Reportagem: É frevo! – Fragmento
Ele
tem cerca de 100 anos de idade, é natural do Recife e faz qualquer um se
mexer. Agora, no Carnaval, queima montes de calorias. Tem gente dizendo que
pode até virar a primeira dança clássica brasileira
Quando alguém fala em dança, música ou
Carnaval brasileiro, todo mundo pensa logo no samba. Mas o frevo, nascido em
Pernambuco, mais precisamente no Recife, não só é igualmente brasileiro como
também explode no Carnaval. A grande diferença é que, ao contrário do samba,
não se espalhou pelo país.

Claro que brasileiros de todos os
cantos reconhecem o ritmo quando o ouvem. Afinal, cantores conhecidos, como
Caetano Veloso ou Moraes Moreira, já gravaram frevos que ficaram famosos
nacionalmente. Muitos também são capazes de identificar – ainda que para alguns
seja impossível botar em prática – os passos que acompanham esse tipo de
música. Mas tocar, cantar e dançar frevo é coisa de pernambucano. Uma pena, na
opinião do músico e bailarino também de Pernambuco Antônio Nóbrega, que defende
a possibilidade de se usar o frevo como base para o desenvolvimento de uma
dança clássica genuinamente brasileira. Algo para ser ensinado nas academias,
ao lado do conhecido clássico europeu e do jazz. [...]
Saltos
e piruetas
Mas por que o papel de gerar esse
produto artístico nacional não poderia ser do samba? “Porque o samba não é uma
dança”, justifica Nóbrega. “É basicamente um passo, ao qual podem ser
acrescidos adornos.” Opiniões à parte, o certo é que a coreografia do frevo não
padece dessa carência. São cerca de 120 passos diferentes. Muitos tão
acrobáticos quanto aquelas piruetas nas quais o russo Mikhail Baryshnikov é
craque. Segundo o compositor erudito brasileiro César Guerra Peixe (1914-1994),
trata-se de um gênero único, pois o dançarino dança a orquestração. Por isso
mesmo, para compor um frevo é preciso conhecer os papéis dos vários
instrumentos numa orquestra, principalmente os dos metais.
As primeiras composições, não por
acaso, foram de mestres de bandas, como José Lourenço da Silva, o Zuzinha. É
que o frevo nasceu da competição entre bandas marciais (veja o quadro ao lado).
Cada uma com seu grupo de capoeiras, leões-de-chácara cheios de ginga, à
frente, elas foram moldando as marchas militares à cadência da luta-dança,
dando origem à nova música. “O nascimento do frevo não tem data específica”,
avisa o historiador Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, de
Recife. “Ele foi nascendo aos poucos, resultado de uma sincronização entre
música e dança.”
Levado
para o Rio, não empolgou
Por volta de 1880 começaram a surgir as
primeiras sociedades carnavalescas do Recife. Eram os chamados “clubes
pedestres”. Compostos por populares, eles se apresentavam assim mesmo: a pé. A
aristocracia ficava nos clubes fechados. Quando os capoeiras eram reprimidos à
frente das bandas marciais [...], se refugiavam nos desfiles dessas agremiações
e passavam a defender seus estandartes.
As orquestras desses clubes tocavam
polca, maxixe, tango, marchas. E também foram influenciadas pelos passos da capoeira.
Quando nasceu, em 1889, é provável que o Clube Vassourinhas já tocasse o frevo.
Depois o gênero evoluiu, adquirindo uma personalidade ainda mais marcante. Quem
ouvia essa música nova tentava encontrar paralelos. Em visita a Recife, em
1942, o cineasta americano Orson Welles teria chegado a acha-la parecida com a
italiana tarantela. Especialistas negam a semelhança.
Difícil de identificar, o frevo era
também duro de imitar. Bem que se tentou, várias vezes, levá-lo para o Rio, mas
não deu certo. “Frevo não é espetáculo, que nem as escolas de samba, mas
participação do povo”, explicou o estudioso Valdemar de Oliveira no livro
Frevo, Capoeira e Passo. “Se não há povo participante em quantidade e,
sobretudo, em qualidade, que lhe dê corpo e alma, desfilará um ajuntamento de
virtuose, ou pseudo-virtuose, não frevo”.
Malabarismo
na rua não é pra qualquer um
Se é importante conhecer bem música
para compor o frevo, parece ser necessário ainda algo mais para tocá-lo bem.
Valdemar de Oliveira reclama que só quando a Federação Carnavalesca
Pernambucana resolveu mandar o maestro Zuzinha ao Rio, para ensaiar as bandas
cariocas encarregadas de gravar as composições premiadas no Carnaval, os
resultados ficaram melhores. Antes, as notas vinham corretas, ele conta, mas o
andamento era errado e o ritmo, frouxo.
Talvez haja um pouco de bairrismo na
avaliação. Mais aberto, Francisco Nascimento da Silva, 60 anos, o Nascimento do
Passo, resolveu até abrir uma escola em Recife para ensinar a dança a turistas
ou mesmo a moradores mais duros de cintura. “Em um mês qualquer um pode se
tornar um bom dançarino”, exagera. Talvez a generosidade venha do fato de que
ele não é pernambucano. Veio, menino, do Amazonas. Cá para nós, um mês de aulas
deve dar apenas para passar o Carnaval sem vexame, arriscando uns vinte dos 120
passos conhecidos.
[...].
Felipe Oliveira. É
frevo! Revista Superinteressante, n° 113, fev. 1997. Disponível em: http://super.abril.com.br/historia/frevo-436886.shtml.
Acesso em: 22 mar. 2015.
Fonte: Universos –
Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto
Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª
edição, 2015. p. 118-119.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual é a principal
diferença apontada entre o frevo e o samba?
A principal
diferença é a popularização. O samba se espalhou por todo o país e é
universalmente associado ao Carnaval brasileiro. Já o frevo, embora seja
reconhecido por brasileiros, não se espalhou tanto e é predominantemente uma
manifestação cultural de Pernambuco. Outra distinção é que o frevo, com seus
cerca de 120 passos, é considerado uma dança, enquanto o samba é definido na
reportagem como um passo básico, ao qual podem ser acrescentados adornos.
02 – Quem é Antônio Nóbrega e
qual é a sua proposta para o frevo?
Antônio Nóbrega é
um músico e bailarino pernambucano. Ele defende a ideia de que o frevo poderia
se tornar a base para o desenvolvimento de uma dança clássica genuinamente
brasileira, sendo ensinado em academias de dança ao lado do balé europeu e do
jazz.
03 – Por que, segundo César
Guerra Peixe, o frevo é considerado um gênero único?
Segundo o compositor
erudito, o frevo é único porque o dançarino "dança a orquestração".
Isso significa que a dança não é apenas um acompanhamento da música, mas uma
interpretação física da complexidade musical. Por isso, para compor um frevo, é
preciso ter um conhecimento aprofundado dos instrumentos de uma orquestra,
especialmente os de metal.
04 – Como o frevo nasceu, de
acordo com o historiador Leonardo Dantas Silva?
O frevo nasceu da
competição entre bandas marciais. Essas bandas, que tinham grupos de capoeiristas
à frente, foram moldando as marchas militares à cadência da capoeira (uma
luta-dança), resultando em uma nova música. O historiador explica que o frevo
não tem uma data de nascimento específica, mas foi o resultado de uma
"sincronização entre música e dança" que aconteceu gradualmente.
05 – Qual a razão, segundo o
estudioso Valdemar de Oliveira, para o frevo não ter se popularizado no Rio de
Janeiro?
Valdemar de
Oliveira explica que o frevo não é um espetáculo como as escolas de samba, mas
uma "participação do povo". Ele defende que a essência do frevo está
na participação espontânea de um grande número de pessoas com qualidade e alma.
Sem essa participação popular em massa, o frevo perde sua essência e se torna
apenas um "ajuntamento de virtuose" (pessoas talentosas), mas não o
frevo de verdade.
06 – Que dificuldades foram
relatadas em relação à execução musical do frevo fora de Pernambuco?
A reportagem
menciona que, quando as bandas cariocas tentaram gravar composições de frevo,
os resultados não foram satisfatórios. Embora as notas estivessem corretas, o
andamento era errado e o ritmo, "frouxo". Somente quando um maestro
pernambucano foi enviado ao Rio para ensiná-los os resultados melhoraram,
indicando a necessidade de uma sensibilidade cultural e rítmica específica para
tocar o frevo corretamente.
07 – Quem é Nascimento do
Passo e qual sua visão sobre o aprendizado da dança?
Nascimento do
Passo, um dançarino de 60 anos que veio do Amazonas, é o dono de uma escola de
frevo no Recife. Ele é descrito como "mais aberto" do que outros e
acredita que qualquer pessoa pode se tornar um bom dançarino em apenas um mês
de aulas. Embora a reportagem considere essa afirmação um exagero, ela mostra a
visão generosa de alguém que busca democratizar a dança.
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