domingo, 10 de agosto de 2025

POEMA: ATRIZ - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Atriz

             Carlos Drummond de Andrade

A morte emendou a gramática.
Morreram Cacilda Becker.
Não era uma só. Era tantas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIkFEAzb8o1crG8jYQ9Be4TNFHcJlm6qsCpE8MwmRY92ygn1nPdOFYGnaoEpqyc7TNfbiz2NhruljgqPdd3Dl6IER1ccc3YfbpvgkQ2tka5H5kjBySpSXg53knf9AEyJDRjKaWT7D0nBQYLuXGpifgbCwXU8U-7I40JdRYzoadXpXMaEyQeY0yv4jCHJk/s320/frase-atriz-era-uma-pessoa-e-era-um-teatro-carlos-drummond-de-andrade-121628.jpg


Professorinha pobre de Pirassununga
Cleópatra e Antígona
Maria Stuart
Mary Tyrone
Marta, de Albee
Margarida Gauthier e Alma Winemiller
Hannah Jelkes a solteirona
a velha senhora Clara Zahanassian
adorável Júlia
outras muitas, modernas e futuras
irreveladas.
Era também um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo
e um mendigo esperando infinitamente Godot.
Era principalmente a voz de martelo sensível
martelando e doendo e descascando
a casca podre da vida
para mostrar o miolo de sombra
a verdade de cada um nos mitos cênicos.
Era uma pessoa e era um teatro.
Morrem mil Cacildas em Cacilda.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 236.

Entendendo o poema:

01 – Como o poema "Atriz" de Carlos Drummond de Andrade aborda a multiplicidade da identidade da atriz Cacilda Becker?

      O poema "Atriz" explora a multiplicidade da identidade de Cacilda Becker ao apresentar a atriz não como uma figura singular, mas como um universo de personagens. Drummond utiliza a frase "Não era uma só. Era tantas" para iniciar essa ideia, listando uma série de papéis icônicos que Cacilda interpretou, como Cleópatra, Antígona, Maria Stuart, Mary Tyrone, entre outros. Além dos personagens femininos clássicos e modernos, o poema ainda expande essa multiplicidade para além do gênero, mencionando "um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo" e "um mendigo esperando infinitamente Godot". Essa abordagem revela que a essência da atriz reside na sua capacidade de encarnar diversas existências, tornando-se um repositório de histórias e emoções que transcendem sua própria individualidade. A repetição da ideia de que "Morrem mil Cacildas em Cacilda" ao final reforça a noção de que a morte física de Cacilda Becker não é apenas o fim de uma pessoa, mas o desaparecimento de inúmeras vidas e representações que ela trouxe à tona.

02 – De que forma o poema estabelece uma relação entre a arte da interpretação e a revelação da verdade?

      O poema "Atriz" estabelece uma profunda relação entre a arte da interpretação e a revelação da verdade, especialmente através da metáfora da "voz de martelo sensível". Drummond descreve a voz da atriz como algo que "martelando e doendo e descascando / a casca podre da vida / para mostrar o miolo de sombra / a verdade de cada um nos mitos cênicos". Essa imagem poderosa sugere que a performance de Cacilda Becker não era meramente uma representação superficial; era um processo doloroso e incisivo que desvelava as camadas da existência, expondo a essência humana mais profunda e, por vezes, sombria. Os "mitos cênicos" – as histórias e personagens que ela interpretava – tornavam-se veículos para a verdade universal, permitindo que o público e a própria atriz confrontassem as complexidades e as contradições da condição humana. Assim, a arte cênica, na visão do poeta, não é uma fuga da realidade, mas um caminho para compreendê-la em sua plenitude.

03 – Qual o significado da frase "A morte emendou a gramática" no contexto do poema?

      A frase "A morte emendou a gramática" é uma abertura impactante e carregada de significado no poema "Atriz". Primeiramente, ela sugere uma interrupção abrupta e definitiva, como se a morte tivesse corrigido ou finalizado algo que estava em andamento – a vida e a carreira de Cacilda Becker. A "gramática" pode ser interpretada como a ordem, a sequência ou a própria estrutura da existência, que é alterada e corrigida pela fatalidade. Em um sentido mais poético e trágico, a morte "emendou" a "gramática" da vida de Cacilda ao impedir que ela continuasse a criar e a se desdobrar em novos personagens, fixando-a em sua memória e em sua contribuição. Além disso, a frase pode aludir à forma como a morte, por sua irrevocabilidade, impõe uma nova ordem ou perspectiva sobre a vida de quem parte, redefinindo sua história e seu legado de maneira definitiva.

04 – Analise a dimensão da "imortalidade" da atriz presente no poema, mesmo diante da constatação de sua morte.

      Apesar de começar com a constatação da morte de Cacilda Becker ("Morreram Cacilda Becker"), o poema "Atriz" subtly explora a dimensão da sua imortalidade artística. Essa imortalidade não é literal, mas reside na perpetuação de seu legado e na permanência de suas múltiplas "personagens" na memória coletiva e na história do teatro. A frase "Morrem mil Cacildas em Cacilda" paradoxalmente sugere que, embora a atriz individual tenha falecido, as inúmeras vidas que ela encarnou – Cleópatra, Antígona, Mary Tyrone, entre outras – continuam a existir como parte de sua memória e influência. O poema lista inclusive "outras muitas, modernas e futuras / irreveladas", indicando que o impacto de sua arte transcende o tempo, inspirando futuras gerações e mantendo viva a essência de sua capacidade transformadora. A "voz de martelo sensível" que "descasca a casca podre da vida" permanece como um eco de sua capacidade de revelar verdades, garantindo que a contribuição de Cacilda Becker permaneça viva no imaginário cultural, mesmo após sua morte física.

05 – De que maneira o poema utiliza a enumeração de personagens para construir a imagem de Cacilda Becker?

      O poema utiliza a enumeração exaustiva de personagens para construir a imagem de Cacilda Becker de uma forma que transcende a figura da atriz individual, elevando-a a um símbolo da própria arte da interpretação. Ao listar uma vasta gama de papéis – de Professorinha pobre de Pirassununga a Cleópatra, Antígona, Maria Stuart, Mary Tyrone, Marta de Albee, Margarida Gauthier, Alma Winemiller, Hannah Jelkes, e até personagens masculinos como Pinga-Fogo e o mendigo de Godot –, Drummond demonstra a versatilidade e a profundidade de Cacilda. Essa enumeração não é apenas uma lista de atuações, mas uma construção da identidade da atriz como um "teatro" em si mesma, como afirma a linha "Era uma pessoa e era um teatro". Cada nome evoca um universo dramático e uma emoção específica, mostrando que Cacilda era capaz de habitar e dar vida a uma diversidade extraordinária de existências humanas. Assim, a enumeração serve para ilustrar a capacidade mimética e transformadora da atriz, consolidando a ideia de que sua essência estava na sua habilidade de ser "tantas", um espelho das múltiplas facetas da condição humana.

 

 

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