a Linalva completou
que lá no Norte uma comida que empesteia muito os intestinos é mistura de carne
de bode com uma frutinha que ela não lembrava o nome.
Na segunda vez o pai falou que a usina
estava a todo vapor, a Alice riu e ficou olhando mecanismos e mistérios na
minha barriga, e a mãe falou pro pai que, do jeito que ele falava, eu podia até
acabar achando que aquilo era uma coisa muito bonita. Na terceira vez o pai não
fez mais graça nenhuma e deu a caixa de fósforos pra mãe acender um. Na quarta
vez o pai falou que agora já chegava e que eu parasse de gracinha porque não
tinha graça nenhuma, mas aí a mãe falou que aquilo era uma coisa natural e ele
não podia forçar o menino a segurar. Discutiram um pouco os intestinos e a natureza,
a minha sem-vergonhice ou o mal que faz a maionese de restaurante. O pai
começou a falar que a maionese de restaurante ainda nem me tinha chegado no
intestino, mas teve que pedir pra mãe acender outro fósforo. Depois falou que
tanto fósforo e tudo mais estava esquentando o ar e embaçando os vidros demais,
abriu um pouco a janela mas a mãe lembrou que estava chovendo e era melhor
sufocar do que arriscar um resfriado. Quando acabou a caixa de fósforo o pai
falou que, por ele, eu podia até pegar pneumonia, abriu o vidro um minuto e
fechou porque molhava até o ombro dele mesmo, e continuamos assim, a mãe
dizendo que aquele cheiro dava vontade de vomitar o almoço e o pai abrindo e
fechando o vidro de vez em quando. Em São Paulo a maionese parou de fazer
efeito, estava anoitecendo e a Alice resmungava o tempo todo no colo da mãe,
até que ela passou a ser uma menina cheia de nove-horas e eu menino quieto que
devia ser imitado. Acontece que eu estava com sono ou qualquer coisa desse
tipo, já nem tinha mais vontade de que o pai parasse ou de que os postos de
gasolina tivessem confeitaria. Não sentia fome nem sede, tinha vontade de
afundar mas, quando afundava a cabeça no colo da Linalva, dava vontade de
levantar — até que acabei ficando de novo um moleque encapetado, a mãe falando
que aquele carro estava um inferno e que ela não ia aguentar mais meia hora.
Quando apareceram as luzes o pai falou — Eh São Paulo que não pára de crescer!…
— e a mãe perguntou se ele ia saber dirigir na cidade. Ele falou que não precisava
andar muito pra achar um hotelzinho mais ou menos, e conhecia a entrada como a
palma da mão. A mãe lembrou que ele não ia a São Paulo desde solteiro, e que
ninguém ia dormir em nenhum muquifo… Aí o pai falou bem compreensivo e devagar
que a gente não precisava gastar um dinheirão pagando hotel de primeira pra
dormir uma noite só, e a mãe falou que ninguém dorme mais de uma noite cada
vez. Aí ele falou que numa noite de hotel em São Paulo a gente ia gastar mais
que uma semana de aluguel de uma casa na praia. A Linalva começou a falar —
vocês podem me deixar numa pensão mais barata e amanhã… — mas a mãe mandou
calar a boca que de hotel quem entendia ela. O pai quis perder a paciência mas
já estava numa rua com mais carro do que eu tinha visto na vida inteira.
Começaram a buzinar e a mãe falou que
estavam buzinando pra nós, a Alice perguntou como é que sabiam que a gente ia
chegar e o pai mandou todo mundo calar a boca porque tinha que se concentrar. A
primeira placa de hotel que apareceu fui eu quem leu primeiro e dizia Hotel
Paraíso, mas a mãe achou que não enganava ninguém só pelo jeito do prédio.
Buzinaram pra nós e o pai continuou, mas aí já não sabia se contornava um tal
de viaduto ou se ia em frente, de maneira que acabou virando antes do tal
viaduto e acabamos numas ruas escuras onde disseram que hotel, do jeito que a
mãe queria, o mais perto era do lado do tal viaduto. Quando o pai conseguiu
achar de novo uma rua movimentada, buzinaram pra nós e ele perguntou se aqueles
filhos da puta não podiam parar um minuto. A mãe falou que ele é que devia
parar duma vez e perguntar pra um guarda. Discutiram isso uma meia hora com o
carro andando mas, quando o pai parou e ela abriu a janela e botou a cara pra
fora, o guarda apitou e mandou tocar em frente, tocar em frente, passamos de
novo em frente o Hotel Paraíso e o pai xingou a mãe, São Paulo, os ônibus e o
lazarento do espelho retrovisor que entortava toda hora.
Quando passamos pela terceira vez pelo
Hotel Paraíso o pai falou — quer saber duma coisa? — e enfiou o carro no
estacionamento. Depois, na portaria, o homem falou que dois quartos, do jeito
que minha mãe queria, não tinha, mas desocupavam no outro dia de manhã. Ela
perguntou mas que hotel é este que não tem nem pia nos quartos, mas meu pai
falou que servia sem pia mesmo e o homem disse que pra qualquer coisa o
banheiro era no fim do corredor e muito asseado. O homem subiu com a gente e a
mãe reclamando da escada e dizendo que já estava sentindo o cheiro nojento do
banheiro. Aí o homem abriu uma porta e ela falou que o cheiro de mofo do quarto
só faltava derrubar a gente, meu pai falou para o homem desculpar que ela era
assim mesmo. Aí ela empurrou a gente pra dentro e fechou a porta, dali a pouco
o pai e a Linalva entraram com as malas, o pai abriu a janela e ficou olhando
pra fora e ouvindo as buzinas e a mãe, abrindo as malas e reclamando que ela
não era vaca pra ser "assim mesmo".
O pai saiu e trouxe pastéis, empadinhas
com azeitonas dentro, quibe e um leite que vinha em saquinhos de papel. A mãe
falou que pelo menos uma coisa ele tinha acertado porque assim não precisava
usar nenhum copo imundo de hotel, lavou um saquinho na pia, enxugou com uma das
toalhas que a gente tinha levado, rasgou a ponta do saquinho e me deu, e aquilo
foi a grande coisa que conheci naquele dia de viagem.
Depois de vazios eu e a Alice quisemos
guardar nossos saquinhos, mas a mãe falou que só serviam pra chamar baratas de
noite. Quando o pai sentou na cama com um jornal que falava do Palmeiras, a mãe
falou que ele tinha que mandar o homem trazer logo o tal berço pra Alice, e
tinha que buscar um travesseiro pra mim no quarto da Linalva. O pai saiu
parecendo que ia explodir ou então murchar até virar um rato no chão, e a mãe
ficou reclamando da falta de cabides.
Quando o berço já estava no nosso
quarto e a Linalva no quarto dela, eu e a Alice de pijama já deitando, a mãe
falou pro pai fechar a janela que ia entrar pernilongo. Ele disse que se ela
quisesse morrer abafada ele ia dormir em outro quarto, mas acabou fechando a
janela e dizendo que ia sair. Ela falou que ele podia voltar bem tarde e ele
falou que ia era pra um lugar onde mulher sabe tratar um homem, ela disse que
ele podia ficar lá pra sempre e ele saiu batendo a porta.
Ela acendeu um abajur no criado-mudo e
falou que aquilo parecia quarto não sei do quê, tinha até abajur cor-de-rosa.
Eu perguntei quarto do quê, ela disse que eu devia era ficar quieto e dormir
que a Alice já estava no segundo sono.
No dia seguinte buzinaram não sei pra
quem e eu acordei. A mãe estava sentada na cama de casal com um mata-mosquito
na mão, tão igual ao de casa que fui ver e era ele mesmo com as marcas que eu
tinha feito pra cada mosquito que matei numa tarde de castigo na despensa.
Quando entramos no carro o pai e a mãe
ainda discutiam a questão dos pernilongos, ele dizendo que de luz acesa não
dormia e ela que não dormia com pernilongo no ouvido. Ele dizendo que, agora,
se você pensa que vamos encontrar casa pra alugar com ar-condicionado, pode
tirar o cavalo da chuva. E ela respondendo que é só você não ficar abrindo
janela que não entra pernilongo. E ele dizendo que esse negócio de pernilongo
você pegou de uns tempos pra cá, porque na viagem de casamento, por exemplo,
sempre dormi de janela aberta e nunca ouvi reclamação. E ela respondendo que
acontece que naquele tempo era besta feito Jó, teve dia de amanhecer com o
corpo empipocado de coceira, o braço em carne viva de tanto coçar. E ele
dizendo que, se fosse assim, esse povo da roça já tinha morrido de pernilongo,
borrachudo, mutuca, muriçoca. E ela respondendo que, bom, eu nunca vivi na roça
nem tenho o couro grosso da sua família.
De modo que começaram a discutir os
hábitos e os defeitos das famílias de cada um, as sogras e os cunhados e
cunhadas, e aproveitei pra tirar fiapos do cochinil até abrir uma clareira do
tamanho de um palmo. A Alice também começou a esfiapar lá na frente e a mãe
disse que não podia, mas a Alice disse que podia porque eu também estava
esfiapando atrás. Aí o pai e a mãe pararam de discutir pra examinar os estragos
e concordaram que eu era mesmo um capeta e que, no fim de contas, era eu que
infernizava a vida de todo mundo. Falei que não infernizava a vida de ninguém,
que eu só queria viajar na frente e não deixavam, e que a Alice ia sempre no
melhor lugar, e acabei convencendo todo mundo que aquele era meu dia de ir na
frente.
Quando a Alice parou de chorar no banco
de trás, fui descobrindo que ali na frente havia tanta coisa a fazer como lá
atrás, e que todos os botões do painel eram perigosos, não podiam ser puxados
nem apertados nem tocados e eu devia esquecer aqueles botões para o resto da
vida, de modo que abri o porta-luvas e a mãe quase se enfiou lá dentro como se
o carro tivesse brecado de repente, tirou de lá um revólver e começou a abrir
depressa a janela, o pai foi brecando e encostou o carro, ela jogou o revólver
na ribanceira e falou que ele não abrisse a boca, que ele nem pensasse em abrir
a boca, e eu aproveitei pra enfiar a mão no porta-luvas antes que ela pegasse a
chave e fechasse.
O pai abriu a boca quando o carro já
estava rodando de novo: o revólver tinha custado não sei quantos cruzeiros não
sei quantos anos atrás, e agora ele queria ver se aparecesse um ladrão na casa
da praia. A mãe falou que era preferível entregar tudo pra um ladrão do que
arriscar uma criança dessas com uma arma na mão, e começou a contar pra Linalva
como tinha morrido um menino perto da casa dela quando era solteira, com um tiro
na boca brincando com um revólver. Depois que ela acabou de contar o caso,
perguntou o que eu tinha na boca e falei que era uma bala. A Alice falou que
também queria bala e o pai garantiu que não tinha comprado bala pra ninguém no
bar onde a gente tinha tomado café. Aí a mãe me abriu a boca na marra e tirou a
bala, e foram discutindo se uma bala tem ou não tem perigo de explodir na boca
de uma criança, e eu comecei a dizer que era muito bonito viajar no banco da
frente porque assim a Alice não ia perceber como era muito melhor no banco de
trás.
Entramos em Aparecida e o pai rodou até
a mãe escolher um restaurante de cara boa. Mas acabou não servindo porque os
copos estavam manchados e um guardanapo tinha uma mancha amarela que a mãe logo
desconfiou. Voltamos para o carro e aproveitei pra passar pro banco de trás, a
Alice sentou na frente e ficou procurando as vantagens que eu tinha falado. O
pai deu a partida, tocou o carro mas a mãe achou que o restaurante do lado, ali
mesmo, servia bem pra nós, então o pai tornou a estacionar no mesmo lugar,
descemos e comemos uma comida intragável conforme o pai, muito limpinha e é
isso que interessa conforme a mãe. Alice e eu aproveitamos pra descobrir que
num restaurante a gente podia ler o cardápio e pedir o que quisesse, desde que
fosse a mesma coisa que o pai e a mãe iam pedir depois. Descobri que camarão
devia ser comida mais perigosa que maionese, e no entanto vinha do mar para
onde a gente ia, e o mar me parecia uma coisa cada vez mais ótima.
Quando o pai pediu café, eu e a Alice
pedimos pra ir numa praça que tinha em frente, Linalva ficou sem café pra ir
cuidar da gente e, quando eu descobri dois moleques com um jogo de palitos que
eu nunca tinha visto, o pai já entrou de novo no carro e começou a buzinar.
Fomos entrando no carro e encostou um homem vendendo lembranças de Aparecida,
tinha chaveiro de montes, binóculos de fotografia, santinho, crucifixo, terço,
tudo pendurado num cabo de vassoura e a Alice escolheu um espelhinho que era
santinho do outro lado. O pai falou que aquilo era bobagem mas a mãe falou que
não ia contrariar um gosto sagrado da menina, eu falei que já tinha visto um
daqueles espelhinhos mas com mulher pelada do outro lado. A mãe virou pro pai e
perguntou o que ele preferia, uma filha iludida com bobagem de religião ou um
filho depravado desde cedo. O pai falou que preferia um filho depravado e ficou
rindo, aí a mãe falou que eu também devia escolher uma lembrança de Aparecida,
e fui apontando e o homem desamarrando do pau e dizendo o preço, até que
escolhi o mais caro, uma estátua de Nossa Senhora em porcelana opaca conforme o
homem, de gesso vagabundo conforme o pai. Aí o homem falou que o que valia era
a devoção, o pai respondeu que então não valia nada mesmo. A Alice falou que a
avó tinha falado que o pai ia morrer sofrendo porque não tinha religião. O pai
perguntou que vó, mãe dele ou da mãe, e virou pra mãe dizendo que só podia sair
da mãe dela uma besteira daquelas.
E foi assim que voltamos pra estrada
discutindo religião, até o pai falar que nunca mais deu peixe no rio onde
pescaram a santa, aí a Linalva falou Deus me livre, credo em cruz, e o pai
falou que a comida tinha dado azia nele e a Linalva garantiu que era castigo de
Deus. A mãe não deixou o pai falar mais nada porque se falasse também tratasse
de arranjar outra empregada, e continuamos estrada afora.
Alice teve enjoo e vomitou no colo da
mãe, o pai teve que parar numa paisagem muito bonita de umas montanhas com um
rio lá embaixo se entortando feito uma cobra. Tinha uma mina de água que saía
das pedras e a mãe falou que ali, na natureza sem ninguém cuidar, nascia avenca
e samambaia mais bonita que em estufa de rico. O pai falou que preferia ser
rico e não ter avencas nem samambaias, mas um carro que nem um que passou e ia
chegar muito antes da gente conforme o pai, ia acabar se matando numa curva
conforme a mãe.
Alice melhorou tão depressa fora do
carro, que quase despenca na ribanceira uma hora que a mãe descuidou, queria
ver o que tinha lá embaixo. Aí o pai falou pra ela que lá embaixo tinha o mar,
vamos lá ver o mar — e já foi entrando de novo no carro e continuamos estrada
afora na direção do mar lá embaixo torto feito uma cobra.
O pai saía duma curva e entrava em
outra naquelas montanhas, Alice vomitou no colo da Linalva e a mãe falou —
agora vai assim mesmo —, e fomos com o vestido grudando na coxa da Linalva e um
cheirinho azedo que o vento não carregava. Quando as montanhas acabaram, veio
de novo a estrada de sempre, tão igual que até a mãe perguntou se a gente não
estava voltando. O pai riu e falou que, se a gente não parasse mais nem uma
vez, tal hora essas crianças vão conhecer o mar. Aí eu perguntei se ele tinha
algum compromisso no mar, porque ele sempre falava em tal hora, hora tal sem
falta, quando tinha algum compromisso com alguém. Ele falou que eu não entendia
essas coisas, que em viagem a gente tem que fazer o tempo render, porque a
menos de 80 por hora gasta muita gasolina, e eu empurrei o banco dele com o pé
e fui descobrindo de novo tudo que não podia fazer dentro de um carro. Mas já
não tinha graça e acabei dormindo com o diabo no corpo, conforme a mãe, e com
os ossos meio doendo conforme eu mesmo.
Quando acordei o pai tinha acabado de
parar o carro e estava conversando com um homem na frente duma casa, numa rua
de areia com muitas latas vazias. A mãe olhou pra mim e falou: esse moleque
está com alguma coisa. Me botou a mão na testa, me avisou que ficasse quieto
que estava queimando de febre, ficou ensinando a Linalva a fazer chá de alho
contra resfriado. A Linalva perguntou se eu não ia ver médico, a mãe falou que
era um resfriado à toa, culpou o pai porque apanhei chuva da janela, disse que
era só eu guardar em casa o dia seguinte e pronto.
Perguntei se a gente não ia no mar, o
pai veio vindo e enfiou a cabeça na janela, disse todo alegrão que o aluguel da
casa era um absurdo mas a mãe achou que pelo menos tinha tela na janela contra
pernilongos. De modo que a Linalva começou a descarregar as malas com o pai, a
mãe foi botar roupa numa cama pra eu dormir e ninguém me dizia onde estava o
mar. A mãe me enfiou um comprimido na boca, o pai disse que a mãe ainda ia
viciar esse moleque com esses calmantes, dormi e acordei no outro dia com
cheiro de café.
A Linalva estava na cozinha fazendo
café igual em casa, até o bule era o mesmo e a garrafa térmica. Eu e a Alice
passamos o dia no jardim e na rua, com a mãe ou a Linalva olhando da janela
todo minuto. O pai montava e desmontava cama, arrumava descarga de privada,
consertava tela de janela, a mãe arrumava as roupas no guarda-roupa, a Linalva
emprestou uma vassoura da casa vizinha e um rodinho com pano de chão, e o pai
desentupia pia, a mãe fez lista de compras e ele saiu pra comprar, mas foi sozinho
porque disse que senão nem comprava as coisas nem cuidava de mim no
supermercado, e a Linalva passou pano dentro dos armários e guarda-roupas,
amontoou as baratas mortas num canto, e a mãe desinfetava tudo e reclamava como
é que puderam deixar uma casa naquele estado, e só sei que no fim do dia a mãe
falou que tinha trabalhado mais que numa mudança, e o pai falou que nem sabia
porque tinha inventado aqueles dias na praia.
Alice e eu conhecemos todos os
formigueiros da redondeza e perdemos muito tempo esperando sair da toca um
bichinho, siri conforme a mãe, caranguejo conforme a Linalva e pituí conforme o
pai. O bicho botava duas anteninhas pra fora do buraco, pareciam olhos saindo
fora do corpo, via se eu e a Alice estávamos bem escondidos e então saía. A
gente ia chegando perto, ele parava na areia, mexia as anteninhas e voltava pro
buraco, sem pedra que conseguisse acertar o desgraçado no caminho.
Não vimos crianças, só umas de outra
casa, que chegaram pro almoço e saíram depois, todo mundo de maiô, os homens
com as costas vermelhas e as mulheres com o corpo inteiro melecado de creme, as
crianças com boias e pés-de-pato e máscaras.
No outro dia o pai pegou a gente logo
cedo, viramos a esquina e lá na frente, no fim da rua, apareceu uma coisa azul.
Fomos andando e a coisa foi mexendo e às vezes embranquecia, o pai falou olha
as ondas. Quando a rua acabou e aquilo já era a maior água que eu já tinha
visto, entramos numa areia onde era preciso cuidado pra não pisar nas
anteninhas, todos andando fora dos buracos, tão grandes que a Alice achou que
eles podiam perfeitamente ficar dentro dos buracos em vez de ficar saindo.
E de repente erguemos a cabeça na
frente do mar, Alice desandou num choro que só parou no colo do pai. O coração
batia junto com as ondas, não sei quanto tempo ficamos ali, o mundo
estrondando, até que Alice foi acalmando e continuamos ali, o coração batendo
junto com as ondas e um vento que parecia subir da água, molhado e cheiroso.
A mãe chegou e estendeu uma toalha na
areia, começou a tirar coisas da sacola e encheu a toalha. A Linalva ficou
esquisita de vestido e calça comprida por baixo, foi molhar os pés e eu fui
junto, mas a mãe foi me buscar pra passar creme, o pai começou a me avisar dos
perigos do mar, a mãe concordando e dizendo escuta teu pai, escuta bem o que o
teu pai está dizendo.
Quatro dias depois eu tinha conhecido o
mar. Tinha horário de entrar e de sair da água, horário de sol e horário de
sombra, hora de passar creme e hora de tomar água, a fundura onde eu podia ir
com a Linalva e a fundura até onde podia ir com o pai. A Alice descobriu um
arroio cheio de conchinhas, mas a mãe desconfiou de onde devia vir aquela água
e a Alice teve que acabar se conformando com as conchas quebradas da praia. Em
casa não podia ficar tela aberta, de janela ou de porta, e à noite as casas
afundavam na escuridão, a rua não tinha lâmpadas e a criançada não podia
brincar fora de casa.
Um velho me mostrou como se pesca com
linha, garrafa e anzol, mas levei um dia sem pegar nada, só um beliscão forte
no fim da tarde. O velho falou que no dia seguinte eu decerto ia tirar peixe,
mas de noite o pai falou:
— Uma semana de praia enjoa qualquer
um.
A mãe deu a ideia de visitar uns
parentes numa cidade perto, assim a viagem de volta não vai cansar tanto essas
crianças, a gente sai cedo pra pegar o almoço e… O pai se entusiasmou e deu a
ideia de passarmos também não sei onde, e começaram os dois a riscar a mesa com
uma faca: a gente pára aqui, dorme aqui, almoça aqui, dorme mais um dia aqui e
visita fulano, depois pára uns três dias na casa da tia fulana; e um ficava
tirando a faca do outro pra riscar a mesa enquanto falavam, até que deixaram na
madeira um mapa, parecia uma espinha de peixe. A mãe levantou e começou a dar
ordens. Linalva pega aquilo, arruma isso, cadê a mala menor, e o pai saiu pra
trocar o óleo do carro.
Na varanda a gente ouvia, no vento, as
anteninhas roendo as costelas do mar, ondas estrondando no lombo de mar, espuma
em cima e todos os peixes e mistérios lá embaixo. O vento continuava com um
cheiro molhado e quente, tão forte que parecia que o mar rebentava logo depois
da varanda, e meu peito foi inchando cheio de sal, siris e conchas, boias de
cortiça, areia, até que desatei a chorar e o peito tornou a ficar pequeno
depois.
No dia seguinte, às cinco horas da
manhã, alguém começou a me sacudir. A mãe andava pela casa perguntando se
ninguém estava esquecendo alguma coisa, e o pai já estava lá fora, esquentando
o motor.
E a estação de mar acabou sendo a única
que, nas mãos, não me deixou marca nenhuma.
Extraído de: O moderno
conto brasileiro, 6, ed. (Antologia Escolar, Organização de João Antônio.)
Editora Civilização Brasileira, 1987.
Fonte: Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p.
105-113.
Entendendo o conto:
01 – Como o narrador, quando
criança, descreve as "estações" do ano antes da viagem ao mar? O que
essas estações revelam sobre sua vida?
O narrador
descreve as "estações" como períodos marcados por brincadeiras e
atividades específicas que deixavam marcas em suas mãos: calos de pião,
búricas, rolimãs, manchas de manga, cheiro de alho para cortar linha de
papagaio, calos e cheiros de figurinhas de "bafo", "bete",
tampinhas e saquinhos de areia. Isso revela uma infância ativa e livre, focada
em brincadeiras de rua e com pouco contato com o ambiente escolar, que ele
compara a uma "prisão".
02 – Qual a reação inicial do
narrador e de sua família ao anúncio da viagem à praia?
O narrador, que
só conhecia o mar por figurinhas, fica cheio de expectativas com a ideia da
"estação do mar". O pai fala com entusiasmo sobre as ondas, enquanto
a mãe, mais preocupada, relembra os perigos e dá conselhos, o que para o
narrador reforça a ideia de que o mar "devia ser uma coisa ótima".
03 – Descreva a atmosfera
dentro do carro durante a viagem, especialmente do ponto de vista do
narrador-criança.
A atmosfera
dentro do carro é de tensão e tédio para o narrador. Ele se sente em uma
"segunda prisão", restrito e sem muito o que fazer. Há constantes
ordens dos pais, brigas com a irmã, e ele tenta diversas atividades proibidas
(como empurrar bancos ou mexer no cinzeiro). O ambiente é pontuado pelas
discussões dos pais, o cheiro da maionese que o faz passar mal, e a sensação de
estar "encapetado" após as paradas.
04 – Qual incidente ocorre
durante a viagem que leva à discussão dos pais e à meia-volta do carro?
Os pais discutem
sobre onde almoçar: a mãe quer um restaurante na cidade por higiene, enquanto o
pai prefere um de beira de estrada por preço e tempo. A discussão se acalora, a
mãe expressa seu descontentamento com a viagem e o pai, irritado, faz uma
meia-volta no carro, dando a impressão de que desistiriam de ir ao mar.
05 – Qual é a função do
episódio da maionese no desenvolvimento da viagem e das relações familiares?
O episódio da
maionese serve como um elemento de comicidade e tensão crescente na viagem. O
mau cheiro provocado no carro, inicialmente engraçado para o pai, escala para a
irritação e as discussões entre os pais sobre a natureza, higiene e o
comportamento do filho. Ele intensifica o desconforto da viagem e expõe as
dinâmicas familiares de maneira explícita e cômica.
06 – Que objeto inesperado a
mãe encontra no porta-luvas e qual sua reação a ele?
A mãe encontra um
revólver no porta-luvas. Sua reação é de pânico e repulsa: ela rapidamente abre
a janela do carro e joga a arma na ribanceira, proibindo o pai de falar sobre o
assunto, por medo de que as crianças se machuquem.
07 – Descreva o processo de
acomodação na casa de praia sob a perspectiva da mãe.
A mãe vê a casa de praia como um local em
péssima condição. Ela reclama do aluguel "absurdo", da falta de pia
nos quartos, do cheiro de mofo e da sujeira. Passa o dia limpando e organizando
tudo (arrumando descarga, consertando tela, desentupindo pia, desinfetando
armários), sentindo que "tinha trabalhado mais que numa mudança", o
que a leva a questionar por que o pai "inventou aqueles dias na
praia".
08 – Como é o primeiro contato
físico do narrador e de Alice com o mar?
O primeiro
contato é de admiração e estranhamento. Eles veem "uma coisa azul" à
distância que "mexia e às vezes embranquecia" (as ondas). Ao chegarem
à areia, com os muitos buracos dos siris, Alice "desandou num choro"
que só parou no colo do pai. O narrador sente o "coração batia junto com
as ondas" e um "vento que parecia subir da água, molhado e
cheiroso", indicando uma experiência avassaladora e sensorial.
09 – O que o narrador aprende
sobre o "mar" ao longo dos dias na praia?
O narrador
aprende que o "mar" tem horários e regras rígidas impostas pelos
pais: horário para entrar e sair da água, horário de sol e sombra, para passar
creme e beber água, e limites de profundidade para nadar. A praia é um lugar de
controle e limitações, em contraste com a liberdade de suas
"estações" anteriores.
10 – Que sensação o narrador
tem na varanda da casa de praia na noite anterior à partida, e o que ela
revela?
Na varanda, o
narrador ouve "as anteninhas roendo as costelas do mar", "ondas
estrondando" e sente um "vento molhado e quente" com cheiro de
mar. Seu "peito foi inchando cheio de sal, siris e conchas, boias de
cortiça, areia, até que desatei a chorar e o peito tornou a ficar pequeno
depois". Essa sensação revela uma mistura de melancolia e nostalgia por um
mar que ele talvez não tenha experimentado com a liberdade que idealizava, um
adeus às suas expectativas infantis sobre a "estação do mar".
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