Reportagem: O ensino médio e seus caminhos – Fragmento
Programas
governamentais miram a integração entre a educação profissional e o ensino
médio tradicional e a flexibilização do currículo, com a introdução de
disciplinas optativas para que alunos possam construir seu percurso de
aprendizado
Por
Filipe Jahn – Publicado em 10/09/2011
Um dos principais dilemas da educação
contemporânea é aquele que gira em torno da permanência dos alunos do ciclo
médio nos bancos escolares. Atraídos pelo número de estímulos e pela velocidade
da sociedade, a escola lhes parece enfadonha. No entanto, muito do que lhes
parece fora de propósito nessa fase – experiências, relações, conhecimentos –
só irá adquirir sentido ao longo do tempo. Muitas vezes acaba por não fazer,
por diversos motivos, entre eles o abandono da escola.

Todo esse clima de desinteresse dos
adolescentes pela vida escolar tem gerado muitas reflexões mundo afora sobre os
possíveis caminhos de fazer com que o ensino médio seja vivido e percebido como
significativo. Nessa perspectiva, o desafio dos sistemas de ensino nos últimos
anos envolve a capacidade de organizar um programa curricular que consiga, ao
mesmo tempo, formar os jovens para continuar os estudos no ensino superior e
prepará-los para o mercado de trabalho. [...].
No Brasil, o cenário segue roteiro
parecido. As novas proposições do governo federal para o ensino médio têm o
objetivo de elevar o índice de conclusão do ensino médio regular para o patamar
de países mais desenvolvidos. [...]
[...]
Para aumentar esses índices de
conclusão, o MEC aposta na ampliação da educação profissional, ainda pouco
expressiva no Brasil. No âmbito do ensino secundário, ela responde por apenas
14% das matrículas, contra 77% da Áustria, 58% da Alemanha, 44% da França, 42%
da China e 37% do Chile.
Realidade
brasileira
Para melhorar o cenário, o governo
federal aposta, desde 2004, em propostas que apontem para um programa
curricular mais flexível. Uma das principais medidas foi a possibilidade de
integrar ensino regular e a educação profissional, sacramentada pelo decreto
5.154/04. Dessa maneira, instituições privadas e públicas oferecem as aulas
regulares em um turno e cursos que preparem para o mercado de trabalho em
outro, sob uma mesma matrícula.
Esse é o caso de Matheus Escobar, aluno
do 2º ano da Escola Técnica Estadual (Etec) Jorge Street, em São Paulo. Durante
a tarde, ele cursa as disciplinas do ensino formal tradicional; de manhã, tem aulas
de desenho técnico mecânico, automação industrial e eletrônica digital, entre
outras.
Aos 16 anos, Matheus resolveu fazer o
ensino médio integrado porque, na sua opinião, esse caminho lhe dará mais
chances de seguir os estudos no ensino superior. “Quero ir o mais rápido
possível para a universidade. Se tiver de ser uma particular, com a mecatrônica
tenho chances de arrumar um bom trabalho para conseguir pagá-la”, diz,
referindo-se à formação técnica que está cursando, umas das 83 oferecidas no ensino
técnico paulista.
Os números comprovam a tese do
estudante. Uma pesquisa conduzida pelo economista Marcelo Neri, do Centro de
Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada em 2010, apontou
que a chance de arrumar emprego para jovens que cursam alguma modalidade de
educação profissional é 48% maior. A possibilidade de carteira assinada também
cresce 38%. Para chegar a esses índices a pesquisa relacionou dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 e da Pesquisa Mensal de
Emprego (PME) dos oito anos anteriores.
[...]
Novo
modelo
Outra proposta implantada em caráter
experimental é o Ensino Médio Inovador (EMI). Lançado no ano passado, tem entre
as suas principais ações o aumento da carga horária letiva anual de 800 para
mil horas e a destinação de 20% dessa carga à oferta, pela escola ou por
parceiros, de disciplinas eletivas.
Nesse modelo, o currículo passa a
valorizar a interdisciplinaridade e deve ser organizado em torno de quatro
eixos: trabalho, tecnologia, ciência e cultura. Também é previsto o incentivo à
contratação de professores com dedicação exclusiva e o estímulo às atividades
de produção artística e de aulas teórico-práticas em laboratórios.
O EMI funciona atualmente em escolas de
18 estados que resolveram aderir a ele e recebem apoio técnico e
financeiro da União. Segundo dados da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC),
os recursos totais somam R$ 33 milhões e atingem 296 mil estudantes em 357
escolas.
Atualmente
a SEB reformula o programa e uma nova versão está prevista para maio. Uma das
medidas sendo planejadas é articulá-lo com outro programa do ministério, o Mais
Educação, que oferece suporte financeiro diretamente às escolas para passarem a
ofertar atividades optativas. Elas são agrupadas em macrocampos como esporte e
lazer, cultura e artes, cultura digital, educomunicação e educação econômica.
Na opinião de Maria Sylvia Simões,
professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, as ideias
do Ensino Médio Inovador representam um avanço na educação brasileira. Por
outro lado, lembra a professora, a consolidação do projeto no país inteiro
esbarra em um ponto bastante complicado: o MEC e os governos estaduais precisam
estar em sintonia. Mas alguns estados já sinalizaram que não deverão aderir.
“Se não há vontade política de quem tem o poder de decisão, fica difícil
implantar”, comenta Maria Sylvia Simões. Outro problema é o custo do modelo,
bem superior ao do ensino médio tradicional.
O
$ da questão
Esse descompasso entre os entes
federativos também está refletido na educação profissional. De acordo com o
Censo Escolar 2010, nas escolas da rede federal, o ensino técnico integrado
representa a maior parte das matrículas da área, com 46% (76 mil alunos entre
165 mil). Agora, considerando toda a educação profissional, ele cai para
último, com 18,9% (215 mil em um universo de 1,14 milhão).
Entretanto, além de questões políticas,
as propostas do governo federal para o ensino médio também enfrentam
dificuldades para emplacar nacionalmente por causa de seu custo, difícil de ser
assumido pelos estados. Álvaro Chrispino, professor do Centro Federal de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), explica que, no caso
do ensino integrado, o custo de laboratórios e equipamentos é alto e essa forma
de articulação também exige capacitar os docentes das duas áreas. “A maioria
dos estados só consegue ofertar em quantidade se houver contrapartida da
federação.”
[...]
A contratação de docentes é outra
questão. Maria Sylvia Simões afirma que o sucesso do Ensino Médio Inovador e do
ensino integrado significará crescimento da demanda. Assim, as secretarias de
Educação precisarão abrir novos concursos e aumentar a carga horária de quem já
é da rede. “Só que aí tem de ver quem consegue financiar isso e, ao mesmo
tempo, oferecer um salário decente”, pontua.
[...]
Quem se beneficia
Outra discrepância que as propostas do
MEC não solucionam é a qualidade das instituições e redes em um sistema que
privilegia o mérito do aluno. Como mostra o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) observado em 2009, a média do segundo grau nas redes
estaduais brasileiras é 3,4, mas a diferença entre os entes pode chegar a mais
de um ponto.
[...]
Álvaro Chrispino, docente do Cefet/RJ,
diz que, se não houver igualdade de condições entre as escolas, as vagas
daquelas que tiverem sucesso com a implantação dos projetos do MEC serão cada
vez mais concorridas. Com o tempo, elas podem acabar utilizando mecanismos de
seleção.
Essa tendência decorreria de uma
precipitação do MEC, que elaborou boas ideias para todo o país sem levar em
conta as desigualdades históricas. “Se a qualidade do sistema de uma rede se
mantém desnivelada, as propostas para todo o ensino médio continuam a surtir
efeito apenas em uma pequena parcela de jovens”, conclui ele. Ou seja, a
educação, ao contrário dos discursos públicos, continuaria a não se efetivar
como um fator de redução das desigualdades sociais, ou o faria em ritmo muito
menor que o necessário ao equilíbrio social do país.
Filipe Jahn. O ensino
médio e seus caminhos. Revista Educação, n° 169, p. 28-32, maio 2011.
Fonte: Universos –
Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto
Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª
edição, 2015. p. 194-196.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual é o principal dilema
da educação contemporânea, de acordo com o texto, e por que ele acontece?
O principal
dilema é a evasão escolar dos alunos do ensino médio. Isso acontece porque a
escola, muitas vezes, parece enfadonha para os adolescentes, que são atraídos
pelos estímulos e pela velocidade da sociedade contemporânea. Muitos não veem
sentido nas experiências e conhecimentos oferecidos na escola, o que leva ao
abandono dos estudos.
02 – Quais são as duas
principais propostas do governo federal mencionadas na reportagem para combater
o desinteresse e a evasão no ensino médio?
As duas
principais propostas são:
A integração entre o ensino profissional
e o ensino médio tradicional, permitindo que os alunos cursem as disciplinas
regulares e, ao mesmo tempo, uma formação técnica.
O Ensino Médio Inovador (EMI), que busca
aumentar a carga horária e flexibilizar o currículo com disciplinas eletivas.
03 – De que forma a educação
profissional, segundo a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), beneficia os
jovens?
A pesquisa da FGV
mostrou que a educação profissional aumenta em 48% a chance de os jovens
conseguirem um emprego e em 38% a possibilidade de terem um contrato formal de
trabalho (carteira assinada).
04 – Quais são os quatro eixos
temáticos que o currículo do Ensino Médio Inovador (EMI) valoriza?
O currículo do
EMI é organizado em torno de quatro eixos principais: Trabalho; Tecnologia;
Ciência e Cultura.
05 – Por que, na opinião de
Maria Sylvia Simões, a implantação do Ensino Médio Inovador em todo o país
enfrenta dificuldades?
A professora
Maria Sylvia Simões aponta dois problemas principais: a falta de sintonia e
vontade política entre o Ministério da Educação (MEC) e os governos estaduais,
e o alto custo do modelo, que é superior ao do ensino médio tradicional.
06 – Além dos desafios
políticos, qual é a principal dificuldade financeira que as propostas do
governo enfrentam para serem implementadas nacionalmente?
O alto custo é o
principal desafio. O texto menciona que, tanto para o ensino integrado quanto
para o Ensino Médio Inovador, os gastos com laboratórios, equipamentos e a
contratação de docentes qualificados são altos, o que dificulta a adesão dos
estados sem uma contrapartida financeira significativa do governo federal.
07 – De acordo com o professor
Álvaro Chrispino, qual é o grande risco que as desigualdades históricas podem
causar nas propostas do MEC?
O professor
Álvaro Chrispino afirma que, se não houver igualdade de condições entre as
escolas, as propostas do MEC só terão efeito em uma pequena parcela de jovens.
Isso pode levar a um aumento da concorrência por vagas nas escolas que
conseguirem implantar os projetos com sucesso, e essas escolas podem até
começar a usar mecanismos de seleção. O resultado é que a educação continuaria
a não cumprir seu papel de reduzir as desigualdades sociais.
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