Crônica: As metamorfoses da velhice – Fragmento
Rubem Alves
Matsuó Bashô (1644-1694), poeta
japonês, foi o mestre supremo dos haikais. Leminski, valendo-se de uma sugestão
de Jorge Luís Borges, descreve um haicai como um objeto poético mínimo de peso
intolerável.

Esse é um dos seus mais famosos haicais
de Bashô:
“Casca
oca:
a cigarra
cantou-se toda.”
Bashô é apelido; significa “bananeira”.
Era a árvore favorita do poeta. Trata-se de árvore estranha: dá um cacho de
bananas somente. Seu caule extremamente macio deve então ser cortado – o que
pode ser feito com um único golpe de facão. Cortado o caule, de dentro do cepo
velho nasce um broto que cresce e vira outra bananeira. Eu havia cortado várias
bananeiras que impediam o acesso a uma cachoeira, em Pocinhos do Rio Verde.
Algumas semanas depois voltei àquele lugar, e esse haicai apareceu-me
instantaneamente:
“Bananeira
cortada:
no cepo velho
um broto criança”.
Entendi,
então, a razão do gosto de Bashô pelas bananeiras: elas simbolizam a nova vida
que brota sempre de dentro da vida velha, acabada. Foi isso que Bashô viu ao
contemplar as cascas vazias das cigarras: [...].
As cigarras são seres subterrâneos
silenciosos – algumas chegam a ficar 17 anos enterradas sob a forma de larva.
De repente saem da terra, arrebentam as cascas duras que as continham (eram
ataúdes) e se tornam artistas, seres alados, cantantes. Antes mesmo de ter
lido o haicai de Bashô colhi, no bosque onde caminho, algumas cascas vazias de
cigarra e as coloquei num bonsai, no meu consultório: tinha esperança de que as
pessoas entendessem aquele haicai sem palavras: seres subterrâneos podem se
tornar seres alados!
As lagartas, cuja vida se resume em
devorar as folhas sobre que se arrastam, após esgotarem essa fase rastejante e
gastronômica, entram num sarcófago que elas mesmas tecem, mergulham num sono
profundo, e quando acordam não mais se reconhecem: tornaram-se uma outra coisa:
seres coloridos, voantes de flor em flor, borboletas.
Metamorfoses… acontecem sempre de
repente – e embora não pareça, somos nós, seres humanos, aqueles que passam por
elas com mais facilidade. Nossos corpos são mais leves que os corpos dos animais.
É que nossas cascas, diferentes das dos animais, são feitas com palavras, carne
e palavras misturadas. Basta que as palavras se alterem para que o corpo se
metamorfoseie num outro.
[...]
Rubem Alves. Livro sem
fim. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 43. (Fragmento adaptado).
Fonte: Língua
Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e
Shirley Goulart – 7º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 192-193.
Entendendo a crônica:
01 – Quem foi Matsuó Bashô e como
Leminski descreve o haicai, valendo-se de uma sugestão de Jorge Luís Borges?
Matsuó Bashô foi
um poeta japonês, considerado o mestre supremo dos haikais. Leminski, seguindo
Borges, descreve o haicai como um "objeto poético mínimo de peso intolerável".
02 – Qual o significado do
apelido "Bashô" e por que a bananeira era a árvore favorita do poeta?
"Bashô"
significa "bananeira". A árvore era sua favorita porque ela simboliza
a nova vida que brota sempre de dentro da vida velha e acabada, pois, ao ser
cortada, um novo broto nasce do cepo.
03 – Qual o haicai criado por
Rubem Alves após cortar as bananeiras, e o que ele entendeu com isso?
O haicai criado
por Rubem Alves foi: "Bananeira cortada: no cepo velho um broto
criança". Com ele, o autor entendeu a razão do gosto de Bashô pelas
bananeiras, percebendo que elas simbolizam a renovação da vida.
04 – Descreva o processo de
metamorfose da cigarra, conforme o texto.
As cigarras são
seres subterrâneos e silenciosos que podem passar até 17 anos como larvas. De
repente, elas saem da terra, rompem suas cascas duras (como ataúdes) e se
tornam artistas, seres alados e cantantes.
05 – Com que propósito Rubem
Alves colocou cascas vazias de cigarra em um bonsai em seu consultório?
Ele
fez isso na esperança de que as pessoas entendessem "aquele haicai sem
palavras", transmitindo a mensagem de que "seres subterrâneos podem
se tornar seres alados!".
06 – Como o texto descreve a
metamorfose das lagartas e o que elas se tornam ao final do processo?
As lagartas, após
uma fase rastejante e gastronômica de devorar folhas, entram em um sarcófago
que elas mesmas tecem, mergulham em um sono profundo e, ao acordar, se tornam
borboletas, seres coloridos e voantes de flor em flor.
07 – Segundo Rubem Alves, por
que os seres humanos são aqueles que passam por metamorfoses com mais
facilidade, e o que as nossas "cascas" são feitas?
Os seres humanos
passam por metamorfoses com mais facilidade porque nossos corpos são mais leves
que os dos animais e nossas cascas são feitas com palavras, carne e palavras
misturadas. Basta que as palavras se alterem para que o corpo se metamorfoseie.
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