domingo, 10 de agosto de 2025

CONTO: A MOURA TORTA - HENRIQUETA LISBOA - COM GABARITO

 Conto: A moura torta

           Henriqueta Lisboa.

        Era uma vez um rei que tinha um filho único, e este, chegando a ser rapaz, pediu para correr mundo. Não houve outro remédio senão deixar o príncipe seguir viagem como desejava.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihAsJNmddnrAgCcdttNUPWvC86WYDir2sJBJ9sCATKX0dFGsXLdO22T4uj9dTNyH_v0UYQp0NPj0r5byGkQK0M99B_ZiBelMHuhwnMvMTyz9N5XVjGB3I9kIgMrpvOCGWnu4ixvkFl6sL70e9BxPxhQ_Jq-pjRSbi8FZJBrEomqegL_l0uAn1Wahq3Rtc/s320/DI03868.jpg


        Nos primeiros tempos nada aconteceu de novidades. O príncipe andou, andou, dormindo aqui e acolá, passando fome e frio. Numa tarde ia ele chegando a uma cidade quando uma velhinha, muito corcunda, carregando um feixe de gravetos, pediu uma esmola. O príncipe, com pena da velhinha, deu dinheiro bastante e colocou nos ombros o feixe de gravetos, levando a carga até pertinho das ruas. A velha agradeceu muito, abençoou e disse:

        – Meu netinho, não tenho nada para lhe dar; leve essas frutas para regalo mas só abra perto das águas correntes.

        Tirou do alforje sujo três laranjas e entregou ao príncipe, que as guardou e continuou sua jornada.

        Dias depois, na hora do meio-dia, estava morto de sede e lembrou-se das laranjas. Tirou uma, abriu o canivete e cortou. Imediatamente a casca abriu para um lado e outro e pulou de dentro uma moça bonita como os anjos, dizendo:

        – Quero água! Quero água!

        Não havia água por ali e a moça desapareceu. O príncipe ficou triste com o caso. Dias passados sucedeu o mesmo. Estava com sede e cortou a segunda laranja. Outra moça, ainda mais bonita, apareceu, pedindo água pelo amor de Deus.

        O príncipe não pôde arranjar nem uma gota. A moça sumiu-se como uma fumaça, deixando-o muito contrariado.

        Noutra ocasião o príncipe tornou a ter muita sede. Estava já voltando para o palácio de seu pai. Lembrou-se do sucedido com as duas moças e andou até um rio corrente. Parou e descascou a última laranja que a velha lhe dera. A terceira moça era bonita de fazer raiva. Muito e muito mais bonita que as duas outras. Foi logo pedindo água e o príncipe mais que depressa lhe deu. A moça bebeu e desencantou, começando a conversar com o rapaz e contando a história. Ficaram namorados um do outro. A moça estava quase nua e o príncipe viajava a pé, não podendo levar sua noiva naqueles trajes. Mandou subir para uma árvore, na beira do rio, despediu-se dela e correu para casa.

        Nesse momento chegou uma escrava negra, cega de um olho, a quem chamavam a Moura Torta. A negra baixou-se para encher o pote com água do rio mas avistou o rosto da moça que se retratava nas águas e pensou que fosse o dela. Ficou assombrada de tanta formosura.

        – Meu Deus! Eu tão bonita e carregando água? Não é possível… Atirou o pote nas pedras, quebrando-o e voltou para o palácio, cantando de alegria. Quando a viram voltar sem água e toda importante, deram muita vaia na Moura Torta, brigaram com ela e mandaram que fosse buscar água, com outro pote.

        Lá voltou a negra, com o pote na cabeça, sucumbida. Meteu o pote no rio e viu o rosto da moça que estava na árvore, mesmo por cima da correnteza. Novamente a escrava preta ficou convencida da própria beleza. Sacudiu o pote bem longe e regressou para o palácio, toda cheia de si.

        Quase a matam de vaias e de puxões. Deram o terceiro pote e ameaçaram a negra de uma surra de chibata se ela chegasse sem o pote cheio d’água. Lá veio a Moura Torta no destino. Mergulhou o pote no rio e tornou a ver a face da moça. Esta, não podendo conter-se com a vaidade da negra, desatou uma boa gargalhada. A escrava levantou a cabeça e viu a causadora de toda sua complicação.

        – Ah! É vossimicê, minha moça branca? Que está fazendo aí, feito passarinho? Desça para conversar comigo.

        A moça, de boba, desceu, e a Moura Torta pediu para pentear o cabelo dela, um cabelão louro e muito comprido que era um primor. A moça deixou. A Moura Torta deitou a cabeça no seu colo e começou a catar, dando cafuné e desembaraçando as tranças. Assim que a viu muito entretida, fechando os olhos, tirou um alfinete encantado e fincou-o na cabeça da moça. Esta deu um grito e virou-se numa rolinha, saindo a voar.

        A negra trepou-se na mesma árvore e ficou esperando o príncipe, como a moça lhe tinha dito, de boba.

        Finalmente o príncipe chegou, numa carruagem dourada, com os criados e criadas trazendo roupa para vestir a noiva. Encontrou a Moura Torta, feia como a miséria. O príncipe, assim que a viu, ficou admirado e perguntou a razão de tanta mudança. A Moura Torta disse:

        – O sol queimou minha pele e os espinhos furaram meu olho. Vamos esperar que o tempo melhore e eu fique como era antes.

        O príncipe acreditou e lá se foi a Moura Torta de carruagem dourada, feito gente. O rei e a rainha ficaram de caldo vendo uma nora tão horrenda como a negra. Mas palavra de rei não volta atrás e o prometido seria cumprido. O príncipe anunciou seu casamento e mandou convite aos amigos.

        A Moura Torta não acreditava nos olhos. Vivia toda coberta de seda e perfumada, dando ordens e ainda mais feia do que carregando o pote d’água. Todos antipatizavam com a futura princesa.

        Todas as tardes o príncipe vinha espairecer no jardim e notava que uma rolinha voava sempre ao redor dele, piando triste de fazer pena. Aquilo sucedeu tantas vezes que o príncipe acabou ficando impressionado. Mandou um criado armar um laço num galho e a rolinha ficou presa. O criado levou a rolinha ao príncipe e este a segurou com delicadeza, alisando as peninhas. Depois coçou a cabecinha da avezinha e encontrou um caroço duro. Puxou e saiu um alfinete fino. Imediatamente a moça desencantou-se e apareceu bonita como os amores.

        O príncipe ficou sabendo da malvadeza da negra escrava. Mandou prender Moura Torta e contou a todo o mundo a perversidade dela, condenando-a a morrer queimada e as cinzas serem atiradas ao vento.

        Fizeram uma fogueira bem grande e sacudiram a Moura Torta dentro, até que ficou reduzida a poeira.

        A moça casou com o príncipe e viveram como Deus com seus anjos, querida por todos. Entrou por uma perna de pinto e saiu por uma de pato, mandou dizer El-Rei Meu Senhor que me contassem quatro…

Conto popular. Recontado por Lourença Maria da Conceição, in Câmara Cascudo, Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro, Ediouro, data?

Entendendo o conto:

01 – Qual foi o pedido do príncipe ao seu pai e qual foi a condição inicial de sua viagem?

      O príncipe pediu ao seu pai, o rei, para correr mundo (viajar e conhecer lugares). Inicialmente, ele "andou, andou, dormindo aqui e acolá, passando fome e frio", ou seja, enfrentou dificuldades e privações.

02 – Como o príncipe ajudou a velhinha corcunda e qual presente ele recebeu dela?

      O príncipe ajudou a velhinha corcunda dando-lhe dinheiro e colocando o feixe de gravetos dela em seus próprios ombros, carregando-o até a cidade. Como agradecimento, a velhinha lhe deu três laranjas, com a instrução de só abri-las perto de águas correntes.

03 – Por que as duas primeiras moças que saíram das laranjas desapareceram?

      As duas primeiras moças desapareceram porque, ao saírem das laranjas, imediatamente pediram água, e o príncipe não conseguiu providenciar nenhuma gota de água por perto. A falta de água as fez sumir.

04 – Qual a atitude da Moura Torta ao ver o reflexo da moça na água e qual foi a consequência de suas ações para ela mesma?

      A Moura Torta, ao ver o reflexo da moça na água, pensou que fosse o seu próprio e ficou extremamente vaidosa com tanta formosura. Por causa dessa vaidade, ela quebrou os potes que deveria encher com água, o que resultou em "muita vaia", brigas e ameaças de surra por parte das pessoas do palácio.

05 – Como a Moura Torta enganou a moça encantada da laranja?

      A Moura Torta enganou a moça pedindo para pentear seu cabelo e, enquanto a moça estava relaxada e de olhos fechados, a negra fincou um alfinete encantado na cabeça dela, transformando-a em uma rolinha.

06 – De que forma o príncipe descobriu a verdadeira identidade da moça transformada em rolinha e o que ele fez com a Moura Torta?

      O príncipe notou uma rolinha piando triste no jardim e, impressionado, mandou um criado capturá-la. Ao alisar as peninhas e coçar a cabecinha da rolinha, encontrou um caroço duro e puxou um alfinete fino, o que fez a moça desencantar. Ao saber da maldade, o príncipe mandou prender a Moura Torta, condenando-a a morrer queimada e ter suas cinzas atiradas ao vento.

07 – Qual o desfecho da história para a moça e para o príncipe?

      A moça casou com o príncipe e, segundo o conto, "viveram como Deus com seus anjos, querida por todos", indicando um final feliz e harmonioso.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário