Poema: Perguntas de um trabalhador que lê
Bertold
Brecht
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?

E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
A Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os césares? A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou?
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não estava sequer um cozinheiro?
Felipe da Espanha chorou, quando sua armada
naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
Bertold, Brecht. Poemas
1913-1956. 5. ed. São Paulo: Ed. 34, 2000.
Fonte: Arte em
Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume
único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 256-257.
Entendendo o poema:
01 – Qual é a principal tese
ou argumento que Bertolt Brecht desenvolve no poema "Perguntas de um Trabalhador que Lê"?
A principal tese do poema é questionar a
história oficial e tradicional, que frequentemente foca apenas em grandes
líderes, reis e generais, ignorando ou minimizando o papel fundamental das
massas trabalhadoras na construção das civilizações e na realização de grandes
feitos. Brecht argumenta que, por trás de cada monumento, conquista ou avanço,
houve o esforço anônimo e o trabalho árduo de inúmeros indivíduos, cujas
contribuições raramente são registradas nos livros de história. O poema busca
desmistificar a glória individual e trazer à tona a importância da ação
coletiva e do trabalho braçal.
02 – Como Brecht utiliza a
enumeração de grandes feitos históricos (Tebas, Babilônia, Muralha da China,
Roma, Bizâncio, Atlântida, conquistas de Alexandre e César) para fortalecer seu
argumento?
Brecht utiliza a
enumeração de grandes feitos históricos para demonstrar a universalidade e a
recorrência do problema que ele aponta: a invisibilidade do trabalhador comum.
Ao listar monumentos e eventos de diferentes épocas e civilizações, como a
construção de Tebas, a reconstrução de Babilônia, a conclusão da Muralha da
China, os arcos de triunfo de Roma e os palácios de Bizâncio, Brecht mostra que
em todas essas grandezas, a figura do trabalhador é sistematicamente apagada. A
repetição dessas perguntas sobre quem realmente construiu ou trabalhou nesses
projetos serve para acumular evidências e reforçar a tese de que a história
está incompleta e distorcida ao focar apenas nos nomes dos poderosos.
03 – Qual o significado da
pergunta "Arrastaram eles [os reis] os blocos de pedra?" e de outras
perguntas semelhantes no poema?
A pergunta
"Arrastaram eles [os reis] os blocos de pedra?" é central para o
poema, pois ela representa a desconstrução da imagem heroica e autossuficiente
dos líderes. Brecht, através dessa e de outras perguntas semelhantes ("Em
que casas / Da Lima dourada moravam os construtores?", "Não estava
sequer um cozinheiro?" etc.), força o leitor a reconhecer a divisão de
trabalho e a dependência dos grandes feitos em relação ao trabalho de muitos. A
implicação é que reis e imperadores, por mais poderosos que fossem, não
realizavam as tarefas braçais e cotidianas necessárias para construir impérios
ou vencer guerras. Essas perguntas retóricas servem para expor a hipocrisia da
narrativa histórica que atribui todo o mérito a uma única figura.
04 – Como o poema
"Perguntas de um Trabalhador que Lê" sugere uma crítica à forma como
a história é escrita e transmitida?
O poema sugere
uma crítica incisiva à forma como a história é escrita e transmitida, ao
apontar que "Nos livros estão nomes de reis", mas não os nomes dos
construtores. Brecht critica a historiografia tradicional, que se concentra em
indivíduos notáveis, feitos militares e grandes eventos políticos, ignorando as
condições de vida, o trabalho e as perspectivas das classes subalternas. Ele
questiona a seletividade dos registros históricos, que glorificam os vencedores
e os poderosos, silenciando as vozes e as contribuições daqueles que
efetivamente construíram e sustentaram essas sociedades. A repetição de
"Tantas histórias. / Tantas questões." no final do poema reforça a
ideia de que a versão apresentada é parcial e incompleta, necessitando de um
olhar crítico e questionador.
05 – Qual o impacto da
perspectiva de um "trabalhador que lê" para a mensagem do poema?
A perspectiva de
um "trabalhador que lê" é crucial para a mensagem do poema. Ela
confere autenticidade e legitimidade às perguntas levantadas. Não é um
historiador ou um intelectual que faz essas indagações, mas alguém que, por sua
própria condição social e experiência de trabalho, entende a importância do
esforço físico e coletivo. O "trabalhador que lê" é capaz de enxergar
as lacunas na história oficial porque sua vivência o conecta com a realidade do
trabalho e da produção. Essa perspectiva subverte a autoridade das narrativas
dominantes e valida um ponto de vista que normalmente é marginalizado, tornando
o poema uma voz para aqueles que foram esquecidos pela história.
06 – Analise as duas últimas
estrofes: "Cada página uma vitória. / Quem cozinhava o banquete? / A cada
dez anos um grande Homem. / Quem pagava a conta?" O que elas adicionam ao
argumento central?
As duas últimas
estrofes servem como um resumo conciso e uma generalização do argumento central
do poema, ampliando a crítica para além dos exemplos históricos específicos.
"Cada página uma vitória. / Quem cozinhava
o banquete?": Essa estrofe questiona a glorificação contínua das vitórias
nos anais da história. A "vitória" é frequentemente associada a
generais ou líderes militares, mas Brecht nos lembra que por trás de qualquer
triunfo há um vasto aparato de suporte e trabalho não reconhecido. O
"banquete" simboliza não apenas a celebração, mas toda a
infraestrutura e o esforço logístico e humano que permitem tais eventos,
geralmente realizados por pessoas comuns.
"A cada dez anos um grande Homem. /
Quem pagava a conta?": Aqui, Brecht satiriza a periodicidade com que a
história celebra "grandes Homens", sugerindo que essa exaltação
individual é um padrão. A pergunta "Quem pagava a conta?" é um
questionamento direto sobre os custos humanos e materiais por trás do sucesso
desses "grandes Homens". Implica sacrifícios, exploração e o ônus
sobre as massas, que sustentam esses feitos sem receber o devido reconhecimento
ou benefício. Essas estrofes, portanto, sintetizam a crítica à invisibilidade
do trabalho e do sacrifício coletivo em prol da glória individual.
07 – Qual é a relevância do
poema de Brecht para a compreensão da história e da sociedade contemporânea?
A relevância do
poema de Brecht para a compreensão da história e da sociedade contemporânea é
profunda. Ele nos convida a adotar um olhar crítico e descolonizado sobre as
narrativas históricas, questionando quem as escreve, de que perspectiva e com
quais propósitos. Em um mundo onde a fama e o reconhecimento ainda são
predominantemente atribuídos a poucos, o poema de Brecht é um lembrete de que o
funcionamento de qualquer sociedade depende do trabalho e da contribuição de
milhões de indivíduos muitas vezes anônimos. Ele nos encoraja a valorizar o
trabalho coletivo, a desafiar as hierarquias de valor e a reconhecer as vozes
marginalizadas na construção da história e da realidade social. O poema
continua a ser um chamado à conscientização sobre as desigualdades e a
importância de uma análise histórica mais inclusiva e abrangente.
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