quinta-feira, 7 de agosto de 2025

CRÔNICA: MUITO CEDO PARA DECIDIR - FRAGMENTO - RUBEM ALVES - COM GABARITO

 Crônica: Muito cedo para decidir – Fragmento

              Rubem Alves

        Gandhi se casou menino. Foi casado menino. O contrato, foram os grandes que assinaram. Os dois nem sabiam direito o que estava acontecendo, ainda não haviam completado 10 anos de idade, estavam interessados em brincar. Ninguém era culpado: todo mundo estava sendo levado de roldão pelas engrenagens dessa máquina chamada sociedade, que tudo ignora sobre a felicidade e vai moendo as pessoas nos seus dentes. Os dois passaram o resto da vida se arrastando, pesos enormes, cada um fazendo a infelicidade do outro. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjut1vW8kGK8ChY7vAq6qiCjVcmn9PDxRaiAJNxmL-MNjVoMl-AynogxPRGR0sDKfXb_L9wstNlegljE1ztPLb0moujf77zvA9j41DVq_iWib5hcm5kVbn8SHPNQ4u8s54B0bV5VSVWOSfeGJuL5gm7mQ-79fJruncQsSKvb2GEQQRn8x80M8VwZFfnzTE/s320/11B-Mahatma-Ghandi_pt_BR.jpg


        Vocês dirão que felizmente esse costume nunca existiu entre nós: obrigar crianças que nada sabem a entrar por caminhos nos quais terão de andar pelo resto da vida é coisa muito cruel e... burra! Além disso já existe entre nós remédio para casamento que não dá certo.

        [...]

        Pois dentro de poucos dias vai acontecer com nossos adolescentes coisa igual ou pior do que aconteceu com o Gandhi e a mulher dele, e ninguém se horroriza, ninguém grita, os pais até ajudam, concordam, empurram, fazem pressão, o filho não quer tomar a decisão, refuga, está com medo. "Tomar uma decisão para o resto da minha vida, meu pai! Não posso agora!" e o pai e a mãe perdem o sono, pensando que há algo errado com o menino ou a menina, e invocam o auxílio de psicólogos para ajudar...

        Está chegando para muitos o momento terrível do vestibular, quando vão ser obrigados por uma máquina, do mesmo jeito como o foram Gandhi e Casturbai (era esse o nome da menina), a escrever num espaço em branco o nome da profissão que vão ter.

        Do mesmo jeito não: a situação é muito mais grave. Porque casar e descasar são coisas que se resolvem rápido. Às vezes, antes de se descasar de uma ou de um, a pessoa já está com uma outra ou um outro. Mas, com a profissão não tem jeito de fazer assim.

        Pra casar, basta amar.

        Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer.

        A dor que os adolescentes enfrentam agora é que, na verdade, eles não têm condições de saber o que é que eles amam. Mas a máquina os obriga a tomar uma decisão para o resto da vida, mesmo sem saber.

        Saber que a gente gosta disso e gosta daquilo é fácil. O difícil é saber qual, dentre todas, é aquela de que a gente gosta supremamente. Pois, por causa dela, todas as outras terão de ser abandonadas. A isso que se dá o nome de "vocação"; que vem do latim, vocare, que quer dizer "chamar". É um chamado, que vem de dentro da gente, o sentimento de que existe alguma coisa bela, bonita e verdadeira à qual a gente deseja entregar a vida.

        [...]

        Um conselho aos pais e aos adolescentes: não levem muito a sério esse ato de colocar a profissão naquele lugar terrível. Aceitem que é muito cedo para uma decisão tão grave. Considerem que é possível que vocês, daqui a um ou dois anos, mudem de ideia. Eu mudei de ideia várias vezes, o que me fez muito bem. Se for necessário, comecem de novo. Não há pressa. Que diferença faz receber o diploma um ano antes ou um ano depois?

        [...]

        Assim, Raquel, não se aflija. A vida é uma ciranda com muitos começos.

        Coloque lá a profissão que você julgar a mais de acordo com o seu coração, sabendo que nada é definitivo. Nem o casamento. Nem a profissão. E nem a própria vida...

Rubem Alves. Estórias de quem gosta de ensinar: o fim dos vestibulares. Campinas: Papirus, 2000. p. 35-40.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 211.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a principal crítica do autor em relação ao casamento de Gandhi?

      O autor critica o fato de que Gandhi e sua esposa foram forçados a se casar ainda crianças, sem entender o que estava acontecendo. Ele descreve o casamento como um ato cruel e "burro", uma decisão imposta pela sociedade que os levou a uma vida de infelicidade.

02 – Qual é a analogia que o autor faz entre o casamento de Gandhi e o vestibular?

      Rubem Alves compara o vestibular com o casamento de Gandhi, pois ambos são situações em que adolescentes são forçados a tomar uma decisão grave e definitiva para suas vidas sem ter a maturidade e o conhecimento necessários para tal escolha.

03 – Por que o autor considera a decisão do vestibular "muito mais grave" do que o casamento?

      O autor argumenta que a escolha da profissão é mais grave porque, ao contrário do casamento que pode ser desfeito, a profissão exige tempo para o saber crescer. Não é algo que se resolve rapidamente e, uma vez trilhado o caminho, as outras opções são abandonadas.

04 – O que o texto define como "vocação"?

      O autor define "vocação" como um "chamado" que vem de dentro da pessoa, um sentimento de que existe algo "belo, bonito e verdadeiro" ao qual ela deseja dedicar sua vida. É a escolha suprema que faz com que as outras sejam deixadas de lado.

05 – Qual conselho o autor dá aos pais e adolescentes que estão nesse dilema?

      O autor aconselha que não levem a decisão da profissão "muito a sério", pois é muito cedo para uma escolha tão grave. Ele sugere que aceitem a possibilidade de mudar de ideia, que, se necessário, comecem de novo, e que não há pressa.

06 – Por que o autor usa sua própria experiência para dar conselhos?

      O autor usa sua própria experiência de ter mudado de ideia várias vezes para mostrar que a vida é uma jornada de múltiplos começos e que isso o fez muito bem. É uma forma de encorajar os adolescentes a não encararem a decisão como algo definitivo.

07 – Qual a mensagem final do autor para a leitora chamada Raquel?

      Para Raquel, a mensagem é para que não se aflija, pois a vida é uma ciranda com muitos começos. Ele a encoraja a escolher a profissão que mais se alinha com o seu coração, mas com a consciência de que nada é definitivo, nem a profissão, nem o casamento, nem a própria vida.

 

 

 

 

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