domingo, 10 de agosto de 2025

ENTREVISTA: UM PAÍS CHAMADO TEATRO - REVISTA SESC TV - COM GABARITO

 Entrevista: Um país chamado Teatro

        ARIANE MNOUCHKINE e o Théâtre du Soleil

        ARIANE MNOUCHKINE é considerada uma das mais importantes diretoras de teatro em atividade no mundo. Ela fundou a lendária companhia Théâtre du Soleil, na ativa desde 1964, com sede em Paris (França). Surgida no contexto dos movimentos contestadores da década de 1960, sua companhia tem forte conexão com a liberdade, partindo em busca de uma linguagem inovadora. O processo de criação do grupo é coletivo, isto é, com total envolvimento de atores, diretores e técnicos em todas as etapas de realização do espetáculo. Outra característica da companhia é seu engajamento social com as questões contemporâneas. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyJk2dWVT6JxXopUKZkqUrCRHX-HjXRlcCfaLJ_LF8W2WYGV5W1ZwjWooKMYS4-y90Q9XQR3hyC0NacD57C02ybJnkT1sBv1P1HnoNTXFn0CuyB-QoI5d6N-2oK4R4rexK6xQMwjCtCioQYALQRRFQQpEp_0oxBCh6yPsBjHZ5o0D1hBToSyHCGclR5xs/s320/8ebfb569-87d6-4519-a876-e22686669492.jpg


O Théâtre du Soleil está no Brasil, neste mês, apresentando-se em São Paulo no Sesc Belenzinho, com a peça Os Náufragos da Louca Esperança. Esta é a segunda vez que o País recebe essa companhia, que em 2007 apresentou Les Ephémères. Ariane, aos 72 anos, é referência de inventividade, fôlego e vigor.

        Esta é a segunda vez que a senhora vem ao Brasil com sua companhia. Qual sua expectativa para esta turnê?

        A expectativa é igualmente alegre e maravilhosa, como da primeira vez. Nós estamos muito felizes, evidentemente, porque a impressão é a de que estamos sendo recebidos por amigos. Temos boas lembranças de São Paulo, tivemos uma boa receptividade do público.

        A nova montagem do Théâtre du Soleil, Os Náufragos da Louca Esperança, é baseada no romance póstumo Les naufragés du Jonathan, de Júlio Verne. Como foi o processo de criação desse espetáculo?

        O processo foi duplo. A primeira parte concerne à própria história do romance. Os atores realizam um processo de mise en abîme [criação de uma narrativa dentro de outra narrativa] e improvisam a parte inventada da história. 

        O Théâtre du Soleil é reconhecido em todo o mundo pelo seu engajamento social e pela sua diversidade, com atores vindos de diferentes países. No que isso interfere no processo de criação e no resultado de suas obras?

        É difícil medir isso, porque não enxergo as pessoas que trabalham conosco como estrangeiros. Nós somos todos do mesmo país, que é o país chamado teatro. Num dado momento, não existem franceses, brasileiros, espanhóis. É verdade, nós somos vinte e três nacionalidades aqui. Ao mesmo tempo, todos falam francês, é o teatro francês, vai além de questões de etnia e nacionalidade.

        A turnê do Théâtre du Soleil inclui, além da apresentação do espetáculo, encontro com o público e oficina com atores. Qual o interesse em realizar essa troca?

        O objetivo é chamar o máximo de jovens, estudantes, universitários e pessoas que estudam teatro para compartilhar com eles não o nosso método, porque não temos um método, mas nosso jeito de fazer a nossa pesquisa. Por um lado, é muito, muito, muito trabalho. Por outro, é mostrar que não há um segredo, mas muito trabalho.

        A companhia surgiu em 1964, em meio à efervescência cultural e política que o mundo vivia. Passadas cinco décadas, o que mudou nesse trabalho?

        A gente mantém as bases como no início: a igualdade de salários, a democracia nas decisões grandes e importantes, uma forma bastante coletiva de trabalhar, mas talvez de certa forma também tenhamos avançado, eu espero. Temos trabalhado cada dia mais e mais.

        Em sua opinião, qual é o papel do teatro e das artes na compreensão do mundo?

        É uma pergunta difícil, porque isso renderia um livro. O teatro encarna o mundo, é uma arte da encarnação. Ele não conta ideias, ele conta corpos, atos e emoções. É através desses corpos, atos e emoções que certas ideias são esclarecidas. Eu não acredito que a arte seja para compreender o mundo, mas para sentir o mundo, esclarecer o mundo.

        A senhora está à frente do Thêátre du Soleil desde a fundação. Como pensa na continuidade da companhia?

        Trabalho na formação de sucessores. Eu tenho um codiretor, por exemplo, o Charlie-Henri Bradier, que trabalha comigo há vinte anos. É preciso que isso continue depois de mim. Cada um sabe o que pode ser feito, o que não pode ser feito, o que pode ser falado e o que não. Todos pensam e refletem; o segredo em si é o processo de criação ser aberto. O segredo da continuidade é a hospitalidade, que nós já fazemos agora, o modo como recebemos gente nova. Eu tenho muito trabalho, o que é cansativo às vezes.

        Há um rico material de cinema sobre o Théâtre du Soleil. Qual a motivação do grupo para realizar o registro dos espetáculos?

        Nós realizamos filmes, não meros registros das peças, sobre nossos trabalhos. O espetáculo Les Ephémères foi o único que, de fato, foi registrado, porque era fundamental ver o público. Os outros espetáculos são realmente filmes. Nossa intenção não é imortalizar o que quer que seja. Ouvia as pessoas pedindo que deixássemos traços para quem não pudesse ver os espetáculos. Eu compreendi isso um dia, há muito tempo, após assistir a dez segundos de um filme de uma peça. Esses dez segundos foram muito importantes para mim. A cena não era extraordinária, mas me tocou profundamente. E então eu compreendi que era importante deixar traços do nosso trabalho para que atores e estudantes pudessem ver. É mais do que uma questão de imortalizar ou atingir o maior número de pessoas: é criar um material de consulta.

        A senhora acha que a televisão abre espaço para apreciar e discutir as artes?

        Muito raramente, mesmo na França. Cada vez menos. Mas, no ano que vem isso vai mudar, porque vamos ganhar as eleições. Estou brincando, mas espero.

Revista Sesc TV, out. 2011. Edição 55. Disponível em: www.sesctv.com.br/revista.cfm?materiaid=111. Acesso em: fev. 2013.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 123-125.

Entendendo a entrevista:

01 – Quais são as principais características do Théâtre du Soleil, fundado por Ariane Mnouchkine, conforme descrito no texto?

      O Théâtre du Soleil, fundado em 1964 por Ariane Mnouchkine, é conhecido por várias características marcantes. Primeiramente, ele surgiu no contexto dos movimentos contestadores da década de 1960, buscando liberdade e uma linguagem inovadora no teatro. O grupo adota um processo de criação coletivo, envolvendo totalmente atores, diretores e técnicos em todas as etapas da produção. Além disso, a companhia é reconhecida por seu forte engajamento social com questões contemporâneas e pela diversidade de suas 23 nacionalidades em seu elenco, apesar de todos falarem francês durante o trabalho.

02 – Como Ariane Mnouchkine descreve a experiência de se apresentar no Brasil pela segunda vez com o Théâtre du Soleil?

      Ariane Mnouchkine descreve a experiência de se apresentar no Brasil pela segunda vez como "igualmente alegre e maravilhosa" como da primeira vez. Ela expressa grande felicidade, afirmando que a impressão é de estarem sendo recebidos por amigos, e relembra a boa receptividade do público de São Paulo em sua visita anterior em 2007, quando apresentaram "Les Ephémères".

03 – Qual é a base da nova montagem do Théâtre du Soleil, "Os Náufragos da Louca Esperança", e como foi seu processo de criação?

      A nova montagem, "Os Náufragos da Louca Esperança", é baseada no romance póstumo "Les naufragés du Jonathan", de Júlio Verne. O processo de criação foi duplo. A primeira parte envolveu a história do próprio romance. A segunda parte consistiu em os atores realizarem um processo de "mise en abîme" (criação de uma narrativa dentro de outra narrativa) e improvisarem a parte inventada da história, o que sugere uma abordagem orgânica e exploratória na construção do espetáculo.

04 – Segundo Ariane Mnouchkine, como a diversidade de nacionalidades do elenco do Théâtre du Soleil interfere no processo de criação e no resultado das obras?

      Ariane Mnouchkine afirma que é difícil medir a interferência da diversidade de nacionalidades do elenco porque ela não enxerga os membros do grupo como estrangeiros. Para ela, todos são do "país chamado teatro", transcendendo questões de etnia e nacionalidade. Apesar de haver 23 nacionalidades, todos falam francês, e a companhia é considerada "teatro francês". Isso sugere que a diversidade é absorvida e unificada pela identidade teatral do grupo, em vez de ser um fator de interferência negativa.

05 – Qual é o principal objetivo dos encontros com o público e das oficinas com atores que o Théâtre du Soleil realiza durante suas turnês?

      O principal objetivo dos encontros com o público e das oficinas é chamar o máximo de jovens, estudantes e universitários para compartilhar o "jeito de fazer a pesquisa" do grupo. Mnouchkine ressalta que não se trata de um "método" secreto, mas sim de mostrar que o trabalho do Théâtre du Soleil é o resultado de "muito, muito, muito trabalho". A intenção é desmistificar o processo criativo e inspirar os futuros profissionais da área.

06 – Como Ariane Mnouchkine define o papel do teatro e das artes na compreensão do mundo?

      Para Ariane Mnouchkine, o teatro é uma "arte da encarnação"; ele não se limita a contar ideias, mas "conta corpos, atos e emoções". Ela acredita que é por meio desses elementos concretos que certas ideias são esclarecidas. Mnouchkine não vê a arte primariamente como uma ferramenta para "compreender o mundo", mas sim para "sentir o mundo" e "esclarecer o mundo", sugerindo que a experiência visceral e emocional proporcionada pelo teatro é mais fundamental do que uma compreensão puramente intelectual.

07 – Qual a motivação do Théâtre du Soleil para realizar registros cinematográficos de suas peças, e qual é o objetivo desses materiais?

      A motivação do Théâtre du Soleil para realizar filmes (e não meros registros) sobre seus trabalhos é deixar "traços" para quem não pôde ver os espetáculos e, mais importante, criar um "material de consulta" para atores e estudantes. Ariane Mnouchkine inicialmente não tinha a intenção de imortalizar suas obras, mas compreendeu a importância de deixar esses registros após ser tocada por dez segundos de um filme de uma peça antiga. O objetivo, portanto, vai além da imortalização ou de atingir um grande público; é fornecer um recurso pedagógico e inspirador para o futuro da arte teatral.

 

 

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