Texto: A milenar arte de educar dos povos indígenas
Por: Daniel Munduruku
Educar é dar sentido. É dar sentido ao
nosso estar no mundo. Nossos corpos precisam desse sentido para se realizar
plenamente. Mas também nossos corpos são vazios de imagens e elas precisam
fazer parte da nossa mente para possamos dar respostas ao que se nos apresenta
diuturnamente como desafios da existência. É por isso que não basta dar
alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar a alma, o espírito. Sem comida
o corpo enfraquece e sem sentido é a alma que se entrega ao vazio da
existência.

A educação tradicional entre os povos
indígenas se preocupa com esta tríplice necessidade: do corpo, da mente e do
espírito. É uma preocupação que entende o corpo como algo prenhe de
necessidades para poder se manter vivo.
Esta visão de educação é sustentada
pela ideia de que cada ser humano precisa viver intensamente seu momento. A
criança indígena é, então, provocada para ser radicalmente criança. Não se pergunta
nunca a ela o que pretende ser quando crescer. Ela sabe que nada será se não
viver plenamente seu ser infantil. Nada será por que já é. Não precisará
esperar crescer para ser alguém. Para ela é apresentado o desafio de viver
plenamente seu ser infantil para que depois, quando estiver vivendo outra fase
da vida, não se sinta vazia de infância. A ela são oferecidas atividades
educativas para que aprenda enquanto brinca e brinque enquanto aprende num
processo contínuo que irá fazê-la perceber que tudo faz parte de uma grande
teia que se une ao infinito.
Num mesmo movimento ela vai sendo
introduzida no universo espiritual. Embalada pelas histórias contadas pelos
velhos da aldeia, a criança e o jovem passam a perceber que em seu corpo moram
os sentidos da existência. Este sentido é oferecido pela memória ancestral
concentrada nos velhos contadores de histórias. São eles que atualizam o
passado e o fazem se encontrar com o presente mostrando à comunidade a presença
do saber imemorial capaz de dar sentido ao estar no mundo.
Este processo todo é alimentado por
rituais que lembram o passado para significar o presente. São movimentos
corpóreos embalados por cantos e danças repetidos muitas vezes com o objetivo
de “manter o céu suspenso”. A dança lembra a necessidade de sermos gratos aos
espíritos criadores; contam que precisamos de sentidos para viver dignamente;
ordena a existência. Cada grupo de idade ritualiza a seu modo. Cada um se sente
responsável pelo todo, pela unidade, pela continuidade social.
Educar é, portanto, envolver. É
revelar. É significar. É mostrar os sentidos da existência. É dar presente. E
não acaba quando a pessoa se “forma”. Não existe formatura. Quem vive o
presente está sempre em processo.
É por isso que a criança será sempre
criança. Plenamente criança. Essa é a garantia de que o jovem será jovem no seu
momento. O homem adulto viverá sua fase de vida sem saudades da infância, pois
ele a viveu plenamente. O mesmo diga-se dos velhos. O que cada um traz dentro
de si é a alegria e as dores que viveram em cada momento. Isso não se apaga de
dentro deles, mas é o que os mantém ligados ao agora.
Resumo
da ópera: A educação tradicional indígena tem dado certo. As pessoas se
sentem completas quando percebem que a completude só é possível num contexto
social, coletivo. Cada fase porque passa um indígena – desde a mais tenra idade
– alimenta um olhar para o todo, pois o conhecimento que aprendem e vivem é um
saber holístico que não se desdobra em mil especialidades, mas compreende o
humano como uma unidade integrada a um Todo maior e Único.
Olhar os povos indígenas brasileiros a
partir de uma visão rasa de produção, de consumo, de riqueza e pobreza é, no
mínimo, esvaziar os sentidos que buscam para si.
Pense
nisso.
Xipat Oboré (Tudo de Bom!).
Daniel Munduruku.
Disponível em: http://danielmunduruku.blogspot.com/2010/04/milenar-arte-de-educar-dos-povos.html.
Acesso em: 17 abr. 2015.
Fonte: Universos –
Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto
Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª
edição, 2015. p. 204-205.
Entendendo o texto:
01 – Qual é a definição de
educar, segundo o autor?
Segundo o autor,
educar é dar sentido ao nosso estar no mundo, alimentando não apenas o corpo,
mas também a alma e o espírito.
02 – De que forma a educação
tradicional indígena aborda a infância?
A educação
indígena provoca a criança a ser radicalmente criança, vivendo plenamente sua
fase atual. Não se pergunta o que ela será quando crescer, pois ela já é
alguém. O objetivo é que ela não se sinta vazia de infância no futuro.
03 – Qual o papel dos
"velhos da aldeia" no processo educativo?
Os velhos da
aldeia são os contadores de histórias que atualizam o passado e o conectam com
o presente. Eles transmitem a memória ancestral, que dá sentido à existência e
introduz as crianças e jovens no universo espiritual.
04 – Como os rituais
contribuem para a educação indígena?
Os rituais, que
incluem cantos e danças, servem para lembrar o passado e dar significado ao
presente. Eles reforçam a gratidão aos espíritos criadores e a necessidade de viver
com dignidade, mantendo a ordem da existência e o senso de responsabilidade
coletiva.
05 – Qual é a principal
diferença entre a educação indígena e a educação ocidental em relação à
"formatura"?
Na educação
indígena, não existe formatura, pois o processo de aprendizado é contínuo. A
pessoa está sempre "em processo". Na visão ocidental, a formatura
marca o fim de uma etapa educacional.
06 – Como a plenitude é
alcançada na visão indígena?
O texto afirma
que a completude só é possível em um contexto social e coletivo. Cada fase da
vida, desde a infância, alimenta um olhar para o todo, e o conhecimento
aprendido é holístico, não fragmentado em especialidades.
07 – Por que, segundo o autor,
é uma "visão rasa" julgar os povos indígenas com base em produção e
riqueza?
Julgar os povos
indígenas por critérios como produção e riqueza é uma visão rasa porque esvazia
os sentidos que eles buscam para si mesmos, que estão enraizados em uma
compreensão holística e coletiva da existência, e não em valores materiais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário